segunda-feira, 4 de março de 2013

CRÔNICA



Um Outro Sonho de uma Noite de Verão

por Cesar R. Scheffler


Quero hoje registrar a minha satisfação com a ordem pública. O que é de fato bastante incomum, pois em geral o cidadão só escreve como um transbordamento do desgosto que se destila em seu peito. Mas sinto-me em estado de graça, pois é sempre com toda alegria que aproveito as oportunidades de demonstrar a importância deste item de primeiríssima necessidade que é o estado e a eficiência de suas instituições. Far-lo-ei por meio da arte de que Dionísio é o patrono, embora pouco agraciado pelas musas.
A situação que desejo elaborar como dramaturgo é de fato representativa. O estilo é surrealista e a história começa assim: Sexta-feira a noite, aproximadamente 21:00h. O Pano de fundo é a praça Willy Barth, Marechal Cândido Rondon-PR, o cenário a pista de skate. Vários figurantes em atitudes despreocupadas e várias: uns correm, conversam, outros deslizam sobre suas pranchas e há quem se lance nas alturas sobre aladas duas rodas. Um cãozinho em alta velocidade. Todos obviamente suspeitos e supostamente ameaçadores. É apenas um prelúdio. A ação que é o foco de interesse do primeiro ato ainda está por iniciar-se.
Já foi assunto dos Secos e Molhados. A descrição, embora nebulosa, é justa e se aplica ao nosso caso, pois as tintas ao invés de se tornarem pálidas conservaram os seus tons: postas em cena, fazendo cena, quatro viaturas dos nossos anjos da guarda, os quais (qual no cinema) descem dos carros apontando armas, algumas de grosso calibre. Retumbam ordens de forma ferina, como se algum dos figurantes ali fizesse menção de oferecer resistência ou parecesse representar um insensato que tentasse fugir. Digo figurantes, pois se trata de uma peça e aqueles não representam senão papéis meramente acessórios. Algumas delicadezas talvez se mostrem necessárias da parte dos defensores do bem comum.
            Os protagonistas agora já estão em cena e os coadjuvantes encenam filmar tudo (exceto, talvez, algum ademane ou palavra que possam parecer impróprios, oriundos do arrebatamento do ator apaixonado no ardor da atuação, apesar de sua comprovada tarimba). A imprensa acompanha mais um ato da comédia.
O objetivo da peça é educacional, e pretende conscientizar o cidadão médio a respeito do sério trabalho realizado pelos protetores da fronteira e pelos da tranqüilidade e harmonia citadinas. O público alvo será atingido em cheio. E dormirá tranqüilo, contente como eu, por saber do zelo com que se tratam as mais importantes questões de segurança pública em nossa urbe.
É reconfortante saber que se emprega um elenco tão numeroso e qualificado para atuar de forma tão audaciosa na representação de uma obra tão útil e edificante. Sente-se o munícipe encantado em perceber que o desporto e os adolescentes têm direito a tantas atenções e podem julgar-se cordialmente convidados ao usufruto dos espaços públicos, tendo no mantenedor da paz coletiva a garantia de que sua liberdade e dignidade não serão ultrajadas. E ascende-se, quiçá, no seu peito uma centelha de orgulho por saber que ele, contribuinte, é o espectador, o amante das belas artes a quem é dedicada a paródia.
Como “sketch” de divulgação, creio que basta esse ato. E, certamente, o estado fará questão de fornecer o enredo e bancar o espetáculo.

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