Sobre nossos médicos
Por WALMIR ASSUNÇÃO*
Sobre nossos médicos
Pra
começar
é tudo piá de prédio, já vivem compartimentados em casa - e no quarto;
nunca viram um passarinho comer na boca de outro. Depois, na faculdade,
estudam
o corpo em partes – nossos digníssimos médicos ainda buscam a relação do
estômago com o pé. Já formados, são especialistas num órgão só, é claro.
Como
não podem conversar com o esôfago prescindem de conversar com o paciente
– eles
olham tua chapa, mas não tua cara, meu amigo. Nunca que saberiam lidar
com
gente, esse tênue fio que dá vida a todos esses órgãos lustrosos e
dourados.
Portanto, nada mais natural que pensem assim da Sociedade:
compartimentada.
Estratificada ao ponto de nordestinos ou nortistas, ou interioranos, ou
suburbanos não terem direito a um médico.
![](https://mail.google.com/mail/images/cleardot.gif)
A
reação contra os cubanos foi exemplar. Tal relutância lida com algo
do período jurássico. É férrea determinada divisa, um coágulo quase
intransponível. Aqui e acolá, pra cá e pra lá, aquém e além da cerca, essa é a
velha forma de distribuição. Escolhamos a vontade a nomeação das partes. Sei
que pra cá virão todas as regalias – pois também sou um trágico piá de prédio,
como meus complacentes leitores.
Vejamos
bem a situação: o Conselho de Medicina em nenhum momento se preocupou com as
pessoas que secularmente não têm atendimento. “Secularmente”: isto sim que
chamo de estar no tempo e ao relento. O Conselho se preocupa apenas com os
aparelhos que não há, como se também não houvesse pessoas. Eu penso, se um
médico tende a ser desumano, imagine o Conselho? Deve operar monstruosidades;
lidar apenas com equipamentos. Manifestar-se contra outros médicos que se
dispõe a trabalhar aonde os nossos não iriam nem no jogo de tabuleiro.
Paro por aqui. Em minhas andanças e manquidão por
consultórios vi muitas coisas; só não vi tanta empatia. Peregrinei em hospitais junto com minha mãe
tão querida, e não vou começar a falar o que penso de alguns clínicos
brasileiros. É arriscado, meu coração não permite. Vi muito nariz alto, estratosférico - com atitude de pandorga.
Conversei com vários queixos. Não apelo em minhas orações para não ficar mais
doente, mas para não topar com esses doutores empolados. Mesmo assim é uma
sorte, um acaso em nosso país, poder desfrutar do seu descaso. É a quina do
dado que caiu a meu favor. Não sou eu quem precisa de reforço nas orações.
O Conselho Médico alega falta de condições em
lugares distantes – como se gente não fosse uma condição. Eu peço para
que arrumem logo esses consultórios. Coloquem pôsteres do rock ou de
luta nos
postinhos. O que mais está faltando? Já sei: Shopping Center. Encham a
Amazônia
de Shoppings. Construam um em Alenquer.
Talvez surjam candidatos. É esta a aparelhagem que está faltando.
*WALMIR ASSUNÇÃO é escritor em Curitiba/PR
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