quinta-feira, 31 de outubro de 2019

AGROTÓXICOS



Ingestão de pesticidas é responsável por um em cada cinco suicídios no mundo




A ingestão de pesticidas é responsável por um em cada cinco suicídios no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), provocando mais de 100 mil mortes por ano.
De acordo com a OMS, uma das formas mais eficazes de reduzir essa taxa é restringindo o acesso aos pesticidas — sobretudo, quando se trata de um ato impulsivo, uma vez que dá mais tempo para a pessoa reconsiderar a decisão.
Um dos exemplos disso é o Sri Lanka, que nas décadas de 1980 e 1990 apresentava uma das maiores taxas de suicídio do planeta — sendo a ingestão de pesticidas responsável por dois terços dessas mortes.
A proibição dos pesticidas considerados mais perigosos resultou em uma queda de 70% no número de suicídios no país entre 1995 e 2015.
Estima-se que 93 mil vidas foram salvas.
A OMS quer agora que outros países, incluindo a Índia e a Nigéria, sigam o exemplo do Sri Lanka, restringindo o acesso a pesticidas.
Segundo a organização, os suicídios por pesticidas ocorrem principalmente em áreas rurais de países de baixa e média renda localizados na África, América Central, Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental.

domingo, 20 de outubro de 2019

PROTESTOS NO CHILE



Chilenos desafiam toque de recolher, e distúrbios deixam pelo menos três mortos

No terceiro dia de protestos contra o aumento da passagem do metrô, Governo de Piñera informa que 716 pessoas foram detidas, 241 por não respeitar o toque de recolher




Manifestantes em Valparaíso, neste sábado. (REUTERS)






Santiago De Chile - 20 OCT 2019 - 17:26 BRT


Embora o Exército tenha decretado toque de recolher em Santiago e Valparaíso com o objetivo de controlar os protestos violentos que explodiram na quinta-feira contra o aumento da passagem do metrô, milhares de chilenos desafiaram às autoridades militares e políticas na noite de sábado e madrugada deste domingo. O ministro do Interior, Andrés Chadwick, informou neste domingo que duas mulheres morreram e outra pessoa ficou gravemente ferida, com 75% do corpo queimado, após o saque de um supermercado no município de San Bernardo, ao sul da capital. Um homem morreu no centro da cidade, também por um incêndio que ocorreu durante o saque de um estabelecimento comercial. Além disso, o Governo informou que 716 pessoas foram detidas, 241 delas por não respeitar o decreto proibindo a circulação noturna, que vigorou das 22h às 7h. Em uma operação militar em uma área popular do sul de Santiago, outras duas pessoas ficaram gravemente feridas.
Os distúrbios continuam neste domingo. Ocorreram saques e confrontos com a polícia em diferentes cidades do país. O Instituto Nacional de Direitos humanos (INDH) informou que pelo menos 22 pessoas foram vítimas de uso abusivo da força. Helicópteros das forças de segurança sobrevoam Santiago desde a noite de sábado. A capital é controlada por cerca de oito mil militares. Outras quatro regiões do país − Valparaíso, Biobío, Coquimbo e O’Higgins − se encontram neste domingo em estado de emergência, que restringe a liberdade de circulação e reunião da população.
Não está claro se o toque de recolher será estendido para a noite deste domingo na capital e nas outras cidades onde ocorreram incidentes violentos. No porto de Valparaíso houve ataques a estabelecimentos comerciais e a estações de metrô, e a sede do El Mercurio de Valparaíso − o jornal mais antigo em espanhol − foi incendiada. Em todo o país se vive uma situação complexa. Algumas companhias aéreas cancelaram voos, e supermercados e shopping centers decidiram fechar as portas por razões de segurança, enquanto são registrados cortes de luz e as pessoas procuram comércios abertos para se abastecer de alimentos.
A última vez em que havia sido decretado toque de recolher no Chile foi em 1987, nos últimos anos de ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Diferentemente daquela época, hoje a população parece não ter medo da autoridade militar. Quem lidera os protestos são menores de 30 anos, que não viveram o regime militar, assinalam os analistas. Às 22h de sábado, quando o toque de recolher começou a vigorar na capital, centenas de pessoas continuavam se manifestando pacificamente nas ruas, com panelaços, inclusive em áreas ricas de Santiago, como Providencia, La Reina e Las Condes. Paralelamente, os protestos alcançaram diferentes lugares do país, onde também ocorreram saques de supermercados e grandes magazines, de onde a pessoas roubavam tanto alimentos como eletrodomésticos.
As medidas que o Governo de Sebastián Piñera adotar neste domingo serão cruciais. Embora o presidente tenha anunciado no sábado à noite que suspenderia o aumento da passagem do metrô − de 800 para 830 pesos (4,65 para 4,81 reais) − e convocaria uma mesa de diálogo “ampla e transversal” para encontrar respostas a “reivindicações tão sentidas como o custo da vida” da população, não parece estar próxima uma solução para o conflito. Nesta segunda-feira, dia útil, será colocado à prova o funcionamento de uma cidade com danos significativos: o metrô do Santiago, orgulho dos chilenos por sua organização e bom funcionamento, apresenta danos que chegam a 300 milhões de dólares (1,23 bilhão de reais), segundo as autoridades. Cerca de 2,8 milhões de pessoas o utilizam diariamente e ainda é imprevisível o funcionamento de uma cidade com enormes dificuldades de transporte.
Os protestos marcam um ponto de inflexão para toda a política chilena, que não soube interpretar nem canalizar o descontentamento que emergiu na forma de manifestações a partir de 2006.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

