sexta-feira, 4 de outubro de 2013

MOBILIZAÇÃO INDÍGENA





Dezenas de manifestações estão acontecendo em várias cidades do país, incluindo capitais. É a semana de Mobilização Nacional Indígena, convocada pela Articulação nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para defender as conquistas da Constituição de 1988, que completa 25 anos. 
A iniciativa tem o o apoio do Greenpeace
 e outras ONGs,  entidades e pessoas de todo o pais. 



Os protestos tem como alvo principal a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, apresentada em 2000, retomada com força este ano pela bancada de representantes do agronegócio, e que aguarda agora instalação de comissão especial na Câmara. O projeto pretende mudar o texto constitucional para transferir ao Legislativo a palavra final sobre demarcações de terras indígenas e quilombolas no país. Atualmente, a demarcação dos territórios tradicionais é uma atribuição exclusiva do governo federal, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério da Justiça e da Presidência da República.

Em Brasília, indígenas fizeram o enterro simbólico de parlamentares e ministros. Cerca de 1.500 participantes de mais de 100 povos estiveram no ato realizado nesta semana, pedindo, dentre outras coisas, o respeito ao caráter multiétnico e pluricultural reconhecido pela Constituição Federal.


No Oeste do Paraná, awá-guaranis protestam e reúnem-se com o prefeito de Guaíra, cidade na fronteira com o Paraguai que conta com 8 aldeias ou acampamentos indígenas


Os awa-guaranis de Guaíra/PR participaram da Mobilização e
reuniram-se com o prefeito da cidade
As manifestações realizadas no Oeste do Paraná tinham o mesmo objetivo, mas os awá-guaranis dos municípios de Guaíra e Terra Roxa buscam principalmente agilidade na demarcação da terra e o apoio das autoridades municipais neste sentido, por acreditarem que assim o relacionamento entre as comunidades indígenas existentes e os brancos residentes na cidade vai melhorar, assim como as condições das aldeias, que estão localizadas em áreas ocupadas e, por isso, têm dificuldades em receber investimentos públicos do município.



Os integrantes das comunidades indígenas se prepararam na
ainda na noite anterior para a manifestação havida no dia 02
de outubro em Guaíra. Nas fotos, a vice cacique e líder espitirual
da aldeia Tekohá Y'vohy, Paulina Kunha Rokavy Ponhy Martines
 no ritual, a noite, e antes da saída para a manifestação em Guaíra/PR.











Depois do trajeto entre a aldeia Y'hovy e o centro da cidade, os awá-guaranis se concentraram em frente da prefeitura
da cidade Guaíra...

...e conseguiram uma audiência com o prefeito
da cidade, onde expuseram seus objetivos
O cacique Ilson Soares, da aldeia Y'hovy , cobrou
do executivo municipal um posicionamento mais
efetivo nas outras esferas de poder
Assim, doze caciques, além de vice caciques reuniram-se com o prefeito Fabian Vendrúsculo, da cidade de Guaíra, Oeste do Paraná, buscando seu apoio para a demarcação de suas terras e solução de problemas locais nas áreas de saneamento, saúde, transporte e educação das oito aldeias existentes no município, e outras cinco localizadas nos municípios vizinhos de Terra Roxa e Santa Helena. 


A awá-guarani Paulina Martines na audiência, tendo ao fundo o cacique
Ilson Soares. Ambos da aldeia Y'hovy .
"Não fugiremos mais, como nossos pais e parentes faziam. Não há mais para onde ir", disse na audiência com o prefeito, Paulina Martines, a jovem vice cacique e líder espiritual da aldeia Y'hovy, que foi a principal porta voz dos objetivos da manifestação. 
No encontro, realizado na manhã da quarta-feira, 02, na sala de reuniões do gabinete da Prefeitura Municipal de Guaíra, ela afirmou que, além de mostrar à região que também se mobilizaram contra as iniciativas governamentais e pela imediata demarcação, as comunidades indígenas de Guaíra buscaram, com a iniciativa, estabelecer uma parceria, um diálogo com o governo municipal, no sentido de minimizar o problema do preconceito e da discriminação que a população indígena sofre na sociedade guairense, atingindo não só os adultos nas atividades diárias de cidadão brasileiro como ir banco, ao mercado, ou ao posto de saúde, mas, especialmente, as crianças nas escolas das redes municipais e estaduais de ensino. 

O saldo positivo imediato para os awá-guarani de Guaíra, foi a promessa da realização de uma reunião mensal para saber da situação das aldeias indígenas do município e ajustar eventuais emergências. Na prática, não deixar os indígenas desamparados em situações limites, já que a maioria das aldeias não conta nem com água encanada, nem com energia elétrica, nem outros serviços de saúde ou saneamento. 



Mas, como disse o cacique Ilson Soares (foto acima), ao final da manifestação na Tekohá-Porã do município de Guaíra, encontrar-se com o prefeito uma vez por mês não vai solucionar a questão da demarcação que, para eles, é o que trará dignidade ao povo indígena.

