quarta-feira, 31 de outubro de 2018

BRASIL

Aplicação medicinal tradicional dos Matsés.



Tribo indígena amazônica cria enciclopédia de 500 páginas catalogando plantas e seus benefícios


O Xãma Matsé  César.
Christopher Herndon à esquerda e o xamã Arturo à direita observando o rascunho da enciclopédia.
Xamã e aprendiz.
Encontro de chefes Matsés.

A fim de preservar os conhecimentos ancestrais, o povo Matsés do Brasil e do Peru criou uma enciclopédia de 500 páginas organizada por cinco xamãs com a ajuda do grupo de conservação Acaté, catalogando uma série de plantas utilizadas pela tribo para fins medicinais.
Segundo o presidente e co-fundador da Acaté Christopher Herndon, é a “primeira vez que xamãs de uma tribo da Amazônia criaram uma transcrição total e completa de seu conhecimento medicinal, escrito em sua própria língua e com suas palavras”.
Os Matsés lançaram a enciclopédia apenas em sua língua nativa para garantir que o conhecimento medicinal não seja roubado por empresas ou pesquisadores, por exemplo. A publicação tem como finalidade ser um guia para a formação de jovens xamãs.
Para que este conhecimento e tradição sejam preservados e disseminados, a Acaté também criou um programa de orientação para conectar os xamãs Matsés com jovens estudantes.
É possível ler aqui uma entrevista com Christopher Herndon, concedida ao Mongabay sobre a publicação.
Mais: https://www.xapuri.info/etniagenero/povosindigenas/matses-criam-enciclopedia-indigena/
Fonte: https://www.hypeness.com.br/2015/08/tribo-indigena-amazonica-cria-enciclopedia-de-500-paginas-catalogando-plantas-e-seus-beneficios/?fbclid=IwAR3uiMs-SNuRsYTZbbRD9xkBUbB-OEKil2ffoLgN--v1LYOIexbIU4fneaw


quarta-feira, 3 de outubro de 2018

ANA MARIA PRIMAVESI



AGRICULTURA03 de Outubro de 2018


Ana Maria Primavesi, expoente maior da agroecologia, completa 98 anos

Biógrafa escreve com exclusividade sobre como a engenheira agrônoma conciliou as leis da natureza com a agricultura, revolucionando as práticas agrícolas

POR VIRGÍNIA MENDONÇA KNABBEN*

Ainda hoje, acreditem, completados 98 anos de idade e cerca de 70 de trabalho como engenheira agrônoma, Ana Primavesi não tem consciência do quanto significou e significa para o desenvolvimento da agricultura, ou melhor, da agroecologia, no mundo.


Por mais de uma vez, ao sentar para almoçar ou depois de participar de algum encontro ou evento no qual era a convidada de honra, ela comentou: “eu não entendo porque as pessoas gostam tanto de mim.” Ou: “As pessoas me adoram tanto e eu não sei por quê.” “Não sabe, doutora?”, pergunto verdadeiramente surpresa. Ela faz que não com a cabeça, e pronto, o assunto já passou.
Ela foi a primeira mulher a afirmar, num meio exclusivamente masculino, que o solo tem vida
Pode até parecer presunção àqueles que nunca conviveram com ela lerem essa história, mas Primavesi não entende mesmo. “Como podemos ser premiados por fazermos o que é o certo?” ela disse noutra vez, com toda razão. É que para ela era natural trabalhar com o solo vivo, tentando reproduzir ao máximo o que a natureza já faz. Era óbvio.

Andando a seu lado na ocasião de um Congresso de Agroecologia em Botucatu, em 2013, o encontro fortuito com o Mito (sim, esse é o verdadeiro Mito) transformava adultos em crianças; os rostos se voltavam num espanto; incrédulos apertavam os olhos para terem certeza de que era ela mesmo.

