sábado, 29 de agosto de 2015

GENOCÍDIO SEM FIM***




"Em quinhentos anos de luta não nos deixamos abater, então não é agora que vamos deixar."

Babau Tupinambá é cacique da aldeia de Serra do Padeiro, 
localizada na Terra Indígena (TI) 
Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia.

Assassinatos de indígenas disparam no Brasil, comprova relatório do Cimi


Agência Senado
Publicado: 
INDIO
Foto: VALTER PONTES/COPERPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

relatório 'Violência contra os Povos Indígenas do Brasil', referente a 2014, aponta um aumento dos casos de violência e violações contra integrantes das comunidades indígenas. No período, 138 índios foram assassinados, contra 97 casos no ano anterior. Um dos dados mais alarmantes é o número de suicídios, que chegou a 135, ante 73 ocorrências em 2013.
Produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o relatório foi debatido em audiência pública nesta quarta-feira (5), na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A antropóloga Lúcia Helena Rangel salientou que o relatório ainda é uma expressão parcial da realidade, pois o Cimi não consegue captar todas as ocorrências em todo o País.
"Mesmo assim, os registros são assustadores", comentou a antropóloga, coordenadora da pesquisa.
O debate foi proposto pelo senador Telmário Mota (PDT-RR), que se revezou na direção dos trabalhos da audiência com o presidente da comissão, Paulo Paim (PT-RS). Na avaliação dos convidados, os fatores de estímulo à violência são antigos e decorrem fundamentalmente da negação do direito à terra, da disputa em torno de áreas indígenas e conflitos possessórios.
"O que vemos é o não reconhecimento, por parte do Estado, às comunidades indígenas, que permanecem tendo seus direitos negados", observou Lúcia Rangel.
Mesmo no caso dos suicídios, o entendimento é de que em grande medida as ocorrências estão relacionadas à falta de perspectivas para indivíduos que precisam da terra para viver e trabalhar, em harmonia com suas culturas. Os 135 casos de 2014 configuram o maior número em 29 anos, com predomínio de ocorrências no Mato Grosso do Sul (48), notadamente entre índios Guarani-kaiowá.
A mortalidade na infância foi ainda apontada como indicador de situação de violação de direitos: o relatório registra 785 mortes de crianças indígenas, na faixa de 0 a 5 anos, contra 693 no ano anterior. A situação mais grave se situa entre os índios Xavantes, no Mato Grosso, com a taxa de mortalidade chegando a impressionantes 141,64 mortes por mil crianças. Já média nacional registrada pelo IBGE, em 2013, foi de 17 por mil.
Segundo o relatório, em 2014 mais do que dobraram os registros de invasões possessórias, exploração ilegal de terras indígenas e outros danos ao patrimônio. Enquanto em 2013 foram 36 ocorrências, em 2014 aconteceram 84 casos.
Funai
O ex-senador João Pedro Gonçalves da Costa (PT), que assumiu em junho passado o comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), destacou a importância da audiência diante da “dívida histórica” que o País tem com os povos indígenas. Reconheceu que é essencial avançar na questão das terras indígenas. "Não pode haver índio sem terra; os povos indígenas não podem viver sem história do lugar ponde pisaram seus ancestrais", defendeu.
João Pedro anunciou a intenção de percorrer de imediato as aldeias de todo o País, começando pelo Mato Grosso, lugar de conflitos possessórios mais graves. Também salientou o papel do Congresso e do Judiciário, além de Estados e prefeituras, na solução dos problemas. Depois, apelou aos senadores por apoio para reforçar o orçamento da Funai, por meio de emendas parlamentares.
Entre os senadores, as manifestações foram de solidariedade às demandas dos povos indígenas. Para a senadora Simone Tebet (PMDB-MT), existe a perspectiva de solução para os conflitos sobre terras. Mostrou otimismo com a aprovação de proposta de emenda constitucional (PEC 71/2011) que prevê pagamento de indenizações a produtores que estejam em posse “mansa e pacífica” das terras, o que agilizará a devolução das áreas aos índios.
"Estratégia de ataque"
O secretário-executivo do Cimi, Kleber Cesar Buzato, denunciou o que definiu como a “estratégia anti-indígena” no País. Um dos objetivos seria impedir o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionais que continuam invadidas, na posse de não-índios. Outro seria reabrir e rever procedimentos de demarcação já finalizados. Por fim, disse que há ainda o interesse em invadir, explorar e mercantilizar as terras já demarcadas e sob a posse de índios.
