quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

ARTIGO



A análise internacional com uma perspectiva libertária (I)



O ofício de analista de relações internacionais escrevendo em uma publicação como esta é um exercício de didatismo. Por um lado, temos a obrigação de expor o Sistema Internacional como este se apresenta, sendo um jogo de forças onde as instituições multilaterais e a presunção da busca pela “paz e a segurança” muitas vezes são uma forma de congelar as realidades de injustiças em escalas globais. Reforçando esta preocupação, também existe o temor de confundirmos as falas.
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Quando escrevo ou falo em aula ou debate expondo fundamentos dos estudos estratégicos – em geral – e os paradigmas da geopolítica – em particular – escancaro que o pressuposto teórico-metodológico do Realismo não é o meu absoluto. Não concordo que o mundo da vida seja apenas disputa (competição X cooperação) e tampouco entendo o Estado-Nacional como o único ator relevante no cenário mundial.
O mesmo se dá no objeto de estudo. Uma das obrigações do internacionalista hoje é saber posicionar agentes, atores, grupos de interesse, transnacionais, elites dirigentes e sistemas de crenças no macrocenário do Norte da África, Península Arábica, Golfo Pérsico, Oriente Médio e Ásia Central. E, por mais revoltante que seja a Ocupação da Palestina (e o é), assim como a presença das gigantes do petróleo – sempre acompanhada de força naval e serviços de inteligência – não podemos pressupor que quem a estes se opõem têm projetos compartilhados com alguma perspectiva libertaria. As redes integristas sunitas, wahabitas ou salafistas, são indefensáveis do ponto de vista democrático ou humanista, assim como o projeto de poder xiita encabeçado pelo Conselho de Aiatolás do Irã e o seu grupo satélite Hezbollah nada tem de socialista ou libertador.
Não é de hoje que o pensamento de esquerda se perde em meio à disputa entre Estados. Em 1939, após terrível papel na república espanhola, os satélites de Moscou se desdobraram explicando a “lógica” do Pacto Infame (Ribentropp-Molotovo), que assinava o armistício e cooperação entre a Alemanha nazista e a União Soviética de Stálin. Durante a Guerra Fria, estávamos embretados, com a direita localizando-nos como linha de defesa do “ocidente”, debaixo do guarda-chuva dos EUA e os “camaradas” reproduzindo o bloco soviético e a Cortina de Ferro. A opção dos não-alinhados parecia ser a mais interessante, ainda que fosse capitaneada por dirigentes autocratas como o general egípcio Gamal Abdel Nasser. Agora, a tentação é de confundirmo-nos com as projeções russas ou mesmo com uma integração latino-americana que eleja o Plano IIRSA como estratégico. Criticar a supremacia dos Estados Unidos e ser a favor da multilateralidade não é o mesmo que apoiar incondicionalmente governos e regimes.
As relações internacionais entre povos, culturas, grupos de defesa das causas universais, movimentos sociais e organizações de esquerda têm de emergir para além da disputa entre Estados, classes dominantes e elites dirigentes.

A análise internacional com uma perspectiva libertária (II)


Como disse em artigo anterior, o ofício de analista de relações internacionais escrevendo em uma publicação avançada é um ato didático. Para o exercício de análise, a exigência sempre será a separação de vozes e posições. Muitas vezes, a análise vai de encontro ao pressuposto normativo. Ou seja, dizemos aquilo que nos é apresentado como visível e não o que desejamos. É a eterna colisão entre o ser e o dever ser. Para infelicidade teórica e desgraça dos povos, as esquerdas confundem-se todo o tempo, variando de uma filosofia política abstrata para um cinismo resultado de derrotas históricas e falta de possibilidades amplas. Isto ocorre, de forma rotineira, em duas áreas e interdisciplinas das Relações Internacionais onde atuo: os Estudos Estratégicos (com ênfase em Geoestratégia e Geopolítica) e na Economia Política Internacional (com ênfase na crítica a Globalização Financeira e em prol da Economia do Desenvolvimento).
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Assim como é impossível não nutrir simpatias pelos países outrora não-alinhados, tampouco é razoável aderir a propostas de sociedades baseadas no culto à personalidade, liderança carismática e autocráticas. O mesmo se dá no campo da produção, circulação, distribuição, usufruto e descarte de bens e recursos materiais, virtuais, físicos ou simbólicos. Fazer a crítica de como este processo desenvolve-se em escala global no modo capitalista de produção, a crítica da economia política original, não significa aderir a teses de capitalismo de Estado (vulgo “socialismo” real) e nem de longe considerar justos os sistemas de mal menor ou pesos e contrapesos.
A multilateralidade no Sistema Internacional é uma necessidade, portanto a Organização Mundial de Comércio (OMC) é a menos injusta da tríade que organiza a mundialização financeira. Afirmar isso e considerar que a presença do diplomata brasileiro Roberto Azevedo como diretor-geral da OMC é um trunfo para o Brasil e os países do G-20, não significa que considere como aceitável o patamar de desenvolvimento proposto neste órgão. É válido como uma alternativa dentro do capitalismo globalizado, mas isso nem de longe se assemelha a qualquer tipo de internacionalização da produção no rumo do desenvolvimento sustentável, incluindo povos e culturas ancestrais.
O problema é que por vezes a crítica é mais urgente do que a proposição.  É preciso barrar a contraofensiva neoliberal; dissecar a criminosa Bolha Imobiliária de 2008 e suas terríveis consequências para o mundo, em especial para os direitos sociais duramente conquistados na Europa. Qualquer espaço tomado dos bancos, das agências de análise de risco e suas parceiras de informação planetária, dos grupos e fundos de investimento assim como toda a malha especulativa, sempre será algo positivo para o planeta. Mas, insisto. Isto não significa em aderir a teses keynesianas, artificialmente separando o capital produtivo do fictício. Criticar a economia bandida não é o mesmo que aderir a um “capitalismo mais humano”, se é que isso é possível.

*Cientista político e professor de relações internacionais (www.estrategiaeanalise.com.br / blimarocha@gmail.com)
Bruno Lima Rocha*, especial para o Jornalismo B 


FONTE: Publicado em http://jornalismob.com/2013/12/28/a-analise-internacional-com-uma-perspectiva-libertaria-i/ Acessado em 01/01/2014

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