sexta-feira, 30 de agosto de 2013

CRÔNICA





Sobre nossos médicos



Por WALMIR ASSUNÇÃO*



Sobre nossos médicos


          Pra começar é tudo piá de prédio, já vivem compartimentados em casa - e no quarto; nunca viram um passarinho comer na boca de outro. Depois, na faculdade, estudam o corpo em partes – nossos digníssimos médicos ainda buscam a relação do estômago com o pé. Já formados, são especialistas num órgão só, é claro. Como não podem conversar com o esôfago prescindem de conversar com o paciente – eles olham tua chapa, mas não tua cara, meu amigo. Nunca que saberiam lidar com gente, esse tênue fio que dá vida a todos esses órgãos lustrosos e dourados. Portanto, nada mais natural que pensem assim da Sociedade: compartimentada. Estratificada ao ponto de nordestinos ou nortistas, ou interioranos, ou suburbanos não terem direito a um médico.

           A reação contra os cubanos foi exemplar. Tal relutância lida com algo do período jurássico. É férrea determinada divisa, um coágulo quase intransponível. Aqui e acolá, pra cá e pra lá, aquém e além da cerca, essa é a velha forma de distribuição. Escolhamos a vontade a nomeação das partes. Sei que pra cá virão todas as regalias – pois também sou um trágico piá de prédio, como meus complacentes leitores. 

           Vejamos bem a situação: o Conselho de Medicina em nenhum momento se preocupou com as pessoas que secularmente não têm atendimento. “Secularmente”: isto sim que chamo de estar no tempo e ao relento. O Conselho se preocupa apenas com os aparelhos que não há, como se também não houvesse pessoas. Eu penso, se um médico tende a ser desumano, imagine o Conselho? Deve operar monstruosidades; lidar apenas com equipamentos. Manifestar-se contra outros médicos que se dispõe a trabalhar aonde os nossos não iriam nem no jogo de tabuleiro. 

           Paro por aqui. Em minhas andanças e manquidão por consultórios vi muitas coisas; só não vi tanta empatia.  Peregrinei em hospitais junto com minha mãe tão querida, e não vou começar a falar o que penso de alguns clínicos brasileiros. É arriscado, meu coração não permite. Vi muito nariz alto, estratosférico - com atitude de pandorga. Conversei com vários queixos. Não apelo em minhas orações para não ficar mais doente, mas para não topar com esses doutores empolados. Mesmo assim é uma sorte, um acaso em nosso país, poder desfrutar do seu descaso. É a quina do dado que caiu a meu favor. Não sou eu quem precisa de reforço nas orações.

          O Conselho Médico alega falta de condições em lugares distantes – como se gente não fosse uma condição. Eu peço para que arrumem logo esses consultórios. Coloquem pôsteres do rock ou de luta nos postinhos. O que mais está faltando? Já sei: Shopping Center. Encham a Amazônia de Shoppings.  Construam um em Alenquer. Talvez surjam candidatos. É esta a aparelhagem que está faltando.




*WALMIR ASSUNÇÃO é escritor em Curitiba/PR

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