quinta-feira, 1 de setembro de 2016

POLÍTICA / LUCIANO D'MIGUEL



…E a carruagem virou abóbora!


 
E foi assim, com a facilidade própria da ausência de pensamento, que o mal-afamado país dos atrasos contrariou todas as expectativas e adiantou o dia das bruxas em dois meses. Não fosse suficiente o esquecimento de todos os folguedos populares que eventualmente poderiam trazer algum tipo de orgulho pela vermelhidão terrosa de nossos pés e unhas encravadas, dando lugar ao Halloween, não seria  necessário ser titã para dizer: não é que eu vou fazer igual, eu vou fazer pior!
Quem se importa se um feito impagável como a descoberta do planeta Netuno completou 170 anos? Ou que o jornalismo literário despertaria para o mundo há exatas sete décadas, com a publicação de Hiroshima, de John Hersey? Algum singapuriano em meio à multidão a comemorar os 53 revoluções de, digamos, independência de sua cidade-estado do jugo britânico, assim como ocorrera com Trinidad e Tobago ou com a Malásia anteriormente? De igual forma, Lady Di, após midiático processo de divórcio, também ganhava a definitiva alforria da coroa (e também do mundo material) num 31 de agosto, dia em que Quirguistão e Uzbequistão – aqueles mesmos das olimpíadas – completam um quarto de século de emancipação da União Soviética.
Mas nem só de pão vive o homem, tal que nem só de separação e morte vivem os tabeliães. Quem sabe um descendente de germânicos se lembre da assinatura do tratado de reunificação entre ocidentais e orientais em 1990, hein?! Data, outrossim, deste 31 frutidor o agora dificilmente comemorado aniversário de criação do Solidariedade. Não se trata desta aberração alaranjada que hoje empesteia de fisiologismo barato as campanhas eleitorais tupiniquins, mas daquele polonês encabeçado por Lech Walesa, partido que foi dilapidado de sua gênese em função de interesses alheios aos que o originaram. Como nas novelas, qualquer semelhança com a realidade poderia ser mera coincidência.
Que o diga o mosto fermentado das vinhas da ira de John Steinbeck, livro magistralmente retratado pelas lentes de seu quase homônimo Ford, o qual também completa 43 voltas solares sem agraciar com novos filmes seus as pupilas humanas. Quer dizer, só elas não. Que seria de nossos já tão ‘anniticamente’ empobrecidos ouvidos se não fossem trilhas como a que Alfred Newman produziu especialmente para aquela fita, em plena era do acetato em 78 rotações? Mal imaginaria que no dia de hoje chegaríamos à aposentadoria do vinil, após 65 translações absolutas de serviços prestados às trompas de Eustáquio.
Poderíamos muito bem comemorar a data ao som do samba ‘bebopado’ de Jackson do Pandeiro, que apesar do desencarne, há de sempre aniversariar neste dia, simultâneo ao que marca o calendário solar do ainda encarnado Francis Hime. Sugestão da casa: servir “Meu Enxoval” de entrada e “Meu Caro Amigo” como prato principal. Para sobremesa, por quais cargas d’água não caberia uma generosa “Bandeira Branca”, parceria de Laércio Alvez e Max Nunes eternizada pelo inconfundível timbre de Dalva de Oliveira, diva que viajou pra bem longe do planetinha azul acinzentado há 44 ciclos?
E por falar em viagem, ir de Salvador pro Rio de Janeiro, ah, como é bom! E se for de mudança então? Xenofóbicos à parte, penso que boa parcela dos brasileiros poderia achar legal a ideia. Mas, e se o inquilino em trânsito fosse o governo brasileiro? Por sorte, há exatos 253 anos não tínhamos propriamente uma imprensa por aqui. Aliás, por azar, nem livros.
Porém, não é preciso folhear qualquer documento noticioso para desconfiar que quando nossa (do vice-reino de Portugal, por certo) capital foi transferida do Nordeste ao Sudeste houve muita gente contrária, como há um sem número de pessoas amaldiçoando até hoje a memória de JK pela construção de Brasília, obra que catapultou positiva e negativamente o legado do gênio comunista Oscar Niemeyer. Homem quase bicentenário, não viveu para ver a irreversível transformação do Senado Federal em verdadeira arena.