"Se não tomarmos iniciativas muito firmes, coordenadas e articuladas, a tendência é de se aprofundar ainda mais esse quadro de violências contra os povos indígenas", alertou.
Em seguida, Buzato listou iniciativas e decisões adotadas, em separado, pelo Executivo, Legislativo e o Judiciário que, a seu ver, traduzem interesses de ruralistas, mineradoras e empreiteiras, entre outros segmentos do mercado. Uma delas seria o Decreto 7.957/2013), que regulamenta a atuação das Forças Armadas no “combate a povos e comunidades locais” que resistirem a empreendimentos em seus territórios. Outra veio por meio da Portaria Interministerial 60/2015, que define procedimentos a serem seguidos pela Funai para licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam essas terras.
No âmbito do Legislativo, um dos projetos é o PL 161/1996, da Câmara dos Deputados, que regulamenta a mineração em terras indígenas, com abertura à exploração pelo setor privado, que hoje é vedada. Foi citada ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000), que transfere ao Congresso o poder de demarcar e rever a processos de terras indígenas já demarcadas.
"Na prática, significa atribuir à bancada ruralista o poder de decidir ou não sobre a demarcação das terras. Se aprovada, a tendência é não passa mais nada", comentou.
Quanto ao Judiciário, Buzato mencionou julgamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que atribuiu interpretação mais restritiva a dispositivo constitucional que define o conceito de “terra tradicionalmente ocupada pelos povos”. Com base nessa decisão, segundo ele, foi possível anular atos administrativos de demarcação de terras de povos Guarani-Kaiowá e Terena, no Mato Grosso do Sul, e do povo Canela-Apãniekra, no Maranhão.
Desamparo
Alberto Terena, representante do Povo Terena e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que os povos indígenas e seus líderes vivem uma situação de desespero diante do permanente desrespeito a seus direitos. Segundo ele, a luta não começou com a atual geração nem as anteriores, mas desde que os colonizadores europeus ocuparam o País. Lembrou que os Terena, hoje com mais de seis mil indivíduos, dispõem de reserva com pouco mais de 2 mil hectares e esperam longamente pela devolução de terras esbulhadas.
"Achavam que éramos poucos e que seríamos exterminados ou integrados à sociedade. Mas isso não aconteceu, e a nova geração se multiplica; por isso, precisamos das nossas terras", comentou.
Outro líder, Kâhu Pataxó, da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, relatou a ocorrência de regulares conflitos na região e o assassinato de índios que lutam pela recuperação de suas terras. Também denunciou o uso excessivo de força, seja por efetivos da Polícia Federal ou da Polícia Militar do estado, na tentativa de retiradas dos índios das terras. A seu ver, esses conflitos vão de fato se agravar se vier a ser aprovada a PEC 215.
"O que vamos ver é o extermínio final dos índios", comentou, antecipando que as comunidades estão dispostas a dar a vida para garantir suas terras.
Antonio Carlos Moura, que falou pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, também vinculada à CNBB, também apontou ações de “conluio” entre o Estado brasileiro e segmento econômicos na continuidade do esbulho de terras e direitos dos índios. Destacou a recente encíclica do papa Francisco como fonte de inspiração para luta pelo reconhecimento desses direitos.
Participou ainda da audiência a antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, que comoveu colegas e plateia com o relato da história dos Avá-Canoeiro do Araguaia, também mencionada no relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014. Caçadores, eles chegaram à região fugindo das frentes de colonização. Por seguidas gerações, foram atingidos por incêndios de aldeias, ações de caçadores de índios e ataques de tribos inimigas, com sucessivos massacres.
Já reduzidos a menos de dez indivíduos, foram então pegos, com a ajuda de agentes do aparelho de repressão. Passaram a viver em área de uma fazenda do Bradesco, submetidos a violências e privações. Só não desapareceram completamente porque se reproduziram, por meio de uniões com indivíduos de outras etnias (Javaé, Tuxá e Karajá). Hoje somam pouco mais de 20 pessoas.

