terça-feira, 28 de julho de 2020

ÁRVORES PRÉ-HISTÓRICAS



Araucariaceae: As árvores pré-históricas mais raras do mundo que sobrevivem à extinção




Kate Evans, do Landscape News
domingo, 26 julho 2020 16:15



John Muir, herói ambiental escocês-americano, é famoso por seu ativismo para preservar as sequoias do oeste norte americano. Entretanto, em 1911, aos 73 anos, ele viajou para o outro extremo das Américas em busca de uma espécie de árvore diferente, um gigante das florestas que ele só tinha visto em fotos: a araucária.
Nas montanhas nubladas do Sul do Brasil, Muir caminhou entre as coníferas de copa plana por uma semana e escreveu em seu diário: “Manhã chuvosa. Araucárias por centenas e milhares. Paisagem maravilhosa”. Ele havia visitado a Amazônia recentemente, mas as araucárias eram as árvores que ele queria ver antes de morrer.
Foi, como escreveu, a floresta mais interessante que ele já havia visto em sua vida.
As araucárias do Brasil pertencem à família ancestral das Araucariaceae, as quais encontradas em todo o mundo durante os períodos Jurássico e Cretáceo (entre 200 e 65 milhões de anos atrás). Algumas pesquisas sugerem que, devido as suas folhas ricas em energia e com baixa fermentação, elas eram um alimento essencial para os dinossauros saurópodes.
Atualmente, os três gêneros sobreviventes dessa família estão limitados ao hemisfério sul. E, como os dinossauros que antes vagavam entre eles, essas árvores de aparência peculiar agora estão em risco de extinção.
Dentro da família Araucariaceae, existem 20 espécies no gênero Araucária, incluindo o Araucaria araucana ou Monkey-Puzzle do Chile, o Hoop Pine da Austrália e Papua-Nova Guiné e o Norfolk Island Pine da ilha Norfolk. Outras 22 espécies pertencem ao gênero Agathis, encontrado no Pacífico Sul e no Sudeste Asiático, dos quais o mais famoso é a árvore colossal Kauri, da Nova Zelândia. E o gênero Wollemia, da Austrália, contém apenas uma espécie, um “fóssil vivo” espetacular tão somente descoberto em 1994, dentro de sua última fortaleza em um cânion escondido localizado próximo a Sydney.

Um estudo de 2018 classificou as espécies de gimnospermas (plantas sem flores) no mundo segundo sua história evolutiva e risco de extinção. Das quatro espécies identificadas como tendo a maior prioridade de conservação, três foram Araucariaceae: o pinheiro Wollemi, a araucária brasileira e a Kauri.
A ilha dos tesouros
Apesar da distribuição geográfica dessa família ancestral, quase metade das espécies vivas – 19 de 45 – se encontra somente em um pequeno arquipélago do Pacífico, Nova Caledônia, cerca de 1.000 quilômetros da Austrália.
Essas ilhas tropicais montanhosas abrigam cinco espécies de Agathis e quatorze de Araucária. “Essas plantas são maravilhosas, são diferentes de qualquer outra”, diz Robert Nasi, diretor geral do Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR). Como parte de sua pesquisa para obter seu título de mestrado, Nasi mapeou a distribuição das diferentes espécies de Araucariaceae nas ilhas.
Algumas crescem apenas na atitude das montanhas chuvosas e nubladas da Nova Caledônia, algumas entre florestas de folhas largas e outras em recifes rochosos elevados, próximos à costa. “Então você tem todas essas esquisitices que parecem esconder um dinossauro por trás”, diz Nasi. “Você olha para ver que tipo de monstro antediluviano vai pular do outro lado.”
A Nova Caledônia está isolada de outras massas terrestres há pelo menos 45 milhões de anos, sua geologia é complexa e possui uma ampla variedade de ecossistemas em uma superfície de apenas 18.275 quilômetros quadrados – metade do tamanho da Suíça. O resultado é uma biodiversidade exuberante, não apenas em Araucariaceae, mas também em plantas em geral: o arquipélago possui 3.261 espécies nativas – quase tantas quanto toda a Europa continental – o que a torna o menor hotspot de biodiversidade do mundo.