Segue a íntegra da carta das treze aldeias dirigida à comunidade e às autoridades:


Nós, lideranças Avá-guarani das regiões oeste e centro oeste do Estado do Paraná, Brasil. Sendo: Tekohá Marangatu , Tekohá Y’Hovy, Tekohá Porâ, Tekohá Karumbey, Tekohá Jevy, Tekohá Tatury, Tekohá Guarani e Tekohá Miri do município de Guairá; Tekohá Araguaju, Tekohá Pohâ Renda, Tekohá Ñemboete, Tekohá Yvyraty Porá e Tekohá Tajy Poty no município de Terra Roxa; Tekohá Vy’a Renda no município de Santa Helena.
Reunidos na Aldeia Y’Hovy/Eletrosul, Guairá-PR, no dia vinte e oito de setembro de dois mil e treze, discutimos as questões que são do interesse do povo Guarani. A precária realidade que os poderes públicos do Brasil desconhecem (as três esferas do poder).
Falar dos nossos direitos, enquanto povos indígenas, é voltar um olhar para as situações complexas que vivemos todos os dias, principalmente quanto aos conflitos decorrentes da disputa sobre a terra.
Convencer positivamente sobre os nossos direitos constitucionais é um desafio constante. Mas é preciso vencer a visão de que terras indígenas e/ou a luta pela demarcação de terra são empecilho ao desenvolvimento ao desenvolvimento econômico de um estado ou do país ou, por outro lado, de exploração.
A constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, reconhece a nós, povos indígenas, o direito à diferença, consubstanciada no reconhecimento de nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e nossos direitos originários sobre as terras que ocupamos.        
O nosso direito territorial é originário e anterior às ocupações não indígenas. Por isso, o poder público (Legislativo, Executivo e Judiciário) tem o dever constitucional de demarcar e de proteger, salvaguardar o que diz a Constituição.
Por isso, nós, avá-guarani desta região do Paraná, assim como os indígenas de todas as outras etnias do Brasil, manifestamos o nosso repúdio às propostas e projetos de lei que tem o objetivo de restringir os nossos direitos, violando a Constituição Federal e ferindo a dignidade do nosso povo, que sempre esteve neste país, não viemos de fora.
Tais propostas trazem um grande retrocesso à história do Brasil. É como se voltássemos ao período de colonização ou da ditadura militar. Propostas como a Emenda Constitucional - PEC 215, que passa do Executivo para o Legislativo a competência da demarcação, a criação de novas terras indígenas e também de rever limites das terras já demarcadas violam direitos só recentemente pelos povos indígenas.
Outra proposta que também vem sendo uma afronta aos nossos direitos é o Projeto de Lei Complementar 227/2012, que tem como objetivo permitir a exploração dos recursos minerais em terras indígenas. E, como se não bastasse, em 2012 foi emitida a portaria 303 da Advocacia Geral da União que, constitucionalmente impõe 12 condicionantes a serem aplicadas na demarcação da Raposa Serra do Sol. E, agora, em 2013, a criação da PEC 137, que avilta o artigo 6º na Constituição Federal, sendo que estes são direitos conquistados por cada cidadão garantindo o direito de se manifestar, do respeito à diferença étnico-racial e a convivência de acordo com os costumes e tradições de cada povo.
Nós repudiamos essas propostas e projetos de lei, pois sabemos que são  inconstitucionais, estão desrespeitando a Constituição Federal. Elas foram criadas por políticos com o objetivo de beneficiar os ruralistas e o agronegócio que já destruiu mais de 60% das terras brasileiras, sendo que esta produção é toda exportada, e portanto, não é voltada para a população brasileira.
O agronegócio, até hoje, só tem beneficiado grandes ruralistas e também outros países, porque, da mesma forma, a população carente não indígena também vive em situação desumana, sem educação ou saúde de qualidade. Sem deixar de lembrar as comunidades quilombolas, que também são obrigadas a viver de maneira muito precária.
Através deste documento, manifestamos que é uma vergonha para o nosso país a forma com que o governo e os políticos vêm tratando a população em geral, oprimindo as comunidades indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos e etc. Tudo isso para fortalecer o latifúndio e os grandes empreendimentos que, de maneira devastadora, vem tomando conta de nosso país.
Repudiamos também a medida provisória que autoriza o uso indevido de agrotóxicos e a reforma do Código Florestal, que permite cultivar praticamente dentro dos rios e, assim, destruir de vez a vida do chão que todos nós necessitamos para continuarmos vivos.
No oeste do Paraná, nas cidades de Guairá e Terra Roxa, nós guaranis lutamos pela terra, não para prejudicar o ruralista, mas sim porque esses dois municípios sempre pertenceram ao nosso povo, e, hoje, querem provar o contrário hipocritamente, de forma discriminatória, dizendo palavras horríveis a nosso respeito, começando pela esfera municipal em Guaíra.
Exigimos destes municípios, no mínimo, a metade do que era nossa terra de volta e que nos respeitem e nos aceitem como somos, um povo diferente com valor específico.
E, mais uma vez, estamos deixando bem claro que, a reintegração de posse não resolverá nada, pois estamos decididos que não sairemos de onde estamos. Porque, por muito tempo, os não indígenas assistiram da arquibancada as derrotas de nossos antepassados e outros, correndo, deixando suas terras, para que hoje, os não indígenas se considerem “donos das propriedades compradas”.
Mas os tempos mudaram, hoje queremos justiça pelo sangue derramado dos nossos parentes, hoje não temos mais medo dos não indígenas, portanto, não correremos mais. E depois, ir para onde? Se o Brasil é o país dos povos indígenas.
Se hoje somos considerados um problema para o desenvolvimento é porque, no passado, foram cometidos erros que até hoje não são admitidos. E é necessário que se resolva enquanto há tempo, para que, no futuro, não se repita e para que a situação não se torne incontrolável.

Gratos pela atenção! 


Texto e Fotos: Ana Maria de Carvalho
Fontes: http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas&i=todos&Id_t=15
http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=10779
http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=10782













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