sábado, 19 de outubro de 2013

CARTA AVÁ-GUARANI ÀS COMUNIDADES BRASILEIRAS NÃO INDÍGENAS



Foto: Ana Mº de Carvalho

Nós, lideranças Avá-guarani das regiões oeste e centro oeste do Estado do Paraná, Brasil. Sendo: Tekohá Marangatu , Tekohá Y’Hovy, Tekohá Porâ, Tekohá Karumbey, Tekohá Jevy, Tekohá Tatury, Tekohá Guarani e Tekohá Miri do município de Guairá; Tekohá Araguaju, Tekohá Pohâ Renda, Tekohá Ñemboete, Tekohá Yvyraty Porá e Tekohá Tajy Poty no município de Terra Roxa; Tekohá Vy’a Renda no município de Santa Helena.
Reunidos na Aldeia Y’Hovy/Eletrosul, Guairá-PR, no dia vinte e oito de setembro de dois mil e treze, discutimos as questões que são do interesse do povo Guarani. A precária realidade que os poderes públicos do Brasil desconhecem (as três esferas do poder).
Falar dos nossos direitos, enquanto povos indígenas, é voltar um olhar para as situações complexas que vivemos todos os dias, principalmente quanto aos conflitos decorrentes da disputa sobre a terra.
Convencer positivamente sobre os nossos direitos constitucionais é um desafio constante. Mas é preciso vencer a visão de que terras indígenas e/ou a luta pela demarcação de terra são empecilho ao desenvolvimento ao desenvolvimento econômico de um estado ou do país ou, por outro lado, de exploração.
A constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, reconhece a nós, povos indígenas, o direito à diferença, consubstanciada no reconhecimento de nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e nossos direitos originários sobre as terras que ocupamos.        
O nosso direito territorial é originário e anterior às ocupações não indígenas. Por isso, o poder público (Legislativo, Executivo e Judiciário) tem o dever constitucional de demarcar e de proteger, salvaguardar o que diz a Constituição.
Por isso, nós, avá-guarani desta região do Paraná, assim como os indígenas de todas as outras etnias do Brasil, manifestamos o nosso repúdio às propostas e projetos de lei que tem o objetivo de restringir os nossos direitos, violando a Constituição Federal e ferindo a dignidade do nosso povo, que sempre esteve neste país, não viemos de fora.
Tais propostas trazem um grande retrocesso à história do Brasil. É como se voltássemos ao período de colonização ou da ditadura militar. Propostas como a Emenda Constitucional - PEC 215, que passa do Executivo para o Legislativo a competência da demarcação, a criação de novas terras indígenas e também de rever limites das terras já demarcadas violam direitos só recentemente pelos povos indígenas.
Outra proposta que também vem sendo uma afronta aos nossos direitos é o Projeto de Lei Complementar 227/2012, que tem como objetivo permitir a exploração dos recursos minerais em terras indígenas. E, como se não bastasse, em 2012 foi emitida a portaria 303 da Advocacia Geral da União que, constitucionalmente impõe 12 condicionantes a serem aplicadas na demarcação da Raposa Serra do Sol. E, agora, em 2013, a criação da PEC 137, que avilta o artigo 6º na Constituição Federal, sendo que estes são direitos conquistados por cada cidadão garantindo o direito de se manifestar, do respeito à diferença étnico-racial e a convivência de acordo com os costumes e tradições de cada povo.
Nós repudiamos essas propostas e projetos de lei, pois sabemos que são  inconstitucionais, estão desrespeitando a Constituição Federal. Elas foram criadas por políticos com o objetivo de beneficiar os ruralistas e o agronegócio que já destruiu mais de 60% das terras brasileiras, sendo que esta produção é toda exportada, e portanto, não é voltada para a população brasileira.
O agronegócio, até hoje, só tem beneficiado grandes ruralistas e também outros países, porque, da mesma forma, a população carente não indígena também vive em situação desumana, sem educação ou saúde de qualidade. Sem deixar de lembrar as comunidades quilombolas, que também são obrigadas a viver de maneira muito precária.
Através deste documento, manifestamos que é uma vergonha para o nosso país a forma com que o governo e os políticos vêm tratando a população em geral, oprimindo as comunidades indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos e etc. Tudo isso para fortalecer o latifúndio e os grandes empreendimentos que, de maneira devastadora, vem tomando conta de nosso país.
Repudiamos também a medida provisória que autoriza o uso indevido de agrotóxicos e a reforma do Código Florestal, que permite cultivar praticamente dentro dos rios e, assim, destruir de vez a vida do chão que todos nós necessitamos para continuarmos vivos.
No oeste do Paraná, nas cidades de Guairá e Terra Roxa, nós guaranis lutamos pela terra, não para prejudicar o ruralista, mas sim porque esses dois municípios sempre pertenceram ao nosso povo, e, hoje, querem provar o contrário hipocritamente, de forma discriminatória, dizendo palavras horríveis a nosso respeito, começando pela esfera municipal em Guaíra.
Exigimos destes municípios, no mínimo, a metade do que era nossa terra de volta e que nos respeitem e nos aceitem como somos, um povo diferente com valor específico.
E, mais uma vez, estamos deixando bem claro que, a reintegração de posse não resolverá nada, pois estamos decididos que não sairemos de onde estamos. Porque, por muito tempo, os não indígenas assistiram da arquibancada as derrotas de nossos antepassados e outros, correndo, deixando suas terras, para que hoje, os não indígenas se considerem “donos das propriedades compradas”.
Mas os tempos mudaram, hoje queremos justiça pelo sangue derramado dos nossos parentes, hoje não temos mais medo dos não indígenas, portanto, não correremos mais. E depois, ir para onde? Se o Brasil é o país dos povos indígenas.
Se hoje somos considerados um problema para o desenvolvimento é porque, no passado, foram cometidos erros que até hoje não são admitidos. E é necessário que se resolva enquanto há tempo, para que, no futuro, não se repita e para que a situação não se torne incontrolável.

Gratos pela atenção! 

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