BIODIVERSIDADE NO BRASIL




Nos Estados Unidos, mais de 45 milhões de pessoas observam aves como hobby segundo a Pesquisa Nacional Relacionada à Vida Selvagem. A atividade traz um retorno para economia na casa de US $80 bilhões (http://bit.ly/2nWFc24). 
Enquanto isso, no Brasil, promovemos muito mal nossa rica biodiversidade. O potencial econômico de atividades, serviços e produtos que mantém a floresta em pé são gigantescos. Segundo o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), mais de 18% de todas as aves do mundo estão no Brasil, com 1.919 espécies são encontradas no país. 
Quantas pessoas do mundo apaixonadas por aves poderiam ser estimuladas a fazer uma viagem na Amazônia para fotografar espécies nativas? Em 2018, nossos parques nacionais tiveram 12 milhões de visitantes. 
Mesmo sem grande promoção, famílias em todo país têm procurado conhecer mais nossos parques, ano a ano. Ignorando o potencial benéfico de tudo isso e os fatos, o atual governo fala em diminuir áreas de proteção e tenta esconder do mundo o crescimento do desmatamento no país.

Saiba mais:


"USA National Survey of Fishing, Hunting, and Wildlife-Associated
Recreation" - http://bit.ly/2nWFc24


"Mineração representa 4% do Produto Interno Bruto (PIB) " - https://glo.bo/2nWSbkk

Fonte: https://www.facebook.com/arvoresertecnologico/photos/a.501991869943424/1528762923932975/?type=3&theater

AGROECOLOGIA




Vandana Shiva: “A comida é o maior problema de saúde no mundo”

Para a ativista indiana, a agricultura industrial é o principal ítem da receita para acabar com o planeta

Autora do livro "Quién alimenta realmente al mundo?" / Wikipedia Vandana Shiva

Dá algumas voltas pela sala do Círculo de Belas Artes (Madri) onde ficamos com ela e, em seguida, bebe pausadamente seu chá para enfrentar a manhã de entrevistas e conferências que lhe esperam nesta viagem a Espanha. A ativista Vandana Shiva (Dehradun, Índia, 1952) dedicou boa parte de sua vida desconstruindo supostos benefícios da agricultura industrial, que ela situa como ingrediente principal na receita para acabar com nossa saúde e com a do planeta. Com um sorriso cativante, mostra-se firme na hora de defender o papel de liderança que as mulheres devem desempenhar na luta pela soberania alimentar e a agroecologia. Acaba de apresentar Quién alimenta realmente al mundo?, editado por Capitán Swing.
Esse é o tema da entrevista, a seguir, concedida ao jornal espanhol ABC, traduzida pelo Cepat e publicada pelo IHU Unisinos:
ABC: A primeira pergunta você a faz no título de seu livro: quem alimenta realmente o mundo?