Fonte: http://www.brasilpost.com.br/2015/08/07/assassinatos-indios-brasil_n_7949230.html


Como a Ditadura Militar matou 8 mil índios na Amazônia


Índios na década de 70 / Edílson Martins
Índios na década de 70 / Edílson Martins
No dia 1º de abril de 1964, o presidente João Goulart foi deposto e o Brasil entrou em um período de 21 anos sem democracia. Estava instalado o regime militar no país, onde cinco generais do Exército se revezaram no poder, sempre eleitos sem o voto do povo. No ano passado, o golpe completou 50 anos e há um extenso material disponível na internet sobre o assunto. Nesta semana, em que o início de um dos períodos mais negros da nossa história completa aniversário, o História do Dia conta um pouco sobre como o Regime Militar matou mais de 8 mil índios nas florestas da região norte do país. Toda violência foi motivada por dinheiro, corrupção e também por simples maldade.
Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), 8.350 índios foram mortos durante os anos da Ditadura Militar. Mas os pesquisadores estão convictos de que esse número é imensamente maior, já que foi possível estudar apenas uma pequena parte dos casos. Toda essa matança foi encoberta pelo governo, que aliás, era quem promovia verdadeiras chacinas em nome do progresso.
O órgão responsável por cuidar dos indígenas era a Fundação Nacional do Índio (Funai), que por sua vez, era subordinado ao Ministério do Interior. Essa pasta era a que formulava políticas de desenvolvimento, como por exemplo, a abertura de estradas. Em 1970, o então presidente Emílio Garrastazu Médici lançou o Plano de Integração Nacional (PIN).
O governo militar, com a justificativa de que queria povoar a região norte e ligá-la as outras áreas do Brasil, lançou diversos programas de desenvolvimento. Isso incluía a construção de estradas que cortariam a Floresta, como por exemplo, a Transamazônica, que até hoje não tem asfalto. O governo também estimulou a pecuária nas terras da Amazônia e forneceu recursos para grandes latifundiários civis e militares. Mas para abrir espaço para passarem os carros, caminhões e bois, os governantes precisavam remover os índios. E aí que os problemas dessa população começaram.
O próprio Ministério do Interior mapeou que no caminho da Transamazônica estavam grupos indígenas de 29 etnias diferentes, sendo que 11 deles jamais tinham tido contado com o homem branco. O levantamento produzido pelo ministério recomendou que 30 desses grupos fossem “pacificados”. Mas na verdade eles foram dizimados.
Índios assustados ao verem um helicóptero sobrevoando a aldeia / Edílson Martins
Índios assustados ao verem um helicóptero sobrevoando a aldeia / Edílson Martins
Em 1967, o procurador da república Jader de Figueiredo Correia fez uma expedição pela Amazônia para investigar as violações aos direitos dos índios. De acordo com o Ministério Público Federal, foram percorridos mais de 16 mil quilômetros e foram visitadas mais de 130 povoados indígenas. Foi constatado que os militares assassinaram índios com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina (veneno). Esse relatório, que ficou conhecido como Figueiredo, ficou perdido por 45 anos e foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, em 2013. Ele foi entregue para os pesquisadores do CNV.
No estudo do CNV, ainda foram apontados outros fatores de descompromisso com a preservação dos índios. Durante as remoções, os índios que sobreviviam eram postos próximos de aldeias inimigas, por exemplo. Ou a falta de cuidado com a aproximação com povos que não tinham contato com brancos, que se infectaram com diversas doenças. Além dos inúmeros casos de estupros aos quais as mulheres indígenas foram submetidas por operários das obras do PIN.
Todos os relatórios consultados para esse texto estão disponíveis na internet. Para acessar o da Comissão Nacional da Verdade, clique aqui. O relatório Figueiredo pode ser lido em três partes diferentes: Parte 1Parte 2 e Parte 3.
Fonte: http://blogs.odia.ig.com.br/historia-do-dia/2015/03/31/como-a-ditadura-militar-matou-8-mil-indios-na-amazonia/

