sexta-feira, 28 de setembro de 2018

BRASIL




Bebê morto com tiro na cabeça é um cruel símbolo da situação dos povos indígenas no Brasil

Relatório do Conselho Indigenista Missionário critica "sucateamento" da Funai, comandada por interesses "anti-indígenas"












 / São Paulo 


O pequeno Cirleudo Cabral Monteza Manchineri, de um ano de idade, dormia no colo da mãe confortavelmente apesar do balanço da pequena embarcação a motor. A viagem já durava horas. A família da etnia Manchineri havia partido da aldeia São Paolino, localizada na Boca do Acre, Amazonas, descido o rio Purus e entrado em um dos seus braços, o Iaco. Por volta das 22h eles se aproximavam do pequeno porto de Feira dos Colonos, na cidade acreana de Sena Madureira. O pai do bebê apontava uma lanterna para a barranca quando recebeu ordens para apagar a luz. Sem ter como atracar na escuridão, ele ignorou o comando. O barco foi recebido à bala. Uma delas acertou a cabeça de Cirleudo, que foi socorrido, mas chegou morto ao hospital. 

Cirleudo foi enterrado em um pequeno caixão branco com seus poucos pertences. Para as autoridades uma facção criminosa que controla o porto confundiu a família com um grupo rival e abriu fogo. Para o Conselho Indigenista Missionário, no entanto, o crime tem relação com “o ódio local disseminado pelos invasores da terra indígena”: o cacique da aldeia São Paolino foi alvo de três tentativas de homicídio, a última delas dias antes do assassinato de Cirleudo. Sua morte é o retrato da situação dos povos tradicionais brasileiros: seu corpo jaz em um túmulo localizado em território indígena tradicional ainda não demarcado.
O bebê foi o mais jovem dos 110 indígenas vítimas de homicídio em 2017, segundo o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Cimi. Em comparação com 2016, quando foram 118 vítimas fatais, houve uma redução de 6,7%. Roraima e Amazonas lideram com 33 e 28 casos, respectivamente. Apesar da pequena queda no total de mortos, o cenário traçado pelo documento é sombrio, e não há motivo para comemorar: 2017 foi um ano marcado por retrocessos nos direitos indígenas e pela eliminação sistemática de suas lideranças.
Foi o caso do cacique Kaingang Antônio Ming, assassinado em março na Terra Indígena Serrinha, no Rio Grande do Sul. Ele recebeu cinco tiros enquanto fazia compras em um armazém local. Crítico ferrenho do arrendamento de terras para não-indígenas, suspeita-se que ele tenha sido morto por contrariar os interesses de fazendeiros da região. Também foi o que ocorreu com Manoel Quintino da Silva Kaxarari, liderança da aldeia Pedreira, em Rondônia, que vinha criticando a extração ilegal de madeira na terra indígena, e foi baleado e morto em junho.
Com exceção do ataque contra os índios Gamela, no Maranhão, que deixou 22 feridos a bala e golpes de facão (alguns com as mãos decepadas), a maioria dos episódios de violência citados no relatório, como o do bebê Cirleudo, não ganharam manchetes. É o caso de três índios chacinados em Santo Antônio do Içá, a 800 km de Manaus, ao oferecer carona de barco para dois pistoleiros. Ou de Rodrigo Gomes Redis, um Guarani-Kaiowá morto a facadas por uma dívida de 10 reais em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.
Não é apenas a violência que ceifa a vida dos indígenas brasileiros. O relatório do Cimi aponta para oito casos de mortes provocadas por desassistência na área da saúde, em muitos casos envolvendo doenças de fácil tratamento. Tari Uru Eu Wau Wau, da terra indígena de Rio Negro Ocaia, em Rondônia, morreu de tuberculose. Leonardo Leite Kanamari, da terra indígena Taquara, no Amazonas, de malária.

