quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017



ARTIGO

Transporte  público para pessoas ou para pessoas pobres?

 Edésio Reichert *

Não é preciso ser instruído e nem muito inteligente, para chegar em qualquer cidade, com população de 100 mil habitantes ou mais, e perceber como são excludentes e prejudiciais as decisões de nossos administradores e legisladores municipais, a respeito do que significa transporte público para pessoas.
Pouquíssimas cidades fogem dessa situação. Estas não são objeto deste artigo, assim como não é o metrô, por ser transporte que se aplica a poucas cidades.
Toda pessoa maior de idade tem direito a ter um veículo? Sim. Toda pessoa maior de idade, que tem um carro, tem direito de ir trabalhar ou estudar com ele? Sim. Se toda pessoa que possui veículo, utilizá-lo como meio de transporte para ir trabalhar ou estudar, as ruas comportam? Não!
Então o que leva uma pessoa a decidir ir trabalhar ou estudar com o próprio carro? Seguramente, a sua condição financeira, aliada à praticidade que gera.
Logo, aquele que vai de transporte público, principalmente de rodoviário, só o faz por não ter condições de bancar as despesas de um veículo e por não ter outra opção, pois se tivesse não iria de ônibus.
Como é possível considerar um serviço bom e atraente, se o sonho de quem o utiliza, é não usá-lo mais? Assim acontece com a maioria das pessoas que utilizam o sistema de transporte analisado neste artigo.
Quer humilhação maior ou mais desprezível, do que deixar explícito a uma pessoa que ela é pobre? Não bastam as dificuldades que ela tem na vida, não importando aqui as razões, o sistema de transporte que está à sua disposição, precisa confirmar que ela não tem condições financeiras para usar outro meio.
Em sua maioria, ônibus e trens urbanos são sujos, cheiram mal, não têm ar-condicionado, são superlotados, por demais demorados, barulhentos, com pontos de embarque e desembarque sem proteção adequada, com poucos terminais de transbordo e sem preferência de vias e em semáforos (especialmente ônibus), etc.
Resumindo: em sua maioria, o transporte público no Brasil é para pessoas pobres, não para pessoas. E grande número dos usuários desse sistema, por sua pouca instrução, jamais poderão conquistar a condição de ir com seu próprio carro trabalhar.
Sob esta perspectiva, o mal maior é o que vai se desenvolvendo no coração dessas pessoas, como o ressentimento. Pessoa ressentida não trabalha direito, pode ter mais problemas de saúde, problemas psicológicos, de relacionamentos, dificuldade de colaboração, etc.
Carro e cidade jamais se harmonizarão, pois não foram feitos um para o outro. Cidade combina com transporte público e sempre pensando em maior número possível, mas para pessoas, não para pessoas pobres.
Aqui reside o principal desafio: mudar a cultura do veículo como meio de transporte dentro das cidades, incluindo as motos, pelos riscos que apresentam.
Esta é uma daquelas brigas necessárias, que deveriam ser enfrentadas por administradores e legisladores corajosos; não importando os entraves legais, burocráticos e daqueles que têm mais condições financeiras.
Todos os esforços dos homens públicos deveriam concentrar-se nesta direção: preferência absoluta para o transporte público, para atrair todo tipo de pessoa. E quem desejar ouprecisar do veículo próprio para trabalhar? Sem problemas, desde que saiba que a preferência será para o transporte público.
Temos muitas cidades bem organizadas, limpas, com harmonia entre os elementos naturais e os edificados pelo homem, mas quando olhamos o seu sistema de mobilidade, número de veículos, motos, os estacionamentos nos espaços públicos, se tornam uma verdadeira tragédia.
A vida das pessoas sendo sugada pelo tempo no trânsito dentro de um carro, seja em saúde, em convivência familiar, em produtividade no trabalho, etc.
Todos sentem esse desconforto da mobilidade, uns mais, outros menos. Quem vai de carro ou moto próprios, em ruas lotadas e riscos de acidentes, quem vai de ônibus ou trem, todo desconforto já descrito, além do número de veículos que lotam as ruas dificultando o fluxo.
E como mudar esta realidade? Certamente não será fácil a solução. Porém o princípio de tudo é ter vontade e coragem de mudar. Segundo, os poucos exemplos de cidades do Brasil e as soluções já encontradas mundo afora, deveriam servir de inspiração, tanto para mudar leis como para criar políticas públicas direcionadas para esta prioridade, como é transporte público para pessoas.
É surpreendente o número de autoridades que viajam ao exterior e retornam elogiando os sistemas de transporte que lá fora viram. E aqui quase tudo continua como está. As nossas cidades, cada vez mais populosas, sob o ponto de vista aqui analisado, vão tornando a vida das pessoas cada vez mais num pedacinho do inferno.

*O autor é pequeno empresário no Paraná, ex-presidente da  Associação Comercial e Empresarial de Toledo (Acit) e idealizador do Movimento Pessoas Melhores


COLABORAÇÃO: Luiz Alberto Costa

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