Entretanto, com cada uma adaptada a um ambiente específico, as Araucariaceae da Nova Caledônia são vulneráveis. Uma espécie, Araucaria scopulorum, é conhecida apenas em alguns locais onde há mineração de níquel, uma das indústrias mais importantes do país. Contudo, esta não é a única ameaça, as mudanças climáticas também representam um risco para muitas dessas espécies.
“Eu não acho que elas desaparecerão durante o nosso tempo de vida, mas também não acho que elas irão durar muito”, diz Nasi. “Uma espécie restrita a uma faixa de 200 metros de altitude em uma montanha em uma ilha do Pacífico provavelmente não tem um futuro esperançoso sob as mudanças climáticas”.
Deveria haver mais esforço para propagar os tesouros botânicos da Nova Caledônia e cultivá-los em coleções vivas, mesmo fora do país, afirma Nasi – e os últimos bastiões das espécies mais ameaçadas devem ser totalmente protegidos da mineração e de outros distúrbios.
Combatendo incêndios e pragas na Nova Zelândia e na Austrália
Um dos membros icônicos da família Araucariaceae na Nova Zelândia, Agathis australis, está enfrentando outras ameaças. As árvores kauris podem viver por mais de 2.000 anos e crescer até 50 metros. Eles são considerados uma taonga, ou uma posse preciosa, pelos povos indígenas maoris.
Uma grande floresta de kauris já atingiu o norte do país, mas a demanda por madeira e terras agrícolas após a chegada dos europeus levou à destruição de 99,5% da mesma floresta no início do século XX.
Alguns fragmentos ainda permanecem em áreas protegidas e em terras particulares, mas os kauris estão atualmente enfrentando um novo inimigo – um patógeno do solo chamado Phytophthora agathidicida, também conhecido como ‘assassino dos kauris’.
Não há cura, mas os cientistas e os maoris estão trabalhando juntos, tentando combinar microbiologia e conhecimento antigo em um esforço para salvar as árvores.
O pinheiro Wollemi da Austrália, Wollemia nobilis, é ainda mais raro e poderia ter desaparecido completamente em estado selvagem no final de 2019, se não fosse por uma missão de resgate ousada e secreta. Até a década de 1990, árvores como Wollemi eram conhecidas apenas de registros antigos de pólen, segundo Cris Brack, cientista florestal da Universidade Nacional da Austrália em Canberra. “Sabíamos que algo como esta árvore havia existido em todo o continente, e depois desapareceu”.
Acreditava-se que eles estavam extintos há milhões de anos. Então, em 1994, um guarda florestal, David Noble, fez rapel em um desfiladeiro no Parque Nacional Wollemi, nas Montanhas Azuis, a noroeste de Sydney, e encontrou uma árvore imponente que ele não reconheceu. Tinha folhas e cascas de samambaia cobertas de bolhas cor de chocolate.
“Foi realmente como encontrar um dinossauro vivo”, disse Brack.

Desde então, foram encontrados cerca de 100 pinheiros Wollemi em quatro bosques no mesmo sistema de cânions, cuja localização é mantida em segredo para protegê-los de vandalismo ou introdução acidental de phytophthora.
A análise genética revelou que a população tem uma diversidade genética extremamente baixa, tornando-a menos resistente a ameaças.
Em um esforço para preservar os pinheiros Wollemi para as gerações futuras, os horticultores do Jardim Botânico Australiano no Monte Annan desenvolveram um método de clonagem de árvores. Desde 2006 elas estão sendo plantadas em jardins familiares e botânicos na Austrália e em todo o mundo.
O Royal Botanic Garden de Sydney lançou recentemente um projeto de ciência cidadã, “I Spy a Wollemi Pine”, para tentar rastrear os diferentes ambientes nos quais as espécies podem crescer.
No final de 2019, enquanto a Austrália queimava, um incêndio florestal sem precedentes começou no Parque Nacional Wollemi, que acabou com mais de 444.000 hectares e se tornou o maior incêndio florestal com ponto único de ignição na história australiana.
Brack acompanhou sua evolução e temeu que fosse a sentença de morte para os pinheiros Wollemi na natureza. “Eu pensei, não há como eles sobreviverem a esse incêndio.” Mas em janeiro, o governo de New South Wales anunciou que havia salvado as árvores em uma missão secreta de resgate.
Aviões jogaram bombas de água e retardantes de fogo em um anel ao redor da floresta. Alguns bombeiros foram levados de helicóptero para o desfiladeiro para instalar e operar um sistema de irrigação e manter o solo úmido.

