Um Outro Sonho de uma Noite de Verão
por Cesar R. Scheffler
Quero hoje registrar a minha
satisfação com a ordem pública. O que é de fato bastante incomum, pois em geral
o cidadão só escreve como um transbordamento do desgosto que se destila em seu
peito. Mas sinto-me em estado de graça, pois é sempre com toda alegria que
aproveito as oportunidades de demonstrar a importância deste item de
primeiríssima necessidade que é o estado e a eficiência de suas instituições.
Far-lo-ei por meio da arte de que Dionísio é o patrono, embora pouco agraciado
pelas musas.
A situação que desejo elaborar
como dramaturgo é de fato representativa. O estilo é surrealista e a história começa
assim: Sexta-feira a noite, aproximadamente 21:00h. O Pano de fundo é a praça
Willy Barth, Marechal Cândido Rondon-PR, o cenário a pista de skate. Vários
figurantes em atitudes despreocupadas e várias: uns correm, conversam, outros
deslizam sobre suas pranchas e há quem se lance nas alturas sobre aladas duas
rodas. Um cãozinho em alta velocidade. Todos obviamente suspeitos e
supostamente ameaçadores. É apenas um prelúdio. A ação que é o foco de
interesse do primeiro ato ainda está por iniciar-se.
Já foi assunto dos Secos e Molhados.
A descrição, embora nebulosa, é justa e se aplica ao nosso caso, pois as tintas
ao invés de se tornarem pálidas conservaram os seus tons: postas em cena, fazendo
cena, quatro viaturas dos nossos anjos da guarda, os quais (qual no cinema)
descem dos carros apontando armas, algumas de grosso calibre. Retumbam ordens
de forma ferina, como se algum dos figurantes ali fizesse menção de oferecer
resistência ou parecesse representar um insensato que tentasse fugir. Digo
figurantes, pois se trata de uma peça e aqueles não representam senão papéis meramente
acessórios. Algumas delicadezas talvez se mostrem necessárias da parte dos
defensores do bem comum.
Os protagonistas agora já estão em
cena e os coadjuvantes encenam filmar tudo (exceto, talvez, algum ademane ou
palavra que possam parecer impróprios, oriundos do arrebatamento do ator
apaixonado no ardor da atuação, apesar de sua comprovada tarimba). A imprensa
acompanha mais um ato da comédia.
O objetivo da peça é educacional,
e pretende conscientizar o cidadão médio a respeito do sério trabalho realizado
pelos protetores da fronteira e pelos da tranqüilidade e harmonia citadinas. O
público alvo será atingido em cheio. E dormirá tranqüilo, contente como eu, por
saber do zelo com que se tratam as mais importantes questões de segurança
pública em nossa urbe.
É reconfortante saber que se
emprega um elenco tão numeroso e qualificado para atuar de forma tão audaciosa
na representação de uma obra tão útil e edificante. Sente-se o munícipe
encantado em perceber que o desporto e os adolescentes têm direito a tantas
atenções e podem julgar-se cordialmente convidados ao usufruto dos espaços
públicos, tendo no mantenedor da paz coletiva a garantia de que sua liberdade e
dignidade não serão ultrajadas. E ascende-se, quiçá, no seu peito uma centelha
de orgulho por saber que ele, contribuinte, é o espectador, o amante das belas
artes a quem é dedicada a paródia.
Como “sketch” de divulgação,
creio que basta esse ato. E, certamente, o estado fará questão de fornecer o
enredo e bancar o espetáculo.
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