Em uma marcha lenta com sua bengala mas com andar firme, Primavesi tenta chegar ao palco do evento que a homenageava, deixando para trás centenas de fotos tiradas freneticamente. Recebe a placa das mãos de Maristela Simões do Carmo, sua amiga e professora de longa data e agradece humildemente. Os cinco minutos de aplausos ininterruptos a constrangem, mas não há o que fazer. Na plateia, olhos brilhantes de lágrimas expressam a emoção de estar diante de Ana Maria Primavesi, a primeira mulher a afirmar, num meio exclusivamente masculino, que o solo tem vida. A pessoa que ensinou com linguagem simples o que todos podem e conseguem entender. Aquela que nos aproximou de nós mesmos pela origem de tudo, a terra, e integrou saberes, tornando-nos autônomos em nossas práticas.
Paixão pelo solo
Ana Primavesi trabalhou com o solo, sua paixão, a vida toda. Quando ainda estava na Universidade Boku, em Viena, na Áustria, a Segunda Guerra tinha ceifado a vida de seus dois irmãos mais velhos. Seu pai, Sigmund Conrad, fora recrutado também, como foram todos os homens. Logo tomou um tiro de dum-dum no tornozelo e quase perdeu o pé, que ficou pendurado pelo que restou de pele. Isso lhe custou três anos num hospital de guerra (chamado lazareto), e coube à mais velha das filhas assumir as responsabilidades em casa.
Ana Maria Primavesi tem a capacidade de juntar tudo, de fazer com que o difícil se torne familiar, com que as relações se apresentem de forma simples e que a natureza seja encarada com ternura.
Estudar naquele contexto era até uma teimosia. Ela conta que Hitler fez de tudo para que os estudantes desistissem da Universidade. Não conheciam aquela moça cujo sobrenome quase chamou-se “determinação” e que tinha conseguido salvar o pai de uma execução sem a ajuda de nenhum advogado, de ninguém. Enfim ela se formou, fez o doutorado e acumulou em sua bagagem a experiência pesada da Guerra. No convívio com professores magistrais se constituiu e, sobretudo, desenvolveu a compreensão (única) de como funciona a vida do solo.
Quando a guerra acabou, Ana tinha 25 anos. Casou-se com o também engenheiro agrônomo Artur Primavesi e, diante de uma Europa destruída e traumatizada, o casal decidiu vir para o Brasil. Foi aqui que Ana passou a viver na e da agricultura. No começo, mais nos bastidores, porque os filhos exigiam sua atenção. À medida que cresciam (ela teve três), voltava à ativa, mas nunca deixou de auxiliar Artur tecnicamente.
Aqui, enfrentaria outra guerra. Quanto mais defendia a vida do solo, ou mais didáticos eram suas palestras e livros, mais era acusada de não ser científica. Os ataques constantes não a demoveram. “Tenho certeza do que estou falando”. Não era uma certeza para sobressair sobre um ou outro, numa luta de egos. Eram as leis da natureza que ela defendia, a agricultura deveria trabalhar ao máximo para mantê-las, pois a prática agrícola já é algo agressivo, antinatural.
Os ataques constantes não a demoveram. “Tenho certeza do que estou falando"
​Ana ousava. Falava de colêmbolos, bactérias e nematoides, de “compounds” entre os elementos químicos e deficiências minerais, e emendava nesse contexto as historinhas mais queridas das formigas que “dançam” encontradas em Sorocaba, do boi que comia as correspondências do governo em Fernando de Noronha ou da “dona cobra”, uma cascavel que vinha cumprimentar os visitantes de sua fazenda em Itaí balançando seu chocalho. Esse talvez seja um dos maiores atrativos nela: a capacidade de juntar tudo, de fazer com que o difícil se torne familiar, com que as relações se apresentem de forma simples, e que a natureza seja encarada com ternura. Ainda finalizava suas apresentações com fotos Kirlian, imagens que revelavam a energia das plantas e os efeitos maléficos das pulverizações de agrotóxicos e das deficiências minerais provocadas pela adubação química.
Para os catedráticos aquilo era uma afronta à ciência, tão difícil e limitada a “poucas inteligências.” Mas para os agricultores de fato, aqueles que lidavam com a essência da natureza, era o alimento fundamental para suas práticas. Ana encantava, desbravava. Contava, por exemplo, que o jatobá é uma árvore cuja seiva é tão rica em minerais que dava-a aos filhos como suplementação mineral, não sem antes pedir à árvore permissão para sua retirada. Eles nunca precisaram tomar vitaminas.