Sucateamento da Funai e pressão ruralista

De acordo com o relatório, o presidente Michel Temer “legitimou a violência contra os povos indígenas”, ao ajudar e permitir que se instalasse “dentro do Governo uma organização que visa depredar o patrimônio público e impor, mesmo que à força, o seu intento exploratório no tocante aos bens ambientais, minerais, hídricos e da biodiversidade”. Trata-se da bancada ruralista, grupo parlamentar composto por deputados e senadores com interesses ligados ao agronegócio, e que foram um dos pilares de sustentação do Governo emedebista. “Ao longo do ano de 2017, os povos indígenas viram seus territórios serem invadidos, loteados e explorados por aqueles que desejam implementar o monocultivo agrícola, a pecuária e a exploração de minerais, madeira e energia”, diz o relatório.
Segundo o Cimi, a Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a ser conduzida em 2017 por segmentos “historicamente anti-indígenas” ligados aos ruralistas. O então presidente da entidade Antonio Costa chegou a dizer, ao tomar posse em março, que os povos tradicionais "não podiam ficar parados no tempo". Seu sucessor, Framklimberg de Freitas, que assumiu a entidade em julho se defendeu das críticas, e afirmou que "a Funai não foi omissa e não é omissa para averiguar tudo aquilo que diz respeito à sua função institucional".
As consequências mais graves desta apropriação da entidade foram, segundo o Cimi, a “paralisação de todas as demarcações de terras, (...) restrições orçamentárias para as ações e os serviços nas áreas (...) o abandono das atividades voltadas à proteção dos povos em situação de isolamento e risco e à fiscalização das terras demarcadas, em especial na Amazônia”. A Funai chegou a ser alvo, naquele ano, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, cujo relatório final pediu o indiciamento de mais de cem pessoas, em sua maioria militantes, antropólogos e lideranças indígenas.
Advocacia Geral da União é criticada por agir como “escritório de advocacia da bancada ruralista”
Neste cenário, a Advocacia Geral da União é criticada por agir como “escritório de advocacia da bancada ruralista”. O parecer vinculante nº 001/2017, editado em julho pela advogada-geral, Grace Mendonça, estabelece um marco temporal segundo o qual só podem ser demarcadas as terras que estivessem sob posse das comunidades indígenas na data de 5 de outubro de 1988. De acordo com o Cimi, isso “legalizou e legitimou o esbulho, a violência e as violações de que os povos indígenas foram vítimas antes de 1988”. Mendonça rebateu as críticas, e afirmou que o parecer visa "conferir segurança jurídica para a viabilização da política pública de demarcações de terras indígenas".
As consequências práticas do parecer foram, segundo o relatório, a paralisação das demarcações. O documento aponta que existem 537 terras indígenas (41% do total) que são reivindicadas pelas comunidades sem que haja nenhuma providência para sua regularização por parte das autoridades. O número é maior do que as 400 (30%) terras que já foram registradas para os povos tradicionais. Temer não homologou nenhum território indígena de agosto de 2016 a dezembro de 2017.
Se a tendência é que não haja muita renovação no Congresso nas eleições deste ano - a bancada ruralista deve continuar dando as cartas na Câmara e no Senado -, no Executivo podem haver mudanças relevantes no tratamento da questão indígena. Dentre os candidatos mais bem posicionados na corrida presidencial, o PT de Fernando Haddad e o PDT de Ciro Gomes possuem propostas para ampliar a demarcação de terras. Bolsonaro, do PSL, já sinalizou que existem "terras indígenas demais", e que não deve retomar a demarcação caso eleito.

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/26/politica/1537978764_156884.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM

terça-feira, 18 de setembro de 2018

AGROFLORESTA


CAMPANHA LUTA CONTRA AMEAÇAS AO ACAMPAMENTO JOSÉ LUTZEMBERGER
Foto: https://www.correiodolitoral.com/14840/encontro-de-agroecologia-e-movimentos-sociais-em-antonina-juventude-e-ancestralidade/

A campanha AGROFLORESTA É NOSSA CASA convida as pessoas a se somarem à resistência do acampamento José Lutzenberger, localizado em Antonina, litoral do Paraná. Uma decisão judicial determina o despejo das famílias, que vivem e trabalham na área há quase 15 anos, com base na produção agroflorestal e sem uso de agrotóxicos.

Casas, escola, área de produção, ciranda infantil, centro comunitário, sede da agroindústria de processamento de alimentos, viveiro de mudas e os 20 hectares de agrofloresta em produção: tudo isso está ameaçado. A campanha busca apoio para reverter a situação.

Antes de ser ocupada pelas famílias, em 2004, a área estava degradada pela criação de búfalos, com nascentes de rio poluídas e desmatamento da vegetação nativa. O trabalho coletivo dos agricultores e agricultoras, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fez uma verdadeira revolução no local. As famílias devolveram a mata e a biodiversidade ao território. Em 2017, a comunidade recebeu o prêmio Juliana Santilli, na categoria ampliação e conservação da agrobiodiversidade.

"Para que a verdadeira justiça aconteça neste caso, queremos a permanência do acampamento José Lutzenberger. Por isso, solicitamos ao Governo do Estado, INCRA, Poder Judiciário, Ministério Público do Paraná e Prefeitura Municipal de Antonina uma solução definitiva para as famílias, sem despejo", dizem os organizadores.

📧 ENVIE UM E-MAIL para as autoridades que podem barrar o despejo (o modelo de caixa está em anexo, em português, espanhol e inglês)
- Maria Aparecida Borghetti – Governadora do Estado do Paraná: governadoracidaborhghetti@gmail.com e cidaborghetti@ccivil.pr.gov.br
- Louise Nascimento e Silva - Juíza da Comarca de Antonina: lnsi@tjpr.jus.br
- Ivonei Sfoggia – Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Paraná: gabinete@mppr.mp.br
- Olympio Sotto Maior Neto – Procurador de Justiça – Coordenador Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça (Caop) de Proteção aos Direitos Humanos: olympio@mppr.mp.br
- José Paulo Vieira Azim – Prefeito de Antonina: gabinete@antonina.pr.gov.br
- Walter Nerival Pozzobom - Superintendente Regional do Incra no Paraná: walter.pozzobom@cta.incra.gov.br


MAIS: www.agroflorestaenossacasa.com.br/ e facebook.com/AgroflorestaENossaCasa.
https://www.youtube.com/watch?v=HN_E0kJj_eo

Fonte: https://web.whatsapp.com/
Colaboração: Jackeline



domingo, 16 de setembro de 2018

REVOLUÇÃO FARROUPILHA


Até quando vamos endeusar a revolução farroupilha?


