domingo, 20 de março de 2011

J’ACUSE !!!



 
 (Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)
 « Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice. (Émile Zola)
 Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...) (Émile Zola)
 

 Foi uma tragédia fartamente anunciada.
 Em milhares de casos, desrespeito.
 Em outros tantos, escárnio.
 Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu  notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites  estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do  estudante foi ter que... estudar!).
 A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda  neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta  escalada macabra não poderia ser outro.
 O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro,  com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe,  pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes  escolares.
 Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do  desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade  foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente   democrática.
 No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido  proibir”.
 Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não  reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o  perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno  “construir seu conhecimento.”
 Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”.
 Afinal de contas, ele está pagando...
 E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica,  travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários  setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que  está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”
 Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas  carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do  ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia  e desonesta da paparicação ao aluno – cliente...
 Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos  é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e  desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma  delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.
 Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com  dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe  tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.
 Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a  lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o
 direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo  isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal a o  autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença  devida ao célebre texto de Emile Zola,

EU ACUSO tantos outros que estão por  trás do cabo da faca: 
EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos,  equiparando certo ao errado e vice-versa;
 EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos  oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;
 EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente  correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar,  mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer  crimes em outras escolas;
 EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos  dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranquilas,  provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;
 EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de  estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos  igualmente sem condições de ali estar;
 EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos  sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação  dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;
 EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos  exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe  que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que  seu sucesso e sua felicidade amanhã;
 EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais  formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer  ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos  por cento”;
 EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do  ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de  preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo  no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer  saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
 EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova  cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da  “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao  ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;
 EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”,  que respeito às normas é coisa de velho decrépito,
 EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de  vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas,  sorrisos e notas fáceis;
 EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas  gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo  tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.
 EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os  professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores  sejam “promoters” de seus cursos;
 EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de  alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos  pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes  maiores;
 Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão  despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente
 despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto  pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.
 Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens  mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com  aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.
 A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de  muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do  professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa  é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas  uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas  contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria.
 Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas  agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”
 Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer  lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói  no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de  repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e  invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas  e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de  seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
 
 Igor Pantuzza Wildmann
 Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.
 
 
Tenho certeza que todos vocês concordam com o texto/protesto, mas minha duvida é, o que pode ser feito a respeito?
Para quem tenho que mandar este email pra ter resultados? Para os diretores? Para o chefe do núcleo? Para os reitores? Para o governador? Para a presidente? Para o Bin Laden?
 
Abraços.
Igor Pantuzza Wildmann

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