Hoje celebramos seu quase centenário. Nosso jatobá sagrado da agricultura, imponente, completa 98 anos, mais de setenta dedicados à ciência do campo. Quanta vida! Quanto aprendizado.

Ana Primavesi, querida árvore mestra. A matriz de todos nós.
Virgínia Mendonça Knabben é geografa e professora. Em 2016, publicou a biografia Ana Maria Primavesi, histórias de vida e agroecologia, que deu início à reedição da obra de Ana Maria Primavesi, pela editora Expressão Popular.

Fonte: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2018/10/ana-maria-primavesi-expoente-maior-da-agroecologia-completa-98-anos.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compartilharDesktop

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

BRASIL



Crime ecológico: de uma só vez, Rondônia acaba com mais de meio milhão de hectares de áreas protegidas



Por Warner Bento Filho




Sem nenhuma manifestação contrária, deputados da Assembleia Legislativa de Rondônia fizeram desaparecer, em menos de uma hora de discussão, mais de meio milhão de hectares de áreas protegidas na Amazônia. De uma só vez, na tarde da última terça-feira (25), os parlamentares riscaram do mapa onze unidades de conservação no estado. A tramitação se deu em tempo recorde: o projeto foi protocolado na Assembleia no meio da manhã (10h30) e, à tarde, já estava aprovado.
Encarregado de apresentar em plenário parecer sobre a proposta, em nome das comissões da casa, o deputado Léo Moraes (PTB) gastou apenas dois minutos para concluir que as áreas deveriam ser extintas, sem qualquer debate com a sociedade e sem qualquer estudo técnico. “Por ter o clamor de toda sociedade e o apelo dos deputados estaduais, somos favoráveis ao projeto e à emenda para que possamos extinguir as reservas e trazer o desenvolvimento sustentável e responsável ao Estado”, disse.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia, Hamilton Santiago Pereira, a extinção das UCs foi exigência dos deputados para aprovarem uma série de complementações orçamentárias de que o governo precisava para honrar pagamentos, inclusive de salários de servidores.
Surpresa
O combinado, porém, segundo ele, era extinguir apenas uma das unidades de conservação criadas pelo governo do estado, a maior delas: a Estação Ecológica Soldado da Borracha, de 178.948 hectares, entre os municípios de Porto Velho e Cujubim. Isso era o que propunha o projeto de lei complementar 242/2018, enviado à Assembleia pelo governo – e protocolado às 10h30 da manhã.
Ao entrar em discussão no plenário, no entanto, o PLC recebeu uma emenda coletiva propondo a extinção não só dessa unidade de conservação, mas de todas as onze unidades criadas pelo governo do estado em março deste ano, e assim foi aprovado. Os deputados já haviam tentado extinguir as áreas em março, mas a tentativa foi barrada pela Justiça.
Compromissos
Depois da aprovação do projeto e da emenda, nessa terça, o deputado Lebrão (MDB) discursou esclarecendo quais são os compromissos dos deputados. Ele disse que a Assembleia Legislativa é composta por “deputados ruralistas que têm compromissos com a sociedade de uma maneira geral do estado de Rondônia, mas principalmente com o agronegócio”. E fez uma advertência: “Que (a extinção das UCs) sirva de exemplo para os próximos governantes deste estado: que não passem mais por cima da Assembleia Legislativa”.
O deputado Maurão de Carvalho (MDB) disse que em Rondônia “não cabe mais reserva. Tem reserva demais”. No entendimento do parlamentar, os produtores rurais não podem ser controlados pela estrutura do estado: “Precisamos deixar o produtor rural trabalhar com liberdade, sem perseguição do Ibama, sem perseguição de alguns policiais da Polícia Ambiental”, disse.