"Até quando deixaremos de contar em todas as escolas que Bento Gonçalves ao morrer, apenas dois anos depois do fim da guerra civil, deixou mais de 50 escravos aos seus herdeiros? Até quando?", escreve Juremir Machado da Silva, jornalista e historiador, em artigo publicado por Revista Afinal, 13-09-2016.
Eis o artigo.

Até quando?

Todo os anos eu me pergunto: até quando?
Sim, até quando teremos de mentir ou omitir para não incomodar os poderosos individuais ou coletivos?
Até quando teremos que tapar o sol com a peneira para não ferir as suscetibilidades dos que homenageiam anualmente uma “revolução” que desconhecem? Até quando teremos de aliviar as críticas para não ofender os que, por não terem estudado História, acreditam que os farroupilhas foram idealistas, abolicionistas e republicanos desde sempre? Até quando teremos de fazer de conta que há dúvidas consistentes sobre a terrível traição aos negros em Porongos? Até quando teremos de justificar o horror com o argumento simplório de que eram os valores da época? Valores da traição, do escravismo, da infâmia?
Até quando fingiremos não saber que outros líderes – La FayetteBolívarRivera – outros países – UruguaiArgentinaChileBolívia – e outras rebeliões brasileiras – A Balaiada, no Maranhão, por exemplo – foram mais progressistas e, contrariando “valores” da época, ousaram ir aonde os farroupilhas não foram por impossibilidade ideológica? Até quando a mídia terá de adular o conservadorismo e a ignorância para fidelizar sua “audiência”?
Até quando deixaremos de falar que milhões de homens sempre souberam da infâmia da escravidão? Os escravos. Até quando minimizaremos o fato de que a Farroupilha, com seu lema de “liberdade, igualdade e humanidade”, vendeu negros para se financiar? Até quando deixaremos de enfatizar que os farrapos prometiam liberdade aos negros dos adversários, mas não libertaram os seus? Até quando daremos pouca importância ao fato de que a Constituição farroupilha não previa a libertação dos escravos? Até quando deixaremos de contar em todas as escolas que Bento Gonçalves ao morrer, apenas dois anos depois do fim da guerra civil, deixou mais de 50 escravos aos seus herdeiros? Até quando?

Até quando?

Até quando adularemos os admiradores de um passado que não existiu somente porque as pessoas precisam de mitos e de razões para passar o tempo, reunir-se e vibrar em comum? Até quando os folcloristas sufocarão os historiadores? Até quando o mito falará mais alto do que a História? Até quando não se dirá nos jornais que os farroupilhas foram indenizados pelo Império com verbas secretas? Que brigaram pelo dinheiro? Que houve muita corrupção? Que Bento Gonçalves e Neto não eram republicanos quando começaram a rebelião? Que houve degola, sequestros, apropriação de bens alheios, execuções sumárias, saques, desvio de dinheiro, estupros, divisões internas por causa de tudo isso e processos judiciais?
Até quando, em nome de uma mitologia da identidade, teremos medo de desafiar os cultivadores da ilusão? Até quando historiadores como Décio FreitasMário Maestri*, Sandra PesaventoTau GolinJorge Eusébio AssumpçãoSpencer Leitman e tantos outros serão marginalizados? Até quando nossas crianças serão doutrinadas com cartilhas contando só meias verdades?
Até quando a rebelião dos proprietários será apresentada como uma revolução de todos? Até quando mentiremos para nós mesmos? Até quando precisaremos nos alimentar dessa ilusão?
Até quando viveremos assim?

Leia mais...

*Mário Maestri estrá no próximo IHU ideias, dia 15 de setembro, às 17h30min naSala Ignacio Ellacuría e Companheiros - IHU, Unisinos São Leopoldo. O historiador ministrará a palestra Rio Grande do Sul: a história e a política, ontem e hoje. O gaúcho real e o imaginário.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/560071-ate-quando-vamos-endeusar-a-revolucao-farroupilha
Colaboração: Luiz Fernando Magalhães

BRASIL ELEIÇÕES 2018


Grupo “Mulheres contra Bolsonaro” no Facebook sofre ataque cibernético e fica fora do ar

Nome de mobilização foi trocada. No Twitter, campanha de candidato comemora mobilização contrária. Facebook diz que está investigando atividade suspeita



O grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” no Facebook, que ganhou ampla repercussão nas últimas duas semanas por ter reunido milhares contra o candidato do PSL, é alvo de uma escalada de ataques cibernéticos, que vão desde a mudança do nome da mobilização, trocado para um de teor a favor militar reformado de ultradireita, à ameaça direta às moderadoras. Na madrugada de domingo, o grupo, que conta com um milhão de participantes e solicitações para participar e convites que alcançam 2 milhões de pessoas, estava fora do ar. "O grupo foi temporariamente removido após detectarmos atividade suspeita. Estamos trabalhando para esclarecer o que aconteceu e restaurar o grupo às administradoras", informou o Facebook. Enquanto isso, a campanha de Jair Bolsonaro no Twitter comemorava a mobilização de mulheres favoráveis a ele.
Grupo “Mulheres contra Bolsonaro” no Facebook sofre ataque cibernético e fica fora do ar
Desde a sexta-feira já havia sinais da ofensiva contra a mobilização. Neste dia, a administradora M.M. foi a principal afetada, e teve suas contas no Facebook e no WhatsApp invadidas. De acordo com as organizadoras, os ataques começaram por volta das 14h na sexta. Antes disso, moderadoras e administradoras haviam recebido ameaças em suas contas no WhatsApp. Os invasores exigiram que o grupo fosse extinto até às 24h de sexta-feira e tentaram intimidar as responsáveis pelo grupo ameaçando divulgar seus dados pessoais como como CPF, RG, Título de eleitor, nome da mãe, entre outros dados extremamente sensíveis.
Além disso, os responsáveis fizeram diversas postagens no grupo com teor ofensivo contra as participantes como as mensagens “esquerdistas de merda” e “Anonymous não quer esquerdista! Bando de mulher atoa q ao tem oq que fazer” (sic). A imagem de capa do grupo também foi alterada com as assinaturas 'Eduardo Shinok' e 'Felipe Shinok', supostos autores da invasão. Em seguida, um perfil alterou o nome do grupo para 'Mulheres COM Bolsonaro' e iniciou-se uma disputa pelo nome do grupo que criou confusão entre as participantes. Algumas pessoas passaram a recomendar a saída do grupo, enquanto outras pediam calma e alertavam sobre o ataque.
Os ataques acontecem em um momento em que a rejeição do eleitorado feminino ao candidato Jair Bolsonaro (PSL) tenta passar de uma mobilização massiva no Facebook para um ato nas ruas. O evento "Mulheres contra Bolsonaro", agendado para 29 de setembro no Largo da Batata, em São Paulo, já conta com 53 mil confirmações e outras 187.000 pessoas interessadas. Há outros eventos similares agendados para o mesmo dia em diferentes cidades pelo país. Uma edição que convoca participantes a se reunirem na Redenção, em Porto Alegre (RS) conta com 12 mil confirmações e 29 mil pessoas interessadas. No Rio de Janeiro, a convocatória para a Cinelândia conta com 26 mil confirmações e 58 mil pessoas interessadas. As manifestações também foram convocadas em diversas capitais como Florianópolis (SC), Belo Horizonte (MG) Fortaleza (CE), Belém (PA), Natal (RN), Recife (PE).
Grupo “Mulheres contra Bolsonaro” no Facebook sofre ataque cibernético e fica fora do ar

Apoiadores de Bolsonaro tentam responder

Grupo “Mulheres contra Bolsonaro” no Facebook sofre ataque cibernético e fica fora do ar
Na última semana, os apoiadores do militar empenharam esforços para tentar conter a onda, mas fracassaram em dar uma resposta feminina à altura. Em resposta ao grupo "Mulheres unidas contra Bolsonaro", os apoiadores do candidato do PSL criaram diversos grupos na tentativa de reunir as apoiadoras do ex-capitão do Exército. O principal deles é o grupo "Mulheres Com Bolsonaro #17 (OFICIAL)", que já conta com 403.945 perfis aprovados pela moderação, pouco mais de um terço do volume de perfis engajados contra o candidato. A rede de moderação do grupo é composta por 85 moderadoras e 12 administradoras.
Outra tentativa foi o grupo "Mulheres unidas A FAVOR de Bolsonaro" reúne 48.346 membros aprovados e demanda dos participantes que curtam a página "Bolsonaro Heroi Nacional". A contramobilização a favor do militar reformado também conta com a página "Mulheres Unidas A FAVOR do Bolsonaro", que desde que foi criada, em 11 de setembro, recebeu apenas 47.576 curtidas. Em uma mensagem fixada no topo da página, os moderadores dão instruções às novas seguidoras pedindo que divulguem a página em comentários favoráveis ao candidato em páginas de jornais e grupos do Facebook: "Meninas, coloquem o link da página em todos os comentários femininos a favor do Bolsonaro. Pode ser em páginas de jornais ou grupos. VAMOS CRESCER" (sic). A postagem também sugere um modelo de mensagem que pode ser copiado pelas mulheres que desejarem participar da campanha.
Grupo “Mulheres contra Bolsonaro” no Facebook sofre ataque cibernético e fica fora do ar
Apesar do resultado limitado, que não se converteu em um número expressivo de mulheres engajadas, o esforço dos apoiadores de Bolsonaro foi significativo. Uma articulação de diversas páginas de apoio mais antigas e com maior volume de seguidores se dedicou a compartilhar intensamente os conteúdos publicados na "Mulheres Unidas A FAVOR do Bolsonaro". A estratégia tem como objetivo ampliar o alcance das mensagens publicadas no novo canal dedicado às mulheres por meio do compartilhamentos de suas postagens. O aumento instantâneo do volume de interações faz com que os conteúdos da página sejam percebidos pelo algoritmo do Facebook como mais relevantes, de modo que as postagens passam a ser mostradas a um número cada vez maior de pessoas. A página  "Apoiamos a Operação Lava Jato- Juiz Sérgio Moro" foi a principal articuladora da campanha de divulgação deste canal. Criada em 10 de março de 2016, a página conta com 1.081.928 curtidas e compartilhou 17 postagens da página "Mulheres unidas A FAVOR de Bolsonaro" entre os dias 10 e 12 de setembro no Facebook.
A página "Bolsonaro - Eu Apoio", criada em 23 de fevereiro de 2018, também foi central para esta articulação. Ela compartilhou 15 postagens da página dedicada às mulheres para que fossem exibidas para uma parcelas de seus 469.245 fãs. Apesar de ser significativamente menor do que o canal dedicado a Sergio Moro, a página luta para crescer. A página contratou o serviço de anúncios pagos do Facebook para turbinar seu número de seguidores. O anúncio da página, que contém um vídeo do lutador de UFC Weslley Alves declarando apoio à Bolsonaro, não está devidamente identificado como propaganda, apesar de a legislação eleitoral proibir expressamente que terceiros façam anúncios de campanha em suas páginas de Facebook. No último mês, o TSE apresentou uma ordem judicial ao Facebook para retirar do ar conteúdos turbinados a favor de Bolsonaro que foram veiculados pela página do empresário Luciano Hang, o dono da rede de lojas de departamento Havan.