Vandana Shiva: Nas últimas décadas, tivemos essa espécie de ilusão de que os químicos e as corporações são os que alimentam o mundo, mas o que realmente alimenta o mundo é a terra, o sol, a água, a fotossíntese, os insetos que polinizam os cultivos, os micro-organismos que produzem nutrientes… Em segundo lugar, somos nós, mulheres, que nutrimos esse mundo, todavia 70% da comida procede dos pequenos agricultores. Isso é a comida real, porque o que chamamos de comida e compramos nos supermercados é realmente um produto vazio nutricionalmente, tóxico, não é comida, e não está alimentando o mundo.

    

Então, a comida deixou de ser uma fonte de saúde e alimento?

Sim, a comida deixou de ser uma fonte de nutrientes e se tornou um produto, algo com o qual se especula e se obtém um benefício econômico. A comida é o maior problema de saúde que há no mundo, e também é o maior problema para a saúde do planeta. 75% das doenças e problemas do planeta e dos problemas de saúde da humanidade procedem de uma agricultura globalizada e industrial. A grande ameaça para o bem-estar do planeta e a saúde de seus habitantes é a agricultura globalizada e industrial e a forma de produzir, processar e distribuir os alimentos.



Quais riscos enfrentamos se não mudarmos a forma de nos alimentar e de produzir o que comemos?

Tendo em conta que 75% da destruição do planeta procede de um sistema que nos traz 25% dos alimentos, e que estes alimentos nos adoecem, só necessitamos aumentar ligeiramente nossa dieta globalizada e industrial para matar o planeta. Já quase temos um planeta morto, temos um montão de gente doente e a fome se tornará ainda pior. Se continuarmos assim, dentro de um século a partida terá se encerrado para nossa espécie, porque as condições que nos permitem viver terão desaparecido.
E essa mudança para uma agricultura mais sustentável é uma boa maneira de lutar contra o aquecimento global?

É a única solução. A agricultura industrializada é uma atividade que precisa de combustíveis fósseis para seu funcionamento, e isso tem alguns custos financeiros e ecológicos astronômicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, cada trabalhador agrícola tem mais de 250 escravos energéticos ocultos. O certo é que 40% das emissões responsáveis pela mudança climática procedem deste sistema agrícola global que se baseia em combustíveis fósseis, seja para fabricar fertilizantes, mover a maquinaria agrícola ou transportar, sem a menor sensatez, os alimentos de um lugar para outro percorrendo milhares de quilômetros.



Seu trabalho se centrou em demonstrar que os pesticidas e organismos modificados geneticamente são o verdadeiro inimigo. O que tem a dizer aos que acusam você de ser contra o progresso?

Eu não acredito que o progresso tenha algo a ver com o desastre de Bhopal, com o vazamento de gás venenoso de uma fábrica de produtos químicos. Todas as substâncias químicas utilizadas na indústria da agricultura provêm da indústria da guerra. Sendo assim, eu não sou contra o progresso, mas contra os “cartéis de veneno”, que são as grandes corporações que nos roubam as sementes.



Em seu livro, você diz que a chamada Revolução Verde teve efeitos muito prejudiciais na Índia, e que uma revolução semelhante está sendo exportada para a África. O que está acontecendo?

Os líderes do G8 e filantropos como Bill Gates estão apoiando a implantação na África de produtos químicos e sementes comerciais através da aliança para uma Revolução Verde na África. Esta é a receita para a destruição do continente africano e a carestia, que já tem ramificações em todo o mundo. Na Índia, antes da Revolução Verde, em 1965, não havia carestia. Em Punjab, que era a região mais próspera da Índia, o solo e os aquíferos se esgotaram e a biodiversidade desapareceu pelo emprego desses produtos químicos. Cegamente, está se desenhando um futuro sombrio para a África.
Edição: Cecília Figueiredo
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2018/04/27/vandana-shiva-a-comida-e-o-maior-problema-de-saude-que-ha-no-mundo/?utm_source=bdf&fbclid=IwAR0Hk_vptZszmO-vahEFY3caBk3wHp50t0mxEZSdU6SqxHabWKF0bidUqJU - Acesso em 01102019

AGROTÓXICOS







Pesquisadora é perseguida após comprovar que não existe dose segura de agrotóxicos


