quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Crônica/Walmir Assunção

Há o banco de sangue e o sangue do Banco Itaú,
> guardado nos cofres. Vem de muitas eras, pra lá das sesmarias; bem
> como o suor. Tudo foi roubado. Os ladrões ficaram dez horas
> confinadas, chegaram a pedir uma pizza. O entregador pediu para ver o
> próprio escalpo e entrou no cofre que tem o escalpo de todos os
> brasileiros – não esses arranjos que usamos sobre a cabeça no dia a
> dia. Sorte dele que os assaltantes, os novíssimos ricos, costumam dar
> boas gorjetas, ao contrário de outros.
>                        É o que ninguém imaginava encontrar ao lado
> das jóias, do ouro em estado brutal, dos euros e velhos dobrões.
> Famílias tradicionais de políticos guardavam ali parte da parte de
> suas fortunas. É claro, poderíamos encontrar de tudo, o próprio
> elefante de marfim – naturalmente sem as presas de chocolate – mas o
> nosso suor nos parecia inconcebível; é a última coisa que pensamos
> como algo de valor. Há de ser um dos ingrediente da bruxaria secular;
> de magia nigérrima Só assim que nossos políticos podem e puderam ser
> tolerados – pra  lá das sesmarias.
>
>                       O incrível é que ninguém deu queixa das peças ou do dinheiro
> desaparecido, bem como dos carrinhos de mão cravejados; talvez porque não
> advenham dos seus salários. Há de ser dinheiro mais sujo que o dinheiro
> – como se quinze altíssimos salários por ano também não fossem
> indignos. Cento e oitenta cofres abarrotados de repente ficaram vazios
> e ninguém fez um B O.  Decerto todos têm a forma de porquinhos
> imensos e só servem para guardar o troco do pão. São cofres com o
> focinho rotatório.
>                         Ninguém se queixou, e não é o que espanta.
> Cofres de políticos ao lado de outros de empresários e Ronaldinhos,
> também não. Com os primeiros tiramos nossos sustentos. Com os
> centroavantes a diversão. Com os políticos todas as nossas desgraças,
> que precisam ser muito bem pagas, como de costume. É antiqüíssimo. Sem
> esses ladrões perderíamos muito em folclore. Seria pior do que a morte
> do Curupira. Precisam ser bem remunerados pelo que representam no
> nosso imaginário.
>
>                          Agora as agências particulares tentam rastrear as
> peças roubadas. Nós estamos curiosos, muito mais do que a Polícia
> Federal ou o Fisco. Pessoas tão especiais assim não podem mesmo ter os
> seus bens taxados como nós. Muitos são de família tradicional, com
> fortunas herdadas e determinadas heranças são como um destino
> manifesto: é alguém especial. Vide os vizinhos de cofre de quem também
> são vizinhos. Portanto os fiscais estão proibidos de ler os jornais
> enquanto houver o risco do rastreio.
>                          Os novíssimos ricos, os assaltantes, já começaram a
> ver o seu clube desmantelado. O irmão do chefe, um pedreiro, teve
> que comprar um carro de luxo com o dinheiro roubado e trocar as jóias
> por outras para entregar à mulher. Uma garagem com o trinco
> enferrujado e sem teto o denunciou, bem como o bairro onde
> estava o colosso de rodas prateadas. O vira lata já tinha batizado
> todas as calotas cujo brilho machucava seus olhos de avô pequinês. A
> mulher lavava a louça com braceletes. Limpava o ouro dos anéis com
> detergente. As jóias roubadas sumiram, não estavam mais ali. Uma
> extravagância! Pensaram os especiais. Agora esperam a prisão do resto
> da quadrilha, sem muito desespero pelos seus milhões. Desesperados
> ficamos nós quando perdemos as moedas no abismo de miudezas do nosso
> quarto sem diarista.
>                           A moeda talvez não volte nunca mais;
> tenho olhado para o chão como nunca e colocado a mão dentro dos
> sofás. Faz tempo que a barriga do meu Buda foi saqueada, um sacrilégio
> com a sorte; coisa que ela merecia. O Buda vai ficar assim mesmo.
> Quanto aos cofres dou algumas semaninhas para que voltem a ficar
> abarrotados.
 
 

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