O extermínio documentado

Documento que registra extermínio de índios é resgatado após décadas desaparecido

Relatório de mais de 7 mil páginas que relatam massacres e torturas de índios no interior do país, dado como queimado num incêndio, é encontrado intacto 45 anos depois



 postado em 19/04/2013 06:00 / atualizado em 19/04/2013 08:35
Marcelo Zelic/ Divulgação

Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas no país – principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) –, ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.

Em uma das inúmeras passagens brutais do texto, a que o Estado de Minas teve acesso e publica na data em que se comemora o Dia do Índio, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado “tronco”, é descrito da seguinte maneira: “Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente”.

Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina, o texto redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia ressuscita incontáveis fantasmas e pode se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988.

A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.

Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que havia sido constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime autoritário mais rígido.

 O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento até então guardado entre 50 caixas de papelada no Rio de Janeiro. Ele afirma que o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que possivelmente estão envolvidos nas denúncias da época antes de ser achado. “Já tem gente que está tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.

Suplícios 
O contexto desenvolvimentista da época e o ímpeto por um Brasil moderno encontravam entraves nas aldeias. O documento relata que índios eram tratados como animais e sem a menor compaixão. “É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios”, lamentava Figueiredo. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação”. Uma CPI chegou a ser instaurada em 1968, mas o país jamais julgou os algozes que ceifaram tribos inteiras e culturas milenares.

Fonte: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/04/19/interna_politica,373440/documento-que-registra-exterminio-de-indios-e-resgatado-apos-decadas-desaparecido.shtml