Por Mariana Simões, Agência Pública/Repórter Brasil
Instituto Butantan negou que tivesse pedido estudos e depois proibiu autora de propor novas pesquisas por seis meses, decisão revertida na Justiça
Há 30 anos, a imunologista Mônica Lopes Ferreira desempenha uma celebrada carreira no Instituto Butantan, instituição pública centenária ligada à Secretaria da Saúde de São Paulo, que atua como centro de pesquisa biológica. Há dois meses, porém, Mônica tem passado por um campanha contra ela dentro do instituto.
Tudo começou quando a imunologista analisou dez agrotóxicos que estão entre os mais utilizados no Brasil e revelou que todos, em qualquer quantidade aplicada, causam graves prejuízos à saúde humana. São eles: abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarb, carbofurano, diazinon, etofenprox, glifosato, malathion e piripoxifem.
Os resultados demonstram que os pesticidas causam mortes e malformação de fetos em embriões de peixe-zebra até mesmo em dosagens equivalentes a até um trigésimo do recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Quando ele não matava, causava anomalia, o que para mim é uma coisa extremamente preocupante”, alerta Mônica, explicando que a genética do zebrafish, como é conhecido, é 70% semelhante à dos seres humanos.
O estudo foi encomendado em 2018 pela Fiocruz, pertencente ao Ministério da Saúde – que indicou os agrotóxicos a serem testados – e foi divulgado no início de agosto, com grande repercussão na imprensa.
Em resposta, o diretor da Anvisa Renato Porto e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, deram entrevistas contestando o estudo. Além deles, o ex-secretário de Agricultura e de Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano, que tem ecoado a linha da ministra em seu blog, publicou um tweet desqualificando a pesquisa.
Em entrevista para a Agência Pública, Mônica afirma que a direção do Instituto Butantan embarcou num boicote, acusando-a de realizar o estudo sem o conhecimento do instituto. A instituição tem imposto barreiras para impedir que ela ministre cursos e dê palestras. No final de setembro, o instituto emitiu uma resolução dizendo que quaisquer treinamentos ou cursos ministrados por profissionais do Butantan “devem ser submetidos previamente à análise” pela comissão de ética.
Mas, para Mônica, o pior foi ter recebido um comunicado, em agosto, proibindo-a de submeter projetos de pesquisa para aprovação durante seis meses. Na semana passada, ela conseguiu uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo que suspendeu a punição. “Verifico que a decisão de suspensão da autora partiu de uma reunião da Comissão de Ética, contudo, a punição foi noticiada à autora sem a oportunidade de defesa prévia ou abertura de procedimento administrativo para apuração de responsabilidade, o que violaria as regras de Direito Administrativo para sanção dos funcionários públicos civis do Estado de São Paulo”, escreveu o juiz Luis Manuel Fonseca Pires.
Mas ela continua numa luta constante para limpar a sua reputação.
Apesar de o instituto dizer o contrário, Mônica assegura que o estudo foi realizado com a total ciência da instituição, inclusive do seu diretor: “Eu pessoalmente me encontrei com o diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, e contei para ele sobre a minha pesquisa. Eu dei um seminário em abril sobre a pesquisa, onde eu mostrei os dados para as 90 pessoas que estavam na plateia. Então, dizer que ninguém sabia sobre essa pesquisa é estranho”.
Ela defende ainda os resultados obtidos. “Eu sei da importância do agronegócio, da importância da agricultura. Eu só acho que a gente não tem que brigar com o dado, com a ciência. A gente tem que trabalhar a partir dela.”



Mônica Lopes Ferreira é imunologista e trabalha com a caracterização
toxinológica de venenos e toxinas animais no Instituto Butantan.
Plataforma Zebrafish