Poucas árvores saíram chamuscadas e outras duas foram incendiadas, mas o fogo terminou e o resto da população não foi afetada.
O esforço valeu a pena, afirma Brack. Graças a produção de mudas em viveiros, o pinheiro Wollemi não corre o risco de desaparecer. Mas muitos mistérios sobre a genética e a biologia das espécies permanecem, como por que quase foi extinto e como esse pequeno grupo sobreviveu por milênios.
Essas respostas só podem vir da população silvestre e das interações das árvores com o solo, o clima e o ecossistema circundante.
“Poucas coisas vivem isoladas, (na verdade) elas vivem em comunidade”, afirma Brack.
A floresta perdida do Brasil
Sabe-se mais sobre as espécies de araucária que Muir tanto admirava, a Araucária angustifolia do Brasil. Elas são as espécies dominantes em um tipo de floresta que já se estendeu por 200.000 quilômetros quadrados nos três estados do sul do Brasil – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – além de fazer parte da província argentina de Misiones.
Como parte do bioma da Mata Atlântica, outro hotspot da biodiversidade global, a araucária abrigava uma variedade de palmeiras endêmicas, arbustos e árvores frutíferas, incluindo Ilex paraguariensis, cujas folhas são usadas no sul da América do Sul para produzir a popular bebida quente conhecida como mate (espanhol) ou chimarrão (português).
As árvores eram uma fonte crucial de alimento para pássaros, mamíferos e os primeiros habitantes nativos da região, que os arqueólogos chamam de proto-Jê do Sul. No outono, eles coletavam das árvores cones gigantes cheios de sementes nutritivas e ricas em amido, chamadas pinhão. A araucária ainda faz parte da cultura ritual dos sobreviventes do sul do Jês, dos povos indígenas Kaingang e Xokleng-Laklãnõ.
Evidências arqueológicas recentes indicam que há quase 1.000 anos, os Jês do Sul ajudaram as florestas de araucária a se expandirem de sua distribuição natural limitada para cobrir quase todo o platô, mas não se sabe ainda como ou por quê.
Após a colonização do Brasil, os seres humanos começaram a causar o efeito oposto na floresta, derrubando-a para obter madeira e abrir caminho para a agricultura.
Na época da visita de Muir, no início do século XX, as serrarias já estavam em operação. Na década de 1940, a madeira de araucária brasileira foi um dos principais insumos usados ​​para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial, e cerca de 100 milhões de árvores foram derrubadas entre 1930 e 1990. Atualmente, apenas entre 3 e 5% da extensão original da floresta permanece.
A exploração de araucárias hoje em dia é ilegal, mas uma pesquisa realizada em 2019 descobriu que as mudanças climáticas provavelmente levarão as espécies ainda mais perto da extinção.
Oliver Wilson, da Universidade de Reading, e seus colegas usaram simulações para combinar informações climáticas com mapas de vegetação e topografia de alta resolução. Eles previram que até 2070, apenas 3,5% das florestas restantes serão adequadas para araucária e identificaram micro refúgios – áreas frias e úmidas onde as árvores poderiam sobreviver – mas descobriram que mais de um terço dessas áreas já havia sido desmatado.

As araucárias já haviam sobrevivido a grandes mudanças climáticas (afinal, elas têm estado presentes há quase 100 milhões de anos). Entretanto, embora no passado as florestas pudessem mudar para cima e para baixo no continente sul-americano à medida em que o clima flutuava, agora estão essencialmente presas, revela Wilson.
“Elas existem no extremo sul das terras altas do sul do Brasil. Elas não podem subir muito mais. Estão presas a oeste pelo desmatamento, ao sul por elevações baixas e ao norte pela mudança de clima. É como se o clima e as ações humanas juntas estivessem se aproximando. Elas não têm mais para onde ir.”
Ainda assim, algumas intervenções direcionadas podem garantir sua sobrevivência na natureza, revela Wilson. Isso poderia incluir maior proteção nos pontos climáticos mais adequados, reflorestamento e adaptação das regulamentações para incentivar os proprietários de terras a conservar e restaurar a araucária em regiões de pastagem.
Também podemos descobrir mais sobre como o Jê do Sul manejava a floresta, declara Wilson.
“Se, há 1000 anos, eles aumentaram essas florestas diante de um clima que não os ajudava, talvez possamos aprender lições para ajudar a floresta a persistir”.

