sábado, 17 de novembro de 2018

ABELHAS



RIO — O mel é o produto mais visível dos préstimos oferecidos de graça pelas abelhas. Mas, muito além de adoçar nossos alimentos, elas conseguem também adoçar o PIB agrícola brasileiro. Isso porque, dos 141 tipos de culturas agrícolas do país, 85 dependem de polinização por animais, principalmente abelhas. E um estudo da Universidade de São Paulo (USP) estimou que esse serviço prestado de graça gera uma economia de US$ 12 bilhões por ano à agricultura no Brasil.
Este é um dos dados revelados pelo "Primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos", lançado nesta quinta-feira, às vésperas da conferência mundial sobre biodiversidade, a COP-14, que acontecerá entre os dias 13 a 29 em Sharm El-Sheik, no Egito.
Elaborado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), que reúne alguns dos maiores especialistas do país no assunto, o diagnóstico aponta desafios e, sobretudo, oportunidades da exploração sustentável da diversidade.

O Brasil abriga 20% da biodiversidade da Terra, ainda tem 40% de sua cobertura vegetal e dispõe de 55 milhões de hectares de terras degradadas pela pecuária que poderiam ser revertidas em plantações, evitando novos desmatamentos, destaca o engenheiro florestal Fábio Scarano, um dos coordenadores da BPBES e presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).
— Temos uma galinha dos ovos de ouro, e até agora só perdemos oportunidades. Está na hora de mudar o jogo — acredita Scarano.
No jogo está, por exemplo, a morosidade na discussão da ratificação do Protocolo de Nagoia, no Congresso Nacional. O protocolo existe há quatro anos e é o acordo global que regula a repartição dos benefícios da biodiversidade. O Brasil discorda de alguns pontos, mas não desata o nó que dificulta negócios baseados em produtos da biodiversidade.

Também coordenador da BPBES, o biólogo Carlos Joly destaca que a principal causa de perda de biodiversidade no país é o uso errado do solo. As mudanças climáticas também exercem grande influência.
— São as atividades humanas os principais vetores de perda de biodiversidade, seja por perda de habitat, por poluição, por demanda de exploração — afirma ele. — E a realização desse "Primeiro Diagnóstico" confirma que esse cenário vem se acentuando no Brasil de maneira muito rápida, talvez porque sejamos justamente o país com a maior diversidade do planeta.

Mudança de paradigma

O relatório destaca que é preciso uma mudança de paradigma, para que a sociedade civil e os tomadores de decisão passem a entender o desenvolvimento ecológico como parte do desenvolvimento social e econômico.
— A biodiversidade é percebida geralmente como um obstáculo ou no máximo um apêndice ao processo de desenvolvimento quando, na verdade, constituem a base de ganho de competitividade em um ambiente global — ressalta Mercedes Bustamante, também coordenadora da BPBES e reconhecida por seus trabalhos sobre o Cerrado.
Segundo ela, duas iniciativas importantes são o estímulo ao cumprimento das leis ambientais já existentes e a incorporação de serviços ecossistêmicos nas políticas de desenvolvimento do país.
A ideia é que o relatório sirva como base para que os governos federal e estadual e o Congresso Nacional recém-eleitos tomem decisões. É isso, ao menos, o que os cientistas esperam.

— Espero, sinceramente, que os que ocupem os cargos de gestão do governo respeitem a Constituição, para pelo menos o cenário não piorar — diz o engenheiro florestal Fábio Scarano. — Mas acredito que não precisamos depender só do governo também. A mudança que vem de baixo para cima pode ter muita força. A organização dos cidadãos, de ONGs e de empresas pode fazer muito, atuando como contrapesos.

Remédios e cosméticos

O país tem, segundo o diagnóstico, mais de 245 espécies de plantas empregadas em produtos cosméticos e farmacêuticos e 36 registradas como fitoterápicos. Com maior investimento, poderia ter muito mais, destaca a pesquisadora Mercedes Bustamante.
Desse bioma vem um caso de sucesso, indicador do potencial nativo. É de lá a fava d’anta, árvore de cujas vargens se extrai quercetina. Esta é a base da rutina, usada em drogas para retardar o processo de envelhecimento e melhorar a circulação do sangue. O Brasil exporta rutina para 36 países, sendo o laboratório Merck o maior comprador. Em 2017, foram exportados US$ 967.657,00 de rutina proveniente de Maranhão e Piauí.
Bustamante destaca ainda o valor alimentício das plantas nativas. O diagnóstico mostra que 469 espécies de plantas são cultivadas em sistemas agroflorestais. E as frutas brasileiras são as de maior teor de vitaminas A (buriti) e C (camu-camu) do mundo.