É como brindar o apagar de velas de ninguém menos que Calígula. Não seria de se assustar se nossos vultosamente qualificados meios de comunicação viessem a estampar numa página qualquer que, “se vivo estivesse, imperador romano comemoraria 2004 primaveras”. Sem poder ir a alguma ilha, de cara, o déspota seguramente lançaria mão de seu gênio maléfico e colocaria ao centro do trágico espetáculo, à mercê dos olhares de mira a laser e almas sebosas inspiradas em Exu Caveira, uma aparentemente indefesa senhora que num passado não muito remoto teve seu corpo e dignidade violados pelos centuriões de alta patente.
Parece exagero? Quem, neste país, mesmo sabendo que a degola seria praticamente irreversível, teria hombridade e coragem para responder calmamente 49 famigerados senadores com média de 10 minutos de indagações por cada (ops!), em sua maioria homens, brancos, com raízes fincadas na elite, praticamente todos querendo mais é ver o seu oco? Quiçá nem o invicto Rocky Marciano, que neste fim de agosto também nos lembra de sua partida durante o inverno de 69, se arriscaria tanto, acostumado a golpes quantos fossem.
Dirão os inúmeros laureados com o Pulitzer que diariamente nos presenteiam com suas pérolas publicadas nas redes sociais que “ela não é boa de oratória”. Isso até é fato, contudo irrelevante diante do contexto em que a brava guerreira não tem às mãos qualquer script e não traz consigo uma horda de assessores, ao contrário dos que a interpelam impiedosamente, sendo sentenciados ao doloroso silêncio adequado aos ignorantes e covardes. Coração valente, acima de qualquer slogan ou título de filme de Hollywood, é uma aferição de inabalável honradez.
61×20. Isso bem poderia ser placar de um jogo de basquete. Só que não! São só mais algumas evidências ‘pós-xororónicas’ de que a expressividade quantitativa contida em 54.501.118 desde sempre valeu e para sempre valerá muito menos que aquele escore macabro. Números, números e mais números. Zero hora no relógio, minutos passados.
Na nossa versão da festividade celta, em vez de servir de capacete às pobres criancinhas sedentas por doces ou travessuras, a moranga, que carinhosamente chamo de jerimum, chega como o insosso prato jamais esquentado da vingança. Ao invés da justiça, o ritmo descompassado dos galopes reboca a meteórica carruagem com formato de cucurbita, à espera da última e única passageira. Certificada a posse do bilhete conferido apenas a quem tem a honestidade como princípio, parte em direção ao desconhecido seu velocino, tão áureo quanto o de Medeia.
Ao epílogo, nenhum príncipe encantado haveria de encontrar um pé perdido de seu par de sapatinhos de cristal, pois que a grande mídia não lhe permitiria uma caricatura aquém dos 42 grãos de cevada. Descalça, de mãos atadas e ainda que supostamente desprovida da mítica formosura das fadas, será certamente reavaliada e lembrada pela história, diferentemente da efêmera Luka, que costumava dizer igual a tantos trajados de camisa da CBF espalhados pelo mundo: “tô nem aí”…
ACERTATA: O suposto “esquecimento” de um semi-importante fato igualmente ocorrido em 31/08 como a troca de faixas entre o desbotado dublê de Ranchinho, vulgo Costa & Silva, e os membros da Junta Provisória, foi mais suposto que o envolvimento de Dilma em crime de responsabilidade fiscal.
Luciano d’Miguel nunca foi de ler Paulo Coelho e mesmo assim já foi chamado de bruxo, entre outros adjetivos de baixíssimo calão que, se dirigidos a uma mulher, seriam ainda mais pejorativos, infelizmente.

Fonte: http://zogg.com.br/2016/09/01/e-a-carruagem-virou-abobora/

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