De acordo com o secretário Hamilton Pereira, o governador deve vetar as extinções impostas pela emenda coletiva, mantendo, porém, a extinção da Estação Ecológica Soldado da Borracha.
​”Essa decisão não foi debatida com a sociedade”, afirma o diretor executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic. “É fundamental mantermos essas unidades de conservação. Se a floresta vai embora, vão com ela todos os serviços ambientais de que a humanidade depende: água, equilíbrio climático, alimentos, cultura, medicamentos, abrigo. O que estamos colocando em risco é o nosso futuro, num momento de eleições em que estamos decidindo o modelo de desenvolvimento que queremos ter.”​
Dívida com a coletividade
O advogado do WWF-Brasil Rafael Giovanelli lembra que o estado tem o dever constitucional de criar unidades de conservação. “O estado precisa criar unidades de conservação para dar efetividade ao direito das pessoas a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como estabelece o Artigo 225 da Constituição Federal”, disse. “Rondônia é um dos estados com maior índice de desmatamento na Amazônia. Por isso, tem, mais do que nunca, a obrigação de criar unidades de conservação. Se não cria, ou se extingue, fica em dívida com a coletividade”, completou.
O coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, informou que a organização ambientalista tenta uma audiência com o governador do estado, Daniel Pereira (PSB), para expor a preocupação da entidade. “Tanto o processo de criação quanto o de extinção de unidade de conservação pressupõe a realização de estudos técnicos. Sem isso, o processo é viciado e tem que ser declarado nulo”, disse o coordenador. “Assim como na criação, a extinção de unidades de conservação também precisa contemplar a participação da sociedade, o que tampouco aconteceu neste caso”, acrescentou.
“Este é mais um exemplo de como os eventos do PADDD, impulsionados por interesses políticos locais, estão colocando em risco estratégias e compromissos em nível nacional, incluindo um financiamento significativo que foi investido no estabelecimento dessas áreas “​, complementa Mariana Napolitano, que coordena a Iniciativa de Água do WWF-Brasil.
Cooperação
Das 11 unidades de conservação criadas pelo governo do estado em março, quatro eram de proteção integral: as estações ecológicas Umirizal e Soldado da Borracha e os parques estaduais Ilha das Flores e Abaitará. As demais unidades são de uso sustentável, que permitem a exploração sustentável dos recursos naturais.
O programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) investiu R$ 657 mil na criação das unidades de conservação, por meio de cooperação entre a Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia, o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e o Ministério do Meio Ambiente. O Arpa apoia financeiramente o desenvolvimento de estudos e a realização e consultas públicas.
A extinção da reserva foi encaminhada à ALE pelo governo de Rondônia. Ao todo, 15 deputados estaduais votaram a favor da extinção da reserva. Ninguém foi contrário.
Veja como votou cada deputado estadual
DeputadoVoto
Adelino Folador (DEM)SIM
Aélcio da TV (PP)SIM
Alex Redano (PRB)SIM
Anderson da Singeperon (PROS)SIM
Cleiton Roque (PSB)SIM
Edson Martins (MDB)SIM
Ezequiel Junior (PRB)SIM
Herminio Coelho (PDT)SIM
Jesuíno Boabaid (PMN)SIM
Laerte Gomes (PSDB)SIM
Lebrão (MDB)SIM
Léo Moraes (PTB)SIM
Maurão de Carvalho (MDB)SIM
Ribamar Araújo (PR)SIM
Só na Bença (MDB)SIM
Por WWF