— Temos o maior potencial do planeta para melhorar a quantidade e a qualidade dos alimentos e há ainda muitas espécies sequer exploradas — diz Bustamante.

Uma nova espécie a cada três dias

O melhor exemplo de sucesso vem da Amazônia. É o açaí, cujo cultivo hoje está atrás somente da pecuária e da exploração de madeira no Pará. O açaí é o exemplo mais importante do uso sustentável da biodiversidade, afirma o climatologista Carlos Nobre, que desenvolve o projeto Terceira Via Amazônica sobre o valor econômico da exploração sustentável da floresta em pé.
De tão vasta a biodiversidade permanece até agora incalculável. Na Amazônia, o projeto de Nobre se debruça, por exemplo, sobre aplicações farmacêuticas e industriais de moléculas de espécies nativas de micro-organismos, plantas e animais e diz que “em média, uma nova espécie é descoberta a cada três dias”, o que demonstra que o número das ainda não identificadas é colossal.

Soja, café e até tomate dependem da polinização

O adjetivo "colossal" se adequa ao trabalho realizado pelas abelhas no campo. Espécies brasileiras se adaptaram a culturas originárias de outros países, caso da soja, do algodão, do café e do tomate. Hoje os cultivadores daqui mantêm uma relação umbilical com as abelhas sem ferrão.
A soja, o motor do PIB agrícola, depende das abelhas para produzir flores e, assim, grãos. A soja se torna mais produtiva graças aos polinizadores, diz Bustamante. Mesmo as plantas que se autofecundam, caso do tomate, não dispensam os préstimos de espécies nativas de abelhas, observa ela.

Outro que não vive sem uma abelha em sua vida é o café, acrescenta Scarano.  Segundo ele, o café não frutifica sem a polinização por uma espécie de abelha brasileira, do grupo das meliponinas ou abelhas sem ferrão. Mas esta abelha pode estar extinta até 2030, diz Scarano.
— O café dá a dimensão da urgência de garantir a sustentabilidade da biodiversidade — frisa ele.
Urgência não apenas no que diz respeito a alimentos e fármacos, mas também à energia. Um dos destaques do diagnóstico são as usinas hidroelétricas, fontes de dois terços da energia elétrica consumida no país. Elas precisam de água e esta depende da integridade de ecossistemas, especialmente os florestais, afirma o documento.
A urgência se explica não apenas pelo avanço do desmatamento, mas pela constatação de que 40% da cobertura vegetal do Brasil estar concentrada em 400 municípios (o equivalente a 7% do total do país) onde estão 13% da população que vive na pobreza.
— A pobreza é um dos vetores do desmatamento. Mas a biodiversidade pode oferecer formas de gerar renda mais lucrativas e sustentáveis do que a derrubada da floresta. O sucesso do açaí na Amazônia ilustra isso. É mais questão de vontade e estratégia política — afirma Scarano.

Os números da biodiversidade

O "Primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos", documento lançado nesta quinta-feira e elaborado por mais de 120 autores — entre pesquisadores, gestores ambientais e tomadores de decisão —, compila uma série de dados sobre a biodiversidade brasileira. Seguem abaixo alguns dados de destaque:

- O território nacional abriga cerca de 42 mil espécies de vegetais, 9 mil espécies de animais vertebrados e 129 mil invertebrados conhecidos.
- O Brasil exporta mais de 350 tipos de produtos agrícolas, e a agricultura familiar produz 70% do que os brasileiros comem e bebem.
- Das 141 culturas agrícolas analisadas no Brasil, 85 dependem de polinização por animais.
- O país é o terceiro maior país exportador de produtos da silvicultura, responsável por 3,64% do volume total do mercado global.
- Cerca de 80 famílias e 469 espécies de plantas são cultivadas em sistemas em sistemas agroflorestais no Brasil.
Colaboração: Rafhael Fumagali
Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/biodiversidade-galinha-de-ovos-de-ouro-desperdicada-no-brasil-mostra-relatorio-23220249?fbclid=IwAR1UdTuPPRO_aA086eYeCNH2GGZ65czWdf7l4-BO7E_7hC_T0Xo6kNFwlyg

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