Leia a entrevista:
O resultado do seu estudo sobre agrotóxicos causou uma reação forte no Instituto Butantan e no Ministério da Saúde. Conte como foi. 
No final de 2018, eu comecei a ser procurada por um pesquisador da Fiocruz e me disseram que eu tinha sido indicada pelo próprio Ministério de Saúde para realizar uma análise de toxicidade por agrotóxicos usando o zebrafish. A Fiocruz, por ser um órgão do Ministério da Saúde, foi quem me enviou os dez agrotóxicos a serem testados, com a tabela já das doses. Essas eram as doses que eles consideram ideal para a saúde humana. Eu fui então testar cada um desses.
Qual o resultado disso? O resultado é que, desses dez agrotóxicos, nenhum é excelente. Nenhum dá para dizer que a gente pode usar sem problema.
Ou eles causam mortalidade nos animais ou eles causam anomalias. Não morreu? Mas o bicho ficou doente, ficou com uma anomalia. Eu não fui a primeira a dizer que agrotóxicos causam problemas. Não fui a primeira e não serei a única. Existem muito estudos sobre isso.
O que aconteceu a seguir?
Eu recebi um email do Flávio Alves, da Fiocruz, que é o pesquisador que me encomendou a pesquisa, dizendo que recebeu um telefonema do Ministro da Saúde, danado da vida com a repercussão do estudo no Facebook, porque não foi boa. Ele disse que eu não deveria ter divulgado a pesquisa ainda porque a pesquisa não acabou. Então, eu consultei o meu email e mostrei para ele que ele tinha me autorizado, por email, a divulgar o estudo.
Acho que essa foi a virada, porque foi aí que o Instituto Butantan mudou de figura e disse que não se responsabilizava pela pesquisa. Eu recebi uma mensagem por email copiado para outros setores do Butantan, incluindo a diretoria e para advogados do instituto dizendo que o Butantan não é responsável pela pesquisa.
Depois eu recebo um email do diretor do Butantan dizendo que havia visto um tweet do ex-secretário estadual da agricultura [Xico Graziano] dizendo que tinha criticado o resultado da minha análise e que o Butantan não vai se responsabilizar por ela.
Foi aí que eu percebi uma mudança na ótima relação que eu tinha com a direção.
No dia seguinte, o Butantan emite uma nota para todos os pesquisadores do Butantan dizendo que eles não se responsabilizavam por “pesquisas independentes”. Aí passou a ter um clima muito ruim na instituição, porque todo mundo percebeu que aquilo era voltado para mim, porque a minha pesquisa tinha sido divulgada no Estadão e tinha tido uma grande repercussão.
Depois eu recebo uma notificação do Comitê de Ética Animal dizendo que a pesquisa não tinha sido submetida ao comitê e que como punição eu não poderia mais submeter nenhuma pesquisa para aprovação do comitê durante seis meses. Isso é grave para mim, porque significa que eu ia ficar sem trabalhar durante seis meses. Eu não tive direito nem de me explicar.
No dia 21 de agosto, eles entraram com um processo administrativo alegando que o Instituto Butantan não sabia que eu estava trabalhando na pesquisa sobre agrotóxico e que, portanto, não se responsabilizava por ela.
Mas eu pessoalmente me encontrei com o diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, e contei para ele sobre a minha pesquisa. Eu dei um seminário em abril sobre a pesquisa, onde eu mostrei os dados para as 90 pessoas que estavam na plateia. Então dizer que ninguém sabia sobre essa pesquisa é estranho.
Eu não fui a primeira a dizer que agrotóxicos causam problemas. Eu não fui a primeira e não serei a única. Existem muitos estudos sobre isso. Então eu também me perguntei: onde está o problema? O que foi que eu falei que já não falaram? Então eu gostaria de saber: quem eu desagradei? Eu desagradei o Ministério da Saúde?
Por que você acredita que o estudo incomodou tanto o Instituto Butantan e o Ministério da Saúde?
Eu imagino que tenha um tema que tenha levado a isso tudo que é o tema dos agrotóxicos. Eu já participei de várias pesquisas e nada tinha sido dessa maneira. Eu desagradei a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que foi contestar o estudo publicamente. O que que a Tereza Cristina tem a ver com o Instituto Butantan, para o instituto estar me punindo?
Eu não sou uma pessoa irresponsável. O meu pai é um plantador de cana-de-açúcar; se não fosse pela cana-de-açúcar, eu não teria educação, eu não estaria aqui. Então eu sei da importância do agronegócio, da importância da agricultura. Eu só acho que a gente não tem que brigar com o dado, com a ciência. A gente tem que trabalhar a partir dela. Por que não entender que se pode fazer melhor e se pode ter alternativas? Pode-se ter uma dose melhor.