Homens protagonistas na campanha do Twitter

Apoiadores de Jair Bolsonaro também tentaram reagir à mobilização de mulheres no Twitter. Na última quarta-feira, simpatizantes do militar reformado foram bem sucedidos em manter a hashtag #MulheresComBolsonaro durante algumas horas na lista de trending topics do Twitter, um ranking que destaca os assuntos mais comentados da rede social. Embora a análise dos dados sugira uma resposta eloquente das eleitoras de Bolsonaro, foram perfis identificados como homens que protagonizaram a campanha.
Das cinco principais autoridades engajadas na disseminação da hashtag, quatro eram perfis identificados como homens. A principal autoridade foi o perfil identificado como Professor Igor, que publicou 19 mensagens com a hashtag durante o período analisado. A principal delas continha uma provocação contra grupos LGBT: "Quando a Globo diz que mulher não apoia Bolsonaro, ela está se referindo ao Pablo Vittar?", ironizou, referindo-se à cantora. A mensagem recebeu 969 RTs e 3.141 curtidas até o fechamento desta reportagem.
A quarta posição do ranking ficou com o perfil identificado como Rodrigo Moller, que se apresenta como "Quinto maior influenciador político do Twitter em 2016" e fundador do Movimento Brasil Conservador. A mensagem de maior destaque dentre as 6 que publicou usando a hashtag no período, o perfil convida seus seguidores a ajudarem na disseminação da campanha "Olha aí galera, as Twitter Girls estão subindo #MulheresComBolsonaro, vamos ajudar galera!! Juntos somos fortes!"
A quinta posição do ranking ficou com o filho do presidenciável, Flavio Bolsonaro (PSL), candidato a Senador no Rio de Janeiro. O candidato também divulgou um vídeo no qual um grupo de mulheres canta palavras de ordem favoráveis ao militar da reserva. A mensagem recebeu 1.421 RTs e 5.373 curtidas. O único perfil feminino entre as principais autoridades desta subrede é o de Fabi Moller, que se identifica como "Anti-PT. Conservadora, casada c @Ro_Moller e mãe de três lindos filhos. Idealizadora do Projeto #MulheresComBolsonaro". Cerca de 8,10% dos perfis que citaram a hashtag, entretanto, o fizeram em tom de deboche. A composição deste grupo (identificado em tom de rosa no grafo) se caracteriza pela presença de perfis simpáticos às bandeiras LGBTs.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/14/politica/1536941007_569454.html?%3Fid_externo_rsoc=FB_BR_CM

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

BRASIL ELEIÇÕES 2018



CARTA ABERTA DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA À SOCIEDADE BRASILEIRA SOBRE AS ELEIÇÕES 2018

A História não para! Este tempo de eleições nos convoca a participar ativamente da vida política do país e a lutar pela reconstrução da democracia. O golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016, que destituiu a Presidenta Dilma, legitimamente eleita em 2014, e que levou o Presidente Lula ao cárcere em abril passado, deixou o governo federal entregue a forças políticas reacionárias, privatistas e corruptas.

O governo ilegítimo de Michel Temer está entregando o patrimônio público às corporações multinacionais e destruindo o Estado e as políticas públicas do período democrático que promoviam o mínimo de dignidade para a maioria da população do nosso país, que é um dos mais desiguais do mundo. O golpe excluiu novamente os pobres do orçamento e nega os direitos historicamente conquistados pelas lutas dos movimentos sociais. Em pouco mais de dois anos, são visíveis os efeitos do golpe e da aplicação de medidas neoliberais para o agravamento da crise econômica e social. Os índices de desemprego são alarmantes. Milhões de pessoas foram jogadas novamente na pobreza. O país caminha para voltar ao Mapa da Fome. Cresce a violência no campo e nas cidades. Avança a militarização das periferias.

Este governo ilegítimo tem hoje 4% de aprovação, um dos mais baixos de toda a história republicana. Mesmo forças que participam do golpe e do comando político do país fazem todos os esforços para que a população não os associe ao governo de Michel Temer. Nem mesmo têm a coragem de dizer que defendem as medidas neoliberais levadas à frente pelo governo golpista. Sabem que se houver um debate verdadeiramente democrático, o projeto neoliberal não vence eleições.

