quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

POLÍTICA INTERNACIONAL



Governo da Esquerda Radical na Grécia começa cancelando privatizações e aumentando salário mínimo

Rodolfo Mohr*, especial para o Jornalismo B 

Após a grande repercussão mundial da vitória da Syriza (Coalizão da Esquerda Radical) na Grécia, que obteve uma vitória acachapante de 149 dos 300 deputados do Parlamento, as primeiras questões práticas começaram a ser postas. Cancelamento do plano de privatizações impostos pela Troika, proposta de dobrar o salário-mínimo e a concessão de energia elétrica gratuita a 300 mil pessoas, que tiveram a luz cortada por falta de pagamento. Essas são as primeiras medidas concretas contra a grave crise humanitária que a austeridade impôs aos gregos.

syriza

Política é feita de teoria, de prática e também de símbolos. Alexis Tsipras, o novo primeiro-ministro, foi empossado na segunda-feira seguinte ao pleito, em uma cerimônia de 4 minutos, sem gravata, fez apenas o juramento civil e dispensou o religioso, seu primeiro gesto foi visitar e depositar uma coroa de flores ao monumento aos comunistas mortos pelos nazistas em Atenas. Na Grécia, existita até Tsipras a tradição do juramento religioso, junto ao Arcebispo de Atenas da Igreja Ortodoxa.
No terreno do concreto, a Syriza cancelou a “flexibilização do setor energético”, uma imposição da Troika. Dessa forma não será mais privatizada a estatal de energia e 300 mil pessoas tiveram a luz dos seus lares religada gratuitamente, por não terem condições de pagar as altas contas da energia. Tsipras iniciará o mandato com aumento do salário mínimo para 751 euros, face aos atuais 586. Acabará também o plano de requalificação dos servidores públicos: testes aos funcionários públicos que visava demitir os reprovados. Além disso, o governo vai mudar os prazos de pagamento dos cidadãos de suas dívidas com a Seguridade Social, que tem direito de 20 a  30% da já combalida renda familiar. Ou seja, um conjunto de iniciativas de ruptura com os ditames da Troika.
Formação do governo
Antes da posse, Tsipras celebrou a conformação do governo com os Gregos Independentes (GI), plataforma de centro-direita, que durante a última legislatura teve posições semelhantes às da Syriza no enfrentamento aos planos de austeridade da Troika. Evidentemente, que muitas posições são divergentes no plano dos costumes, dos direitos civis e humanos. Contudo, seria um enorme equívoco a Syriza não conformar governo por apenas duas cadeiras. O acordo que fez os GI darem o voto de confiança ao novo governo, passou apenas pelo acordo em romper com à austeridade e com a Troika. Nas demais questões, o Syriza buscará outras bancadas para garantir os dois votos necessários para obter a aprovação.
Sabemos desde a terça-feira, dia 27, que o Partido Comunista (KKE), de orientação estalinista, num gesto inacreditável de sectarismo, negou-se a conversar com a Syriza para conformação do governo. Sob a alegação de ruptura imediata com a Zona do Euro e com a OTAN, mais uma vez negaram o diálogo. Essa postura, aparentemente radical, tornou-se uma linha colaboracionista com os planos de Troika, já que enfraqueceram uma frente política e eleitoral desde o início da crise. Assim, abriam-se dois caminhos: o acordo com os GI ou passar à Nova Democracia, segunda colocada no pleito, a prerrogativa de formar governo. Caso não conseguisse, esse direito passaria aos neonazistas do Aurora Dourada – que mesmo perdendo votos e um deputado, ficaram em terceiro lugar. Mesmo com a hipótese quase nula de os neonazis, seria um desastre eles serem o centro da política grega, mesmo que por poucas horas. A opção de não formar governos seria virar as costas ao desejo popular, amplamente expresso nas urnas.
Pressões e Expectativa
O apoio entusiasmado de setores da esquerda mundial, como o Podemos da Espanha, o Bloco de Esquerda de Portugal e o PSOL no Brasil, não se traduz num cheque em branco. Essa não é a postura da esquerda coerente. A fiscalização das medidas tomadas por Tsipras e a Syriza, antes de ser feita pela esquerda, será feita pelo povo grego. A votação que garantiu metade do Parlamento grego à Syriza foi muito contundente, o recado foi muito claro: romper à austeridade para dar fim à crise humanitária, que faz com que 25% dos gregos estejam desempregados, com salários  e aposentadorias cortadas.
As pressões que se abatem sobre o novo governo grego são enormes. Sejam políticas que já chegaram no próprio domingo eleitoral dos ministros de Finanças dos países mais ricos da União Europeia (UE) e mesmo da cúpula da UE; seja diretamente econômicas com a queda de 5% da bolsa na Grécia, que “afetou” os mercados em todo o mundo. Os banqueiros europeus não brincam em serviço, ainda mais os banqueiros alemães credores da maior fatia da dívida grega, que hoje corresponde a 175% do PIB do país.
Há também pressões da socialdemocracia europeia e do próprio PT no Brasil, que esboçaram comemorar a vitória da Syriza. “Esquecem-se