O poeta é um fingidor. O jornalista, um vendedor. Este vende tanto, tão
completamente, que nem sente. Ou sente tarde. Jornalistas são, de fato,
os melhores potenciais vendedores que você pode encontrar. Diariamente,
ele vende sua pauta ao editor, diariamente tenta provar, no lead, por
A+B, por que é importante aquela noticia existir, ou aquele perfil de um
artista iniciante ou uma história curiosa que pode render um textaço –
nas mãos certas. Ele vende tanto e tão naturalmente que não se vê um
vendedor nato. E quando pula advertida ou inadvertidamente para o
marketing aí, sim, sente-se em casa e não volta para a Terra do
Fumódromo. Entramos numa era em que o jornalismo saltita, serelepe, rumo
ao marketing. Pedindo licença a Fernando Pessoa para adaptar seu
clássico, venho aqui fazer uma... venda.
O jornalismo tomou um pescotapa pesado quando, no fim dos anos 2000,
virou qualquer coisa ao começar a ser redenominado de conteúdo. A partir
dali, o marketing se apropriou do jornalismo, tornando o já desgastado
ofício em algo totalmente ultrapassado. Num primeiro momento, os
social-media
eram os caras, aqueles que sabiam todos os processos e ferramentas das
redes sociais, eram chamados de gênios da comunicação global,
conteudistas, estrategistas, os players. Enquanto deslizavam como
estrelas, os jornalistas assistiam a toda aquela transformação como
estátuas apavoradas. Perderam espaço em agências, em assessorias de
imprensa que queriam investir em mídias digitais, em agências de
publicidade. Até em redações.
Isso acabou. É uma afirmação tão certa quanto a derrocada do Fluminense
sem o patrocínio da Unimed. Dominados as ferramentas e os processos,
jornalistas, velhos e novos, atropelaram os
social-media. O
texto é melhor, o português é melhor, a noção do que de fato é
importante é absurdamente superior e a checagem é básica (em todos os
meus seis anos na área de marketing não conheci nenhum
social-media checador). Jornalistas, enfim, estão colocando os
social-media
de volta ao seu devido lugar. E, mais do que isso, os que enxergaram o
cume da montanha mais perto já migram suas pós, mestrados, MBAs,
doutorados etc. para o marketing. Entram no mar e não querem se secar.
Vida curta
O resultado desse fenômeno é descrito em dois movimentos opostos, mas
complementares: o primeiro é a falência de milhares de “agências
digitais” por absoluta incompetência conteudista dos
social-media; o segundo, a abertura de novas e igualmente incompetentes agências por
social-media
expurgados das médias e grandes agências por jornalistas mais
experientes. Vivemos, portanto, um momento em que o jornalista toma o
lugar do
social-media num círculo em que o protagonista da decadência é a ex-estrela
social-media.
Não vamos generalizar, mas precisamos entender o básico. No curso de
publicidade ensinam ao sujeito como vender um produto de todas as
maneiras possíveis, sem dó nem piedade, seja como for; no de jornalismo
aterrorizam você com a perfeição de um bom texto, do conteúdo, da forma e
das consequências do que você escreve. São sentimentos distintos. Seja
criativo versus seja responsável. E hoje, com agências representando
empresas em redes sociais, é importante entender que uma vírgula errada é
meia dúzia de clientes indo navegar na empresa concorrente.
Assim que a internet bateu no Brasil (1994-95), assistimos movimento
semelhante na forma da “modinha”. Diretores de jornais, assustados com
“a nova linguagem da internet”, pegaram um monte de moleques e
blogueiros e tacaram-os nas redações para “rejuvenescer” o papel. O
resultado foi catastrófico: a qualidade dos textos, as pautas absurdas,
as idiotices que só cabiam em blogs indigentes foram parar em nobres
páginas de jornalões – e logo rechaçados por assinantes tradicionais.
Complementando a investida desastrosa, pegaram os mais experientes e os
empurraram para os sites de notícias. Enfraqueceram o papel e
fortaleceram a internet. Demorou muito para os executivos das redações
entenderem que ambas as plataformas precisavam de gente experiente e
talentos novos. Um mix do melhor dos dois mundos.
Outra ventania de desespero no começo da internet foi a abertura, pelas
empresas jornalísticas, de centenas de vagas para blogueiros que não
tinham condições técnicas de habitar uma redação de jornal na era
pré-internet. Com Google, corretor etc, a partir do fim dos anos 90 o
jornalismo viveu uma abilolada fase, perdido, sem saber como lidar com
os novos tempos da comunicação. Toda aquela rigidez na seleção dos
jornalistas, dos anos 90 para trás, acabaria ali.
No começo dos anos 2010, os blogueiros, então estrelas moderninhas, tiveram que dividir as luzes com os
social-media. Aqueles caras que tinham muitos seguidores no Twitter, frases incríveis, grandes sacadas, imagens, até design bacana. Mas os
social-media
não duraram muito. Logo logo jornalistas e blogueiros descobriram como
usar todo o Facebook, o que fazer e o que não fazer, como montar um
anúncio, como engajar mais, como administrar uma crise de imagem na
internet. E os
social-media, apequenados, foram, e estão sendo, extirpados aos poucos do mercado.
Acima da média
O cenário é ruim para quem vive de comunicação digital. Agências on não
fecham mais a conta porque os clientes já sacaram a fragilidade técnica
dos garotos e agora estão em busca de porto-seguro. Aos poucos ,voltam
às agências tradicionais, com seus departamentos digitais recheados de
profissionais de conteúdo de altíssimo nível, alinhados ao marketing.
Estamos nesse momento numa fase ainda mais avançada da vingança do
jornalista contra o marketing. Os que tiveram coragem de levantar seus
assentos cansados da redação e respirar ares de marketing viraram baitas
gerentes comerciais, gerentes de projetos, gerentes de conteúdo,
gerentes de novos negócios, apresentando um
background acima da média dos triviais.
Vendem que nem sentem. Mas as empresas de comunicação já sentem.
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*Mario Marques é jornalista, CEO da LabPop Group, holding de 5 empresas nas áreas de marketing e vendas
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed830_decadencia_dos_social_media_traz_novo_papel_ao_jornalista__vender