Há o banco de sangue e o sangue do Banco Itaú, > guardado nos cofres. Vem de muitas eras, pra lá das sesmarias; bem > como o suor. Tudo foi roubado. Os ladrões ficaram dez horas > confinadas, chegaram a pedir uma pizza. O entregador pediu para ver o > próprio escalpo e entrou no cofre que tem o escalpo de todos os > brasileiros – não esses arranjos que usamos sobre a cabeça no dia a > dia. Sorte dele que os assaltantes, os novíssimos ricos, costumam dar > boas gorjetas, ao contrário de outros. > É o que ninguém imaginava encontrar ao lado > das jóias, do ouro em estado brutal, dos euros e velhos dobrões. > Famílias tradicionais de políticos guardavam ali parte da parte de > suas fortunas. É claro, poderíamos encontrar de tudo, o próprio > elefante de marfim – naturalmente sem as presas de chocolate – mas o > nosso suor nos parecia inconcebível; é a última coisa que pensamos > como algo de valor. Há de ser um dos ingrediente da bruxaria secular; > de magia nigérrima Só assim que nossos políticos podem e puderam ser > tolerados – pra lá das sesmarias. > > O incrível é que ninguém deu queixa das peças ou do dinheiro > desaparecido, bem como dos carrinhos de mão cravejados; talvez porque não > advenham dos seus salários. Há de ser dinheiro mais sujo que o dinheiro > – como se quinze altíssimos salários por ano também não fossem > indignos. Cento e oitenta cofres abarrotados de repente ficaram vazios > e ninguém fez um B O. Decerto todos têm a forma de porquinhos > imensos e só servem para guardar o troco do pão. São cofres com o > focinho rotatório. > Ninguém se queixou, e não é o que espanta. > Cofres de políticos ao lado de outros de empresários e Ronaldinhos, > também não. Com os primeiros tiramos nossos sustentos. Com os > centroavantes a diversão. Com os políticos todas as nossas desgraças, > que precisam ser muito bem pagas, como de costume. É antiqüíssimo. Sem > esses ladrões perderíamos muito em folclore. Seria pior do que a morte > do Curupira. Precisam ser bem remunerados pelo que representam no > nosso imaginário. > > Agora as agências particulares tentam rastrear as > peças roubadas. Nós estamos curiosos, muito mais do que a Polícia > Federal ou o Fisco. Pessoas tão especiais assim não podem mesmo ter os > seus bens taxados como nós. Muitos são de família tradicional, com > fortunas herdadas e determinadas heranças são como um destino > manifesto: é alguém especial. Vide os vizinhos de cofre de quem também > são vizinhos. Portanto os fiscais estão proibidos de ler os jornais > enquanto houver o risco do rastreio. > Os novíssimos ricos, os assaltantes, já começaram a > ver o seu clube desmantelado. O irmão do chefe, um pedreiro, teve > que comprar um carro de luxo com o dinheiro roubado e trocar as jóias > por outras para entregar à mulher. Uma garagem com o trinco > enferrujado e sem teto o denunciou, bem como o bairro onde > estava o colosso de rodas prateadas. O vira lata já tinha batizado > todas as calotas cujo brilho machucava seus olhos de avô pequinês. A > mulher lavava a louça com braceletes. Limpava o ouro dos anéis com > detergente. As jóias roubadas sumiram, não estavam mais ali. Uma > extravagância! Pensaram os especiais. Agora esperam a prisão do resto > da quadrilha, sem muito desespero pelos seus milhões. Desesperados > ficamos nós quando perdemos as moedas no abismo de miudezas do nosso > quarto sem diarista. > A moeda talvez não volte nunca mais; > tenho olhado para o chão como nunca e colocado a mão dentro dos > sofás. Faz tempo que a barriga do meu Buda foi saqueada, um sacrilégio > com a sorte; coisa que ela merecia. O Buda vai ficar assim mesmo. > Quanto aos cofres dou algumas semaninhas para que voltem a ficar > abarrotados.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Crônica/Walmir Assunção
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