Alguns outros colegas que eu conheço que trabalham com agrotóxicos me relataram que eles também têm sido perseguidos por conta dos agrotóxicos. Eu não sabia, até então, que existia todo um mundo de perseguição contra pessoas que estudam os agrotóxicos.
Para você ter uma ideia, eu tinha sido convidada para ir a um evento sobre zebrafish na Fiocruz do Rio de Janeiro. Agora, duas semanas atrás, eu recebo um email da Fiocruz dizendo que, em função da grande demanda para o seu curso, o curso foi cancelado. Mas isso não faz sentido nenhum porque, quando tem muita demanda, você não cancela um curso; pelo contrário, você só cancela quando não tem demanda. Cancelaram então a minha ida, mas o evento vai acontecer sem mim. Você acha coincidência? Eu sou a única que sou desconvidada, o resto do evento continua, só eu que não posso participar.
Você se sente perseguida?
Eu fico buscando um outro adjetivo para perseguição, mas não tenho encontrado. Eu acho que o que estão fazendo comigo é um assédio moral. Eu nunca pensei em precisar contratar um advogado por conta de algo que eu considero desnecessário. Eu sempre tive uma boa relação com o Instituto Butantan. Mas chegamos a um ponto que eu estou apanhando, e dói. Eu acho que eu não fiz nada para riscar ou manchar uma instituição pela qual eu sempre trabalhei.
Tem sido difícil levantar para trabalhar, eu ainda não tenho a alegria que eu tinha antes. Nunca imaginei passar por um momento desse, nos 30 anos que eu dediquei a essa instituição. Eu cheguei como estagiária e eu fiquei porque eu me apaixonei pelo Butantan. Entende por que é dolorido?
Eu sou de Alagoas e mudei minha vida para vir para cá porque encontrei esse celeiro de ciência, me encontrei aqui no Butantan e agora ver essas atitudes por parte da direção me dói demais. O que me entristece é eu não ter a alegria de estar aqui. Porque esse é meu ofício, é isso que eu gosto. Então agora eu vivo uma luta constante. Eu fico com a esperança de que isso vai passar. Mas eu não sei quando. Diante de todas essas coisas que estavam acontecendo, eu tive que contratar um advogado. Eu não estou tendo espaço para falar e me defender.
Desde 2015 eu dou um curso vinculado ao setor de cursos do Instituto Butantan para qualquer pessoa de nível de graduação para cima que querem trabalhar com o zebrafish, com aulas teóricas e práticas. Eu abro 30 vagas e eu recebo entorno de 100 inscrições todo ano. No total, já recebi 150 profissionais do Brasil inteiro para participar. O certificado de participação e a divulgação do curso saem pelo Instituto Butantan.
Nesse ano, eu fiz da mesma forma, como eu sempre faço. Três dias depois que inicio esse processo eu recebo um telefonema dizendo que o curso não poderia ser vinculado ao Instituto Butantan. É coincidência? Depois de tudo que aconteceu, eu não acredito mais em coincidências.
Esse ano veio uma normativa de que de agora em diante cursos precisam passar pelo Comitê de Ética Animal.
Eu me pergunto: para que tudo isso? Isso me deixa perplexa e me entristece.
Existe uma perseguição contra cientistas em curso?
Algumas pessoas têm colocado para mim que eles também têm sido alvos de algumas perseguições no trabalho. Como, por exemplo, são desconvidados de dar palestras. Eu acho que existe uma vontade de anular a ciência. Eu venho acompanhando, por exemplo, que o ministro Osmar Terra questionou o próprio dado da Fiocruz sobre drogas; outro ministro [Marcos Pontes] questionou os dados do Inpe sobre desmatamento. Tem o ministro da Educação, que fez essa confusão inteira com cortes de verba na educação. Depois vem a Tereza Cristina e questiona os meus dados. O que é isso? É anular a ciência. Nós estamos vivendo um dos momentos mais difíceis, eu acho. Querem desacreditar o que é a ciência. Isso é impossível porque não tem como desacreditar a ciência. Mas é melhor para muitos ter um país ignorante.
Eu acho que o que nós não podemos é nos calar. Temos que entender que nós somos uma força. Não podemos deixar ser amedrontados. Quando entendermos que juntos nós, cientistas, somos mais fortes, aí a coisa vai mudar. Então acho que o que precisamos é isso. A gente precisa falar, ter voz, e não se esconder. Temos que tirar esse medo.
Esta entrevista faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.