sábado, 9 de janeiro de 2010

"O professor é ateu" - Edson Petry

“O PROFESSOR DE RELIGIÃO É ATEU!”


Enquanto professor, faz parte do meu ser fazer o máximo para ajudar o aluno no sentido de torná-lo uma pessoa crítica e consciente, para que possa tomar suas próprias decisões com sabedoria, sem ser enganado ou coagido por ninguém.
Quando entrei naquela sala pela primeira vez, encontrei ali o que se encontra em quase todas as turmas do ensino fundamental hoje na maioria das escolas: pessoas se chingando, se provocando, se batendo, gritando, falando palavrão o tempo todo, jogando bola de papel, borracha, pedaço de caneta uns nos outros. Uma espécie de selvageria onde ninguém respeita ninguém.
Toda hora tentando enganar o professor para sair da sala. Ou é para tomar água, ou é para ir ao banheiro, ou é para lavar a tinta de caneta com a qual fulana a sujou, ou está passando mal, ou precisa tomar remédio, ou é a caneta ou o caderno que o “colega” atirou pela janela...
Quando se permite que alguém vá ao banheiro por exemplo, vem logo o efeito cascata, um após o outro, todos querem ir! E “você” ali tentando dar uma aula!
A principio, tinha por objetivo falar sobre mitologia grega, histórias fascinantes que falam diretamente às nossas emoções, repletas de sabedoria, que calam fundo dentro de nós e trazem em si ainda vivo e presente a força do mais puro sentimento religioso que nos deixa maravilhados diante do fantástico e do inexplicável. Do maravilhoso e do terrível, como se diz.
Entendo que esse tema é decisivo para a verdadeira formação cultural de qualquer cidadão um pouco mais esclarecido. Toda nossa cultura é de origem grega e não há nada de mais clássico do que Hesíodo e Homero.
“A narrativa sagrada é a história sagrada, que os gregos chamam de mito. Este não é uma fabulação ilusória, uma fantasia sem consciência, mas a maneira pela qual uma sociedade narra para si mesma seu começo e o de toda a realidade, inclusive o começo ou nascimento dos próprios deuses.” (Marilena Chauí)
A narrativa sagrada ou mitologia não se dirige ao intelecto dos crentes, mas vai diretamente ao coração. Desperta emoções e sentimentos: admiração, espanto, medo, esperança, amor, ódio.
Por muito tempo o mito foi usado na Grécia como forma de unidade cultural e continua ainda hoje a ser usado por inúmeras tribos indígenas como um guia a partir do qual podem compreender o mundo a sua volta e assim nele se locomover com certa segurança e felicidade.
Costumamos dizer que a Grécia é o berço de nossa cultura, eu diria que o mito é a mãe e o pai da cultura grega. Por um longo tempo este patrimônio cultural foi passado oralmente de geração para geração, de pai para filho, e eram recitados ao grande público pelo menos duas vezes por ano nas grandes festas dionisíacas. Foi desta forma que os mitos se constituíram e foram aperfeiçoados. Os Gregos se reconheciam como tais porque compartilhavam os mesmos mitos. Como não havia a escrita, era o mito propriamente que constituiu-se como arcabouço cultural da civilização.
Durante mais ou menos seis ou sete séculos, foi assim que os gregos perpetuaram e aperfeiçoaram sua cultura e conhecimento. Tudo de importante e significativo era incorporado aos mitos. Nos mitos os gregos escreveram sua história, sua ciência, sua religião, seu modo de vida, seu conhecimento, seus ritos e costumes.
Na mitologia grega encontramos o embrião de quase tudo o que podemos admirar na cultura ocidental. Os escritos gregos mais antigos que temos são justamente as epopéias de Homero e Hesíodo. Foi com eles que pela primeira vez os mitos ganharam uma roupagem definitiva, pela primeira vez foram traduzidos para uma linguagem escrita. Isto também significa dizer que o mito aí deixa de existir como tal, engessado num texto ele perde sua essência, deixa de ser orgânico, mutante, vivo. A cultura oral é substituída pela cultura escrita.
Em si o mito Grego guarda um tipo de racionalidade rigorosa que vai caracterizar toda a razão ocidental. Neste sentido, podemos dizer inclusive que a própria física quântica estava aí em estado embrionário, já que carrega o mesmo tipo de racionalidade desenvolvida nos mitos pelos gregos. Do mito vem a filosofia e a razão científica.
Portanto, ao contrário daquilo que muitos de nós nem imagina, a mitologia grega faz parte de todos nós sim, trata-se de nossa herança atávica, daquilo que nos constitui nas mais sutis vibrações de nosso inconsciente. Ou seja, além da mitologia cristã, que domina nossa forma de vida, também somos constituídos pela grega, além da norte americana, é claro!

A POLÊMICA
Em sala de aula é preciso, em primeiro lugar, atrair a atenção dos alunos. Senão, como ter uma aula?
Só consegui a atenção das “criaturas” quando disse que não acreditava no Criador. Foi o único momento em que parece terem me ouvido. Foi preciso que eu levantasse uma polêmica que mexesse com todos eles para que me ouvissem. E qual foi a reação? Se indignaram com o professor, desrespeitaram o professor, se queixaram do professor aos pais.
Antes disso o que presenciei na sala de aula era pessoas se chingando, se empurrando, dizendo palavrões, se batendo, gritando... Um comportamento um tanto estranho para quem vem na escola para estudar, para aprender, para se tornar uma pessoa melhor.
Disse a eles: “Vocês vem à escola mas mostram pouca ou nenhuma educação, nenhum respeito para com os colegas e nem para com o professor. Os pais de vocês sabem como vocês se comportam na escola ou isso vocês não contam para eles? E a oração da paz que passei para vocês, mostraram aos pais ou só falaram mal do professor?”
Depois propus que fizessem a sério uma reflexão: “vocês dizem acreditar em Deus, mas o comportamento de vocês parece mostrar o contrário. Como fica aquele mandamento que diz: amar ao próximo como a si mesmo? Vocês acham que honram a Deus quando se chingam, se batem ou provocam um ao outro?
Então eu me pergunto, será mesmo que vocês acreditam em Deus? Se empurrar, gritar, atrapalhar a aula, se queixar de tudo o tempo todo (do calor, do colega, do conteúdo que precisa copiar do quadro), chingar os colegas, dizer palavrões, desrespeitar o professor e as normas da escola; são estas as atitudes de quem acredita em Deus? Se vocês são tão crentes como dizem, porque não honram a Deus respeitando seus ensinamentos?
E as mentiras? Quantas vezes vocês mentem por dia? As mentiras para ir ao banheiro, para tomar água, para enganar o professor e os colegas, para colar nas provas, para humilhar o colega, para obter qualquer tipo de vantagem, para atrapalhar a aula. Atitudes permeadas de egoismo! Como fica a idéia de Alteridade, um dos principais legados da mitologia cristã?
Quando provoquei vocês dizendo que não acreditava em Deus, esta foi a única aula em que consegui a vossa atenção. Ficaram todos alvoroçados e indignados, começaram a gritar e atacar o professor. Mas, se vocês realmente acreditam em Deus, não acham que o estão magoando com seu comportamento dissimulado, violento, desrespeitoso e mentiroso?”
Espero sinceramente que essa polêmica tenha trazido algo de bom. Que cada um de nos possa a partir daí fazer uma reflexão a respeito de nossa própria existência e o que estamos fazendo de nossas vidas. É hora de pararmos e pensarmos um pouco no que estamos fazendo. Se estamos aproveitando nossa existência como deveríamos. Se estamos de consciência tranqüila e satisfeitos com nosso desempenho e comportamento ou se podemos nos tornar pessoas melhores.
Antes de criticar as pessoas, de caluniá-las, de tentar prejudicá-las de alguma forma ou de tentar obter algum tipo de vantagem sobre elas, deveríamos pensar um pouco em Deus e refletirmos no que estamos fazendo; ou só pensamos em Deus quando alguém nos diz que ele não existe?
Preconceito, superstição e injustiça estão por toda parte.
Se acreditamos mesmo em Deus, porque não demonstramos isso para nós mesmos, para nossos pais, colegas, amigos, filhos e “professores”? Antes de julgar ou condenar alguém, não acham que deveríamos olhar para o próprio umbigo a fim de observar se também não estamos errando? Afinal, como poderíamos nos tornar melhores se não formos capazes de tomar consciência de nossos próprios erros e de tentar superá-los?
Me comporto segundo Deus gostaria que me comportasse ou na verdade não estou nem aí para os desígnios de Deus?
Alguma vez você já se perguntou: “quem sou eu para julgar as pessoas?”?



EDSON LUIZ PETRY, 26.11.2009

3 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com você quando você diz que é uma selvageria dentro das salas de aula ... ( fora também né, até pior ou não né, aqui você é "obrigado a aceitar" algumas situações e a outrora, tem a opção) Sabe-se lá o futuro da nação, essa falta de interesse com o mundo, não digo o mundo em si mas talvez, nos detalhes, que quase ninguém vê... E que deveria ser mais visto (?) Não sei o nome, não sou nenhuma pessoa intelectual, porém.Não digo que não tenho culpa. Esse interesse MAIOR pelo próximo,em todos os sentidos... é ... São falsos moralistas e nem sabem... as pessoas se sentem tão agredidas quando se critica Deus, mas é bem irônico, hipócrita, talvez. Falta de vontade de conhecer o exótico, de expandir a mente, mais a aceitação do próximo,já que se fala tanto nisso, já que se fala tanto em Deus, na verdade é o que você falou aqui, é indignante mesmo a falta de respeito... a não consciência da grande maioria...enfim.. eu gosto das suas aulas, mesmo com tanto barulho eu te ouço, pode acreditar, não sou você e nem quero ser, mas quero fazer parte.. ou entender junto com você algumas coisas já que é meu ultimo ano... mesmo que sei lá, eu faço das suas palavras o meu caderno e do meu caderno eu faço a minha consciência, meu raciocínio, ainda meio esclerosado, mas a caminho.
ps: você é lindo.

Anônimo disse...

nossa, não estava achando "postar comentário" rs

Então... continuando o que eu falei antes... sei lá, não sou ninguém também.

Anônimo disse...

Isso prova que Deus está morto, e pessoas como você, Professor Edson, estão realmente vivas.