As grandes corporações de mídia, ao semearem o medo e participarem ativamente da perseguição política contra o Partido dos Trabalhadores (PT), o Presidente Lula e os movimentos sociais, alimentam o fascismo e o patriarcado e dão espaço para a apologia à violência e à cruzada de candidatos de extrema direita contra os direitos humanos. Alimentam assim a escalada de violência que atinge principalmente os mais pobres, em especial a juventude negra das periferias, a população LGBT e as mulheres, e vendem a falsa solução de combater a criminalidade com mais violência, cujas vítimas são quase sempre os mais pobres.

Em relação às políticas para o campo, o quadro também é gravíssimo. A reforma agrária foi paralisada. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) estão sendo sucateados. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi extinto. Enquanto milhões voltam à pobreza, o Programa Bolsa Família vem sendo drasticamente reduzido. O programa Bolsa Verde, que atendia a populações extrativistas na Amazônia, foi encerrado. Cortes drásticos nos orçamentos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e do Programa de Cisternas para o semiárido foram realizados. Medidas anti-populares avançam no Congresso Nacional capitaneadas pela bancada ruralista, espaço no qual deputados e senadores atuam de forma articulada em favor das grandes corporações do agronegócio e em detrimento do interesse público.  O Projeto de Lei que favorece a indústria de agrotóxicos, o Pacote do Veneno, aprovado recentemente em comissão especial é um dos mais recentes exemplos desse processo.

Lutaremos para que a agenda golpista, anti-democrática, privatista, contrária aos direitos da maioria da população, que fere a nossa Constituição e a nossa soberania, seja derrotada nas urnas em outubro. Às pessoas que admiram o trabalho da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e que confiam no nosso compromisso com a democracia e com a maioria da população, alertamos para que não votem em golpistas e naqueles candidatos que votam contra o interesse da maioria da população. Procurem saber quem votou contra os direitos trabalhistas e a favor da Emenda Constitucional 95 que congela os investimentos públicos, para os derrotarmos nas urnas. Procurem nos partidos de esquerda as candidatas e os candidatos comprometidos com as pautas democráticas e populares e se mobilizem para que sejam eleitas/os. Busquem fortalecer candidaturas de mulheres, negras/os, jovens e LGBTs, historicamente sub-representados. Políticos não são todos iguais, como quer nos fazer crer a grande mídia para afastar o povo do debate sobre o futuro do país.

Seguindo as orientações da carta política do nosso vibrante IV Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em junho, a ANA segue mobilizada pela liberdade do Presidente Lula. Seguimos junto às demais forças democráticas e populares de nosso país, discutindo as nossas pautas com a população e trabalhando para eleger candidatos e candidatas comprometidas com a construção de um projeto nacional de desenvolvimento que seja democrático, popular, feminista, contra a LGBTfobia, anti-racista, soberano e agroecológico, a favor da democratização dos meios de comunicação, da saúde pública, de políticas de promoção da segurança alimentar e nutricional, do direito à cidade e da educação pública e gratuita.

Destacamos a importância das candidaturas do campo democrático e popular se comprometerem com a agenda programática do movimento agroecológico como, por exemplo, a realização de assentamentos da reforma agrária, a retomada da demarcação de terras indígenas, bem como a garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas e dos demais povos e comunidades tradicionais; a efetivação de uma política nacional de redução do uso de agrotóxicos; o apoio à educação do campo e a políticas para as juventudes do campo; a reconstrução e ampliação dos programas de apoio à agricultura familiar e à agroecologia, como as políticas de assistência técnica e extensão rural (ATER), os programas de aquisição de alimentos (PAA), de alimentação escolar (PNAE) e de cisternas para o semiárido; a efetivação de uma política de abastecimento alimentar que tenha como prioridade o apoio à agricultura familiar; o fortalecimento de políticas de resgate e conservação de sementes crioulas e de promoção da sociobiodiversidade; o apoio a políticas públicas que levem em conta a diversidade dos biomas brasileiros;  a implementação de políticas de apoio à agricultura urbana; o reconhecimento, o resgate e a valorização de práticas tradicionais de saúde, incluindo  e ao  o uso das plantas medicinais; e o fortalecimento institucional dos órgãos públicos relacionados a esta agenda, como os ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente, o INCRA, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares. É fundamental que estas candidaturas apoiem a efetivação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) instituída em 2012.

A luta continua, companheiras e companheiros!