“NÃO VAMOS DEIXAR O AGRONEGÓCIO TOMAR O NOSSO PAÍS” – ENTREVISTA COM O CACIQUE BABAU TUPINAMBÁ


26 AGO 2015 

Tiago Miotto, especial para o Jornalismo B
Quando perceberam que teriam que ser revistados pela polícia e enfrentar uma longa fila para adentrar na sessão solene em “homenagem” aos povos indígenas que ocorreria na Câmara dos Deputados, os representantes do povo Tupinambá, vindos do sul da Bahia, decidiram bater em retirada. “Uma casa, quando vai receber para uma sessão solene, não tem de humilhar ninguém dessa forma”, criticou Babau Tupinambá. Junto com seu povo, Babau negou-se a participar da solenidade ocorrida durante o 11º Acampamento Terra Livre (ATL)*, que aconteceu no mês de abril em Brasília.
Babau é cacique da aldeia de Serra do Padeiro, localizada na Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. A Serra do Padeiro é uma das muitas comunidades indígenas que tiveram que buscar alternativas para sobreviver frente à violência cotidiana e à morosidade do Estado brasileiro.
Como outras comunidades Guarani-Kaiowá (no Mato Grosso do Sul) e Kaingang (no Rio Grande do Sul), por exemplo, o povo Tupinambá cansou-se da marginalização e da miséria e partiu, em 2004, para a retomada de partes de seu território tradicional no interior da TI Tupinambá de Olivença, cujo processo demarcatório também iniciou naquele ano. A delimitação da TI Tupinambá de Olivença – estimada em 47 mil hectares – foi concluída em 2009 e, desde então, aguarda a expedição da Portaria Declaratória do Ministério da Justiça, emperrada por decisões políticas do governo federal. Enquanto isso, a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança chegaram a ser enviadas para realizar ações de reintegração de posse contra os indígenas na área, o que resultou em diversos relatos de violações contra os indígenas.
Nesse processo, mais de vinte fazendas foram retomadas apenas na área da Serra do Padeiro, e muitas das áreas no interior do território indígena de Olivença, já reconhecido como tradicional do povo Tupinambá, encontram-se ainda sob a posse de não-índios e sob o poder de fazendeiros que não hesitam em contratar jagunços e comandar torturas, atentados e assassinatos contra os indígenas.
Foto: Tiago Miotto
Foto: Tiago Miotto
Durante o ATL, em Brasília, Babau Tupinambá, uma das lideranças ativas nesse processo de retomada, concedeu a entrevista a seguir, em que comenta alguns dos desdobramentos do acampamento que reuniu mais de 1500 indígenas de todo o Brasil durante quatro dias na Esplanada dos Ministérios.
A mobilização ocorreu num momento que é, talvez, o mais adverso enfrentado pelos povos indígenas desde a promulgação da Constituição de 1988. Por um lado, o governo Dilma – o que menos demarcou terras desde a redemocratização – mantém as demarcações paralisadas, por compromisso com a agenda do agronegócio. Por outro, a bancada ruralista avança com as tentativas de retirada de direitos dos povos indígenas, vistos como inimigos do agronegócio e limitadores da expansão das fronteiras agrícolas. Dentre os projetos prioritários dos ruralistas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que pretende passar do Executivo para o Legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas, é o risco mais iminente de retrocesso. Enquanto isso, decisões recentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) desconsideram as violações sofridas pelos indígenas durante a Ditadura e aceitam recursos de fazendeiros para processos demarcatórios já concluídos.
Na entrevista, Babau também falou sobre a situação do povo Tupinambá, a relação com o Estado brasileiro e a prisão que sofreu em 2014, quando iria levar ao Papa Francisco, no Vaticano, um relatório denunciando as violações contra os direitos humanos sofridas pelos povos indígenas do Brasil. Na ocasião, Babau foi impedido de retirar seu visto e ficou sob custódia da Polícia Federal, em função de um mandado de prisão expedido dois meses antes pela Justiça da Bahia e motivado por uma denúncia de assassinato, a qual foi caracterizada por Babau como perseguição política.
Para se ter uma ideia da situação de insegurança e constante violência a que estes povos indígenas estão submetidos, vale lembrar que, desde a data em que a entrevista foi concedida, duas lideranças indígenas foram assassinadas na Bahia (entre elas um Agente de Saúde Indígena do povo Tupinambá) e uma no Maranhão, além de um atentado com fogo que aconteceu contra uma comunidade Tupinambá, também na Bahia. A indignação e inquietação de Babau não são frutos do acaso.