*Esta história faz parte da série Landscape News Forgotten Forests
**Tradução de Márcio Lázaro. 

sábado, 11 de julho de 2020

AGRICULTURA FAMILIAR




Com delivery, pequenos agricultores orgânicos driblam crise e veem até aumento de vendas na pandemia

  • 11 julho 2020
Agricultores em hortaDireito de imagemDIVULGAÇÃO/AGROFLORESER
Image captionNa contram'ao da crise, agricultor disse ter visto vendas aumentarem na pandemia
Toda quarta, o dia de trabalho do agricultor Hélio Tavares começa mais cedo do que habitual na roça, onde mora e trabalha, em Paty dos Alferes, região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Às 3h, Hélio já está na estrada com seu Fiorino carregado com cerca de 20 cestas de produtos orgânicos para entregar na capital — onde chega às 6h e trabalha até às 15h. As cestas, na verdade, são bolsas retornáveis de nylon que reúnem de 3kg a 5kg de diferentes alimentos plantados no sítio do Hélio e de outros agricultores da região.
Contrariando a crise econômica que abala o mundo em pandemia, Hélio viu suas vendas aumentarem nos primeiros meses de quarentena. "A maior parte dos alimentos que distribuo é daqui de casa. O que eu não tenho, levo dos amigos e viabilizo também para os que não têm condição de transporte. A gente se organizou nesse sentido", relata o agricultor de 36 anos. Hélio viu no delivery a alternativa para escoar a sua produção, ajudar outros agricultores locais e suprir uma carência em outra cidade, devido ao fechamento de circuitos de feiras de orgânicos.
Lucas Moya, membro de um grupo de distribuidores de produtos orgânicos em Brasília, viu a venda de seus produtos diminuir na feira e aumentar com o delivery. "Nossas vendas cresceram bastante. A pandemia nos fez ampliar nossa área de entrega e, consequentemente, aumentar os dias de entrega. No início foi uma loucura, mas estamos dando conta. Estamos mais organizados e conseguindo atender a demanda que continua alta. A pandemia afetou positivamente o nosso negócio", afirma Lucas.
Essa organização dos agricultores familiares que já trabalhavam com feiras é fundamental para se adaptar a essa nova logística do setor durante a pandemia do novo coronavírus, garante Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico. Segundo Rogério, as entregas em domicílio são uma solução melhor para aqueles produtores que já tinham um processo organizativo, como os que trabalhavam em feiras, e para quem oferecia diferentes produtos de pronta entrega.
Agricultores em hortaDireito de imagemDIVULGAÇÃO/AGROFLORESER
Image captionEm diversas centros urbanos do país, as feiras livres tiveram regras de funcionamento mais restritas ou foram canceladas

O fim das feiras

A princípio, o grande problema para os agricultores rurais foi o fechamento das suas principais vitrines, as feiras livres, por conta das medidas para conter a transmissão do vírus. Para muitos, essa era a principal forma de relacionamento com o público. Outro complicador foi a suspensão das atividades escolares. Muitos produtores que abasteciam a alimentação da merenda foram prejudicados. A saída, para quem pôde, foi oferecer a entrega a domicílio.
A produtora Inês Scarpa Carneiro, 69 anos, de Cosmópolis, em São Paulo, viu suas vendas caírem em 80%. A principal forma de escoar sua pequena produção sempre foi através de feiras, que, de um dia para o outro, foram fechadas. A forma que encontrou para superar, foi passar para o filho a responsabilidade de implementar uma nova forma de vendas, por entregas.
"Quem assumiu (as vendas) foi meu filho e ele está fazendo entregas de cestas. Está nos ajudando muito. Meus amigos que são grandes produtores foram muito prejudicados, com muitas sobras, e estão doando - o que não é nosso caso", explica Inês.
Esse cenário de dificuldades na produção pela diminuição da demanda fez com que a agricultora Sabrina Magaly Navas, de Brasília, interrompesse totalmente a produção de sua pequena empresa no meio da pandemia.
"De maneira geral, o movimento diminuiu. A perda de espaços de comercialização como lojas, feiras e também a diminuição de acesso a supermercados afetou a venda de produtos orgânicos e/ou agroecológicos. Algo que ocorre também com restaurantes e bares, que as vezes compram insumos de agricultores e cooperativas", conta Sabrina, que aguarda o setor melhorar para voltar a produzir.
Em diversas centros urbanos do país, as feiras livres tiveram regras de funcionamento mais restritas ou foram canceladas. Em relatório da Mintel, agência internacional que fornece pesquisas e análises de mercado, dados do último abril mostram que 79% da população brasileira reduziu as idas aos supermercados. Junto a isso, parte da população teve queda do poder aquisitivo com o impacto econômico da pandemia. Dados da pesquisa do Organis do ano passado mostram que o preço considerado elevado é o principal motivo pelos quais as pessoas não consomem produtos orgânicos (43%).
As adaptações nas feiras se tornaram uma realidade em diversos municípios pelo Brasil. A livre circulação, com clientes colocando a mão nos produtos, não poderia acontecer neste momento. Em cidades com São Paulo e Rio de Janeiro, algumas feiras se tornaram algo similar a um drive-thru, em que as pessoas realizavam com antecedência a encomenda, os produtores deixavam separado e as pessoas passavam para buscar. Essa foi uma alternativa para quem não quis receber os produtos em casa.
SupermercadoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionDados de pesquisa feita em abril mostram que 79% da população brasileira reduziu as idas aos supermercados

O aumento da demanda

No município de Miguel Pereira, vizinho a Paty dos Alferes na serra do RJ, a pandemia do covid-19 pouco impactou nos negócios agrícolas da região. Inalva Mendes Brito, professora aposentada, de 74 anos, não cultiva com as próprias mãos, mas é uma incentivadora da produção orgânica. Promoveu a divisão de sua terra para a formação de uma agricultura familiar formada por quatro pessoas. Há uma rotatividade constante, sempre renovando esse ciclo. Mas, todos os dias há alguém produzindo.
"Quanto à pandemia, parece que não chegou aqui no campo. Pelo menos, aqui na área que nós habitamos que é na montanha, e não é uma área muito isolada, é uma área até meio cidade, meio rural. A gente escuta sobre os impactos da pandemia, mas por aqui a produção só aumentou", diz dona Inalva, que também fornece produtos orgânicos para as cestas que o Hélio entrega no Rio de Janeiro.
Apesar da pandemia, a agricultora Ana Rita, de São Sebastião da Bela Vista, Minas Gerais, também continua em atividade. Ela realiza duas feiras por semana, às quartas e sábados, seguindo as recomendações sanitárias. E faz entregas à domicílio em Varginha, às quintas-feiras.
"As vendas não diminuíram. Na verdade, houve aumento na procura por nossos produtos. Estamos produzindo mais. Na feira todos tomam muito cuidado. Distanciamento, máscaras. Preferimos pagamento por cartão, para evitar dinheiro vivo, e muito álcool 70% à disposição de todos", conta Ana.
O também mineiro José Antonio de Souza, mais conhecido como Neguinho, da cidade de São Sebastião da Bela Vista, reforça a ideia. A produção de Neguinho segue normal, e, pelo que ouviu de colegas agricultores, a procura aumentou entre eles também. Para ele, a pandemia de nada atrapalhou, muito pelo contrário. "As pessoas estarem em casa foi uma condição para que buscassem produtos mais saudáveis", confirma Neguinho.

Consumidor consciente: a engrenagem

Um dos clientes cariocas de Hélio, o consultor de gestão empresarial Humberto Renato Silva Brantes, morador da Freguesia, começou a consumir regularmente orgânicos a partir de setembro de 2019. Ele encara como uma oportunidade de ter uma alimentação mais fresca e saudável.
"Durante a pandemia continuamos consumindo. Inclusive aumentamos o consumo. Passamos a dar preferência aos produtos orgânicos por ter mais tempo para cuidar da alimentação diária em casa", conta Humberto.
A professora de ioga Cristina de Mello Souza, moradora de Copacabana, também é cliente do Hélio. Ela passou a consumir e comprar produtos orgânicos há mais de seis anos.
"Antes da pandemia, eu ia a algumas feiras no meu bairro, mas depois migrei para as entregas do Hélio. Acho que quando compro de pequenos produtores, estou ajudando a transformar a realidade desses profissionais que lutam para manter seus produtos no mercado e com a concorrência de grandes produtores", explica Cristina. Quando terminar a pandemia, ela pretende continuar adepta do sistema de entregas em domicílio.