AGROECOLOGIA E DEMOCRACIA UNINDO CAMPO E CIDADE

BRASIL, SETEMBRO DE 2018

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

POLÍTICA



Entrevista

Boulos: O Brasil não muda sem atacar os privilégios


por Fred Melo Paiva e Sergio Lirio — publicado 24/08/2018 00h30, última modificação 24/08/2018 14h20
O presidenciável do PSOL propõe o aumento de impostos para os ricos, mais plebiscitos e referendos e o controle externo do Judiciário


As negociações partidárias limitaram o número de candidaturas presidenciais do campo progressista. Com Lula preso, o PT sem representante nos debates e Ciro Gomes em busca do eleitorado centrista, resta a Guilherme Boulos, do PSOL, a missão de exercitar a crítica ao golpismo do Judiciário e a perseguição política ao ex-presidente, expor os presidenciáveis que apoiaram desde a primeira hora o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer (“os 50 tons de Temer”, de acordo com sua definição), e criticar de maneira mais contundente o sistema financeiro. Boulos, não se pode negar, cumpre as tarefas com denodo. “Precisamos dialogar com os desiludidos e os insatisfeitos”, afirma. “Caso contrário, vamos empurrar o eleitorado para o colo do Bolsonaro.” 
CartaCapital: Há três candidaturas identificadas com um mesmo campo e que em vários pontos defendem ideias parecidas: a sua, a de Lula/PT e a de Ciro Gomes. Por que o eleitor deveria escolher o senhor?
Guilherme Boulos: A minha candidatura formou-se com o objetivo de apresentar um projeto de mudança do Brasil. Não dá mais para implementar políticas sociais e avançar na oferta de direitos à população sem enfrentar privilégios. Ou seja, enfrentar os bancos, baixar juros, atacar o Bolsa Banqueiro, o Bolsa Empresário. Fazer uma reforma tributária que obrigue os ricos a pagar impostos. Vamos taxar lucros e dividendos e grandes fortunas. Defendo essas propostas sem ambiguidade. Sem medo. Ao mesmo tempo, apresentamos uma nova alternativa política. 
CC: Qual?
GB: Nos últimos quatro meses visitei 22 estados. O que mais tenho visto é a descrença. “Não tem jeito... Não venha falar de política... É tudo igual.” É o que ouço. Precisamos dialogar com os desiludidos e os insatisfeitos. Caso contrário, os descrentes vão direto para o colo da extrema-direita, do Bolsonaro. Ele, da maneira mais farsante do mundo, coloca-se como alternativa ao sistema político. Um cara que há 27 anos é deputado, foi do partido do Paulo Maluf, ligado à bandalheira que a gente conhece. É preciso ousadia para se colocar contra o sistema.
Precisamos refundar a democracia. Não se pode adotar um discurso que aponte para um lado e uma prática que vá na outra direção. Dizer, como o PT faz, que pretende mudar o sistema político e se aliar com o Eunício de Oliveira no Ceará, com o Renan Calheiros em Alagoas. Manter a mesma estrutura que levou ao golpe contra Dilma Rousseff não me parece algo que se possa classificar de coerência. Não dá mais para fazer aliança com o Centrão e com o MDB. 
CC: E como se governa sem eles?
GB: Depois do golpe, a pergunta é outra. Como se consegue governar com essas alianças, que nos levaram a esta situação? Não vamos chegar a um lugar diferente pelo mesmo caminho. Está na hora de repensar o conceito de governabilidade. Nos últimos 30 anos, ela foi interpretada como a obtenção de maioria parlamentar a qualquer custo. Daí surgiram os negócios, a busca dos partidos por abocanhar as maiores fatias do Estado.
Esse modelo faliu. O golpe é a expressão de como se tornou ingovernabilidade. Não se pode construir um equilíbrio restrito à Praça dos Três Poderes. Sem envolver a sociedade não vai funcionar. 
Assista a entrevista na íntegra:
CC: De que maneira?
GB: Com plebiscitos, referendos e outras formas de participação popular. Proponho o Sistema Nacional de Democracia Direta, expressão concreta de formas de participação que não dependem apenas do Congresso. 
CC: A agressão aos venezuelanos em Roraima é um microcosmo desse momento do Brasil, do estímulo ao ódio. Como lidar com aquela situação?
GB: Estive em Roraima um mês e meio atrás. Visitei acampamentos e conversei com venezuelanos. A situação é crítica. Há uma crise econômica brutal na Venezuela, a população não consegue sobreviver e atravessa a fronteira a pé, famílias inteiras, crianças... Eles andam centenas de quilômetros até chegar em Boa Vista. O governo Temer fez errado. Montou alojamentos, mas colocou o Exército para administrar os recursos. As denúncias de violações de direitos humanos, quando estive lá, eram recorrentes. Além disso, ocorreu um trabalho consciente da governadora de Roraima, associada a uma parte da mídia local, para estimular a xenofobia.
A lei de imigração do Brasil é extremamente avançada. Ela propõe acolhimento e integração e respeita o direito dos migrantes. Simplesmente, deveríamos aplicá-la. O governo de Roraima e as prefeituras do estado não têm condições financeiras para viabilizar o cumprimento da legislação. Caberia ao governo federal. As cenas bárbaras do último fim de semana são resultado do estímulo à xenofobia e da ausência de políticas adequadas para lidar com os imigrantes. 
CC: É possível governar com o teto de gastos?
GB: Não. A única saída é revogar o teto de gastos, a reforma trabalhista e a entrega do pré-sal. Não se governa o Brasil de outra forma, a não ser que o objetivo seja continuar atendendo o 1%. Os atos do governo Temer, principalmente aqueles de lesa-pátria, responsáveis por retrocessos históricos para o País e o povo, precisam ser derrubados.