Jornalismo B – Babau, em uma fala tua, tu comparaste a PEC 215 com a primeira lei colonial brasileira. Por quê?
Babau Tupinambá – Quando a coroa portuguesa chegou no Brasil, dividiu o Brasil em capitanias hereditárias e, ao entregar aos donatários essas capitanias, junto veio uma lei, uma regra para que eles provassem que eram leais à coroa portuguesa, então, tinham por obrigação matar todos os índios Tupinambá que eles encontrassem dentro das capitanias. Então, é uma sequência de leis, de regras para matar e exterminar um povo.
Porque uma foi taxativa, disse: “mate”. A outra não tá dizendo “mate”, mas o efeito é o mesmo, vai expulsar da terra, tirar da terra, então é a PEC da morte. A ordem de Portugal era matar os Tupinambá para tomar terra, não é isso? E a PEC vai fazer o quê? Se não vai ter terra demarcada, se eles vão rever as terras demarcadas, então, é a mesma lei, eles só mudaram o viés. Você não sabe que aqui no Brasil eles não chamam o cara de ladrão, chamam de corrupto, que ele “fraudou”? A PEC assassina é a mesma coisa, só não diz “mate”, mas o efeito é o mesmo.
Na situação da PEC ser aprovada, quais seriam as consequências disso?
As consequências, se essa PEC passa… o povo brasileiro é um povo ordeiro, principalmente nós, índios. Mas não tem outro jeito a não ser ir para a guerra, querendo ou não, os índios vão ter que formar guerrilha. Se é pra morrer, tem que morrer lutando, não sentado. Não vamos deixar tomarem o nosso país, esse agronegócio, seja quem for. Nós, indígenas, temos a obrigação e o dever de defender a nossa vida e a existência dos animais e da floresta. Nós só existimos se isso existir. Se vão mexer, vai ter que mexer com a vida no todo e ainda vão tentar também tirar a vida.
Ano passado aconteceu uma situação contigo em que tu estavas indo levar um relatório para o Vaticano e tu foste impedido de ir pela Justiça. Queria saber a tua versão, o que foi que aconteceu?
Foto: Lucio Bernardo Jr. - Câmara dos Deputados
Foto: Lucio Bernardo Jr. – Câmara dos Deputados
É mais uma questão fraudulenta, das armações políticas aqui desse país. Eu tirei esse bendito passaporte, em um dia nada constava na minha ficha, no dia seguinte apareceram quatro mandados de prisão. E o último que ficou, inicialmente, era que eu era assassino, matei uma pessoa. Depois, se chegou à conclusão de que eu nem conhecia as pessoas. Como eu vou matar quem eu nem conheço e a mais de 60km da minha aldeia?
E por que tu achas que aconteceu essa armação e que tu foste impedido de viajar?
Ah, inclusive alguns parlamentares aí citaram, como que podia, eles, parlamentares, não foram convidados pelo papa, como que um cacique ia ser convidado pelo papa, que eles não podiam deixar sair do país para difamar, coisas assim.
E tu estavas levando um relatório para o papa?
Eu ia não só levar o relatório, mas eu ia falar ao papa – e falei isso pro Marcelo Veigas, do Ministério da Justiça – todas as atrocidades que acontecem aqui no Brasil com os povos indígenas do país inteiro, eu ia falar tudo. E uma hora dessas eu vou falar.
Observando de maneira mais geral, como tu vês a situação dos povos indígenas no Brasil hoje?
A situação que eu vejo hoje é caótica, porque o povo reclama, mas muitos não querem agir. Um povo ou outro reage, mas não todos. Todos falam em agir, mas na prática tão ainda se segurando no Bolsa-Família, e tem que abandonar esse negócio. O índio tem que ir pra terra, produzir dentro da sua cultura, no regime cultural do seu povo, e sair dessa de ficar recebendo cesta básica, Bolsa Família, esquece isso. Nosso povo é um povo independente, um povo livre, não submisso a um recurso banal desse, de cesta básica. Tem que se livrar disso, ir para a luta e garantir o direito à vida da floresta, dos animais e de nós índios.
E especificamente sobre os Tupinambá, qual é a situação de vocês hoje?
Nós, o povo Tupinambá, hoje estamos ocupando nosso território, [independentemente] se eles demarcaram e vão publicar a portaria declaratória ou não, o certo é que a gente expulsou os fazendeiros de dentro, e estamos lá, e para tirar nós tem que matar nós. Então, nós não temos o que fazer. Na questão histórica, nós estamos dentro de uma terra que foi o Ministério da Guerra que demarcou em 1926 e era de cinquenta léguas. E agora, estamos apenas reivindicando dentro dessa terra 47 mil hectares e está essa confusão toda. Nós não entendemos, mas a gente sabe que a terra é nossa, já assumimos, a aldeia Serra do Padeiro já assumiu toda a terra, e cabe ao governo indenizá-los, aqueles que nós tiramos, e publicar a portaria declaratória, fazer a parte que é do governo. A nossa parte nós já fez, já ocupou tudo.