Ascensão

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), realizado antes da pandemia e publicado em fevereiro deste ano, confirma que o setor de orgânicos no país está em uma crescente. De 2010 a 2018, o setor evoluiu aproximadamente 17% quanto ao número de produtores especializados no alimento orgânico.
Segundo dados da Organis (associação sem fins lucrativos baseada em Curitiba, que trabalha para divulgar os conceitos e as práticas orgânicas), o setor de produtos orgânicos faturou R$ 4,6 bilhões no Brasil em 2019, ou 15% acima do ano anterior.
O pesquisador Lucio Lambert, mestre em Agricultura Orgânica pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), entende que é difícil traçar um panorama no Brasil, porque existem diversos fatores e características que podem alterar as realidades regionais quanto aos orgânicos. Mas, de modo geral, ele analisa que a demanda dos orgânicos vem crescendo nos últimos anos e, com a pandemia, cresceu ainda mais. Segundo Lambert, isso ocorre por que as pessoas passaram a dar mais valor à saúde e estão mais tempo em casa, se arriscando na cozinha.
Sara Fazito conecta pequenos agricultores do Sul do país com consumidores do Rio de Janeiro, onde mora. Ela também faz parte de um coletivo ligado às questões alimentícias, a Junta Local. Sara trabalha com os processados (arroz, feijão, farinhas, sementes, grãos, sucos) e viu seu negócio crescer antes de o vírus chegar. E, apesar das mudanças impostas pela pandemia, ela continua otimista com o setor.
Agricultor com produçãoDireito de imagemDIVULGAÇÃO/AGROFLORESER
Image captionUm estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), realizado antes da pandemia, publicado em fevereiro deste ano, confirma que o setor de orgânicos no país está em uma crescente
"Entre as principais mudanças, depois do início da quarentena, observo que a minha demanda basicamente triplicou, mesmo sem as feiras — que eram meu melhor canal de venda. Percebo que este movimento decorre de alguns fatores: com a pandemia as pessoas passaram a dar mais importância para a saúde, optando por alimentos limpos, livres de agrotóxicos e pesticidas (...). Além disso, com o confinamento, tem-se passado mais tempo fazendo a própria comida, o que leva à procura de ingredientes de maior qualidade e boa procedência", observa Sara.

Políticas públicas

Quanto às políticas públicas, dona Inalva, produtora de Paty dos Alferes, enxerga que há uma grande ausência delas no Brasil. "Segurança alimentar sequer (existe), nunca se trabalhou nisso nos espaços públicos, por exemplo, na escola", avalia.
Bela Gil, chef de cozinha e defensora da alimentação saudável e consciente, acredita que o fator que faz a divergência ser muito grande entre os produtores que aumentaram suas rendas para os que precisaram interromper ou descartar suas produções é a ausencia do Estado.
"A gente precisa de políticas públicas para garantir a renda desses agricultores e comida na mesa de quem precisa. Desde 2003, os programas como PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) vem perdendo muito dinheiro e valor. Em um momento como este, durante uma pandemia, a gente vê como faz falta um programa que ajude o agricultor", opina Bela.
Para Rogério Dias, do Instituto Brasil Orgânico, aconteceram avanços nas políticas públicas, como quando se estabeleceu 30% da agricultura familiar, preferencialmente orgânica, no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Mas defende mais apoio ao setor, especialmente neste momento em que os agricultores estão sofrendo com os impactos da pandemia e sem poder fornecer a escolas e a parte dos restaurantes.
Em Brasília, ainda está em tramitação, quase quatro meses depois da primeira morte por covid-19 no país, um projeto de lei na Câmara dos Deputados que busca criar medidas emergenciais em apoio à agricultura familiar enquanto perdurar a pandemia. Esse pacote de medidas urgentes incluiria, além do fomento às atividades de agricultura familiar, condições especiais na oferta de crédito, a criação do Programa de Aquisição de Alimentos Emergencial (PAA-E) e soluções para o endividamento desses agricultores familiares.
''É muito importante lembrar que 70% ou mais da comida que chega na nossa mesa vem da agricultura familiar. (...) Falta enxergar na agricultura familiar a fonte de produção de alimentos para a população", opina Bela Gil.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


Coronavírus: ‘Estamos diante de ameaça de extinção e as pessoas nem mesmo sabem disso’, afirma sociólogo Jeremy Rifkin