Minha primeira medida seria convocar um referendo revogatório para rever ao menos esses três pontos. Sem isso não se governa para a maioria. Temos visto um espetáculo nesta campanha. Vários candidatos buscam se descolar do Temer. São os 50 tons de Temer, como afirmo. Mas eles e seus partidos aprovaram o teto de gasto, a reforma trabalhista, a entrega do pré-sal. 
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Alguns dos 50 tons de Temer, segundo Boulos (Foto: Divulgação)
CC: Como lidar com o Judiciário e suas ilegalidades?
GB: O Judiciário, ou uma parte dele, aproveitou uma brecha. Temos um Executivo sem legitimidade e um Legislativo desmoralizado, inundado em denúncias de corrupção. Com dois poderes da República na lona, o Judiciário arvorou-se como força suprema. Setores da Justiça passaram a julgar, executar e legislar ao mesmo tempo. Um juiz de primeira instância pode impedir a posse de um ministro de Estado. Um ministro de Tribunal de Contas, órgão de assessoria do Legislativo, tem o condão de barrar qualquer política de um governo eleito. A hipertrofia do Judiciário é antidemocrática. Proponho a democratização da Justiça. 
CC: Como funcionaria?
GB: Penso em três medidas centrais, além de enfrentar todos esses privilégios como auxílio-moradia e auxílio-paletó. A primeira seria incluir representantes da sociedade no Conselho Nacional de Justiça. Nenhum poder deve se autorregular, precisa de controle social. Segunda: ouvidoria externa. Por fim, definição de mandatos fixos para os tribunais superiores. Embora alguns se considerem assim, juízes não são deuses. Como todos os demais poderes, o Judiciário precisa se submeter às leis e à democracia. 
CC: Além da desmilitarização das polícias, o que mais propõe para melhorar a segurança pública?
GB: O Bolsonaro cresce na esteira do medo e da desesperança com a política. A tática dele é explorar politicamente o medo. O que mais tenho visto é medo: do desemprego, da violência, do amanhã... E isso abre espaço para o debate fascista, para a defesa da liberação das armas. Mais bomba, mais porrada, mais polícia, mais prisões. Reduz a maioridade penal, bota na forca. Psicanaliticamente, o medo desliza muito facilmente para a intolerância e o ódio. A solução não é mais violência. Começa por um novo modelo de polícia. Temos uma das polícias que mais matam e uma das que mais morrem.
Além disso, proponho dois eixos: prevenção e inteligência. Um governo nosso não vai construir presídios, vai investir em escola para não ser obrigado a erguer prisões. Não vamos dar a primeira sentença para um jovem, mas o primeiro emprego. Os maiores índices de homicídios são registrados nas regiões com as menores oportunidades de emprego, lazer, cultura e educação. Isso está matando a juventude negra nas periferias. A falta de oportunidades primeiro e, depois, o Estado ceifando vidas ao reproduzir a lógica da violência. 
CC: E o investimento em inteligência?
GB: Inteligência é enfrentar o tráfico de armas e munições. É combater o crime organizado no lugar certo. Ele não está em um barraco na favela, falemos a verdade. Está muito mais perto da Praça dos Três Poderes, em Brasília, do que de qualquer periferia do País. Sabe quanto o Rio de Janeiro, sob intervenção federal, que vai custar quase 1 bilhão de reais, investiu em inteligência neste ano? O orçamento da segurança no estado é de 8 bilhões, mas o gasto foi de 283 reais. Não paga a conta de luz do Disque-Denúncia. Por isso, passados cinco meses, ainda não descobriram quem matou a vereadora Marielle Franco.
Temos no Brasil uma política de segurança burra, baseada no tiro, na porrada e na bomba. Baseada na guerra às drogas, que fracassou e só serviu para colocar gente na cadeia e matar jovens negros nas periferias. Temos de rever também a política de drogas. 
CC: Qual a proposta nesta área?
GB: A legalização da maconha. Existem várias experiências internacionais bem-sucedidas, o Uruguai é um caso, o Canadá é outro. 
CC: Só a maconha seria legalizada?
GB: No caso das outras drogas, proponho um processo de descriminalização. Este não é um assunto do Código Penal. O abuso no consumo é um problema do Sistema Único de Saúde. A guerra às drogas não resolve. Nos últimos 30 anos, o narcotráfico se enfraqueceu? O consumo caiu? Não. Mas analisemos o que foi feito em relação ao tabaco. O Brasil é um case internacional no combate ao tabagismo, premiado na Organização Mundial da Saúde.
O consumo reduziu-se em duas décadas, drasticamente. Como se fez? Proibiu-se a venda de cigarro? Não. Adotamos um trabalho de prevenção por meio de campanhas educativas, com a restrição dos lugares de uso, a proibição de propaganda e o aumento da tributação. O resultado foi a redução do consumo. 
CC: O senhor concorda com a tese de que sem Lula, líder das pesquisas, na disputa, esta eleição é uma farsa?
GB: A democracia brasileira foi corroída por sucessivos golpes. Assistimos à ascensão do Temer com o processo de impeachment, conduzido de maneira ilegítima pelo Eduardo Cunha. Vimos a implementação de uma agenda que não teve o respaldo das urnas. Houve a prisão política do Lula. Evidentemente, as eleições não ocorrem em condições normais. E eu tenho alertado sobre isso em todas as ocasiões.

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