Os Tupinambá foram um dos primeiros povos a entrar em contato com os colonizadores portugueses. Queria saber: nesses mais de 500 anos de contato, na tua visão sobre a relação com o Estado brasileiro, o que mudou?
Nós Tupinambá nunca conseguimos lidar com o Estado brasileiro. Como você viu, a primeira lei do país foi criada para matar Tupinambá. Os portugueses disseram: “olha, Tupinambá é inimigo da coroa. Mate”. Depois, mandaram: “todos os colonos que estiverem no país têm que, por lei, matar os Tupinambá”. E nós sobreviveu. Então, os colonos em muitos anos nunca tiveram capacidade de guerrear com os Tupinambá, então eles mandaram o exército, a polícia, e continua até hoje, você vê que a gente está lutando, mas fazendeiro nenhum nunca foi na terra Tupinambá, é a polícia que eles mandam. Então, o governo sempre foi o entrave para os Tupinambá.
Durante o Acampamento Terra Livre houve uma reunião com o Eduardo Cunha (PMDB-RJ, presidente da Câmara dos Deputados), uma sessão na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Qual a tua avaliação desses espaços e qual o saldo que fica deles para os povos indígenas?
Olha, eu vejo como saldo zero. Primeiro que é um enrolation, abrir a porta e sentar na mesa significa que o outro te ama ou que vai fazer o que você quer. E isso é só enganação pra encher o ego do índio para dizer que esteve no Congresso. Por isso que nem lá eu fui. Ontem, eu fui com essa do Eduardo Cunha, que foi uma reunião privada, onde nós pudemos falar olho a olho com ele o que a gente acha, o que a gente pensa, e ele também falou, mas solenidade, o que nós temos de solene? 600 índios mortos, presos, torturados, violentados, duas terras indígenas julgadas pelo Supremo contra, então, o que nós temos? Lá eu não fui, não vou, se vamos é para falar de igual para igual, não para sentar como um cachorrinho abanando o rabo para quem quer matar o pobre cachorrinho. Isso não dá, isso nunca prestou e isso tem tudo para acabar mal com os povos indígenas. O correto com essa multidão que está aqui era nós ficar de cá e dizer para o governo o que nós precisamos, o que nós queremos, e nós sabemos o que queremos: queremos nossos direitos todos sendo aplicados nesse país, que realmente eles mandem recurso para a Funai, para ser aplicado, que criem um ministério para os povos indígenas atuar, com um índio ministro, que aprove a lei do deputado Miranda [PEC 320, proposta pelo deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG)]que dá direito a nós ter pelo menos cinco deputados federais aqui dentro, aí sim, aí dá autonomia, dá direito e você pode entrar de igual para igual. Agora, chegar ali na porta do Congresso, como você viu hoje, mais de 600 policiais metendo a mão na bunda dos índios, passando a mão para depois entrar, nas mulheres a mesma coisa, nós Tupinambá da porta voltamos, nós não nos sujeitamos a uma humilhação dessas, porque uma casa quando vai receber para uma sessão solene não tem de humilhar ninguém dessa forma. E se é a casa do povo, por que a polícia tá primeiro? Então, achei tudo de ruim, os parentes terem se humilhado e aceitado uma coisa dessas.
E sobre o futuro, quais são, na tua visão, as perspectivas e o que tu acha que precisa para que os direitos dos povos indígenas se concretizem daqui para a frente?
Eu, como Tupinambá, vejo um futuro bom, porque quando fica muito ruim todo mundo vai ter que reagir, e quando reage a coisa melhora. Agora, sem reação, só resta a morte. Então, todo mundo faz um caixãozinho, entra e seja enterrado logo. Como eu sei que ninguém vai ter coragem de se autoenterrar, então, acredito que o povo vai reagir e vai ficar tudo beleza, tudo bom para o futuro. Eu vejo lá no Rio Grande do Sul os parentes reagirem, estão nas terras, povo que tá sempre guerreando eu sei que vai continuar assim e não vai se deixar abater. Em quinhentos anos de luta não nos deixamos abater, então não é agora que vamos deixar.
*A revista o Viés, convidada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pelo grupo de Apoio aos Povos Indígenas (GAPIN) para acompanhar o 11º Acampamento Terra Livre, realizou na ocasião uma série especial de reportagens sobre alguns dos principais temas em debate durante a mobilização. Para ler as reportagens, acesse: www.revistaovies.com/acampamento-terra-livre.
Fonte:http://jornalismob.com/2015/08/26/nao-vamos-deixar-o-agronegocio-tomar-o-nosso-pais-entrevista-com-o-cacique-babau-tupinamba/
***Título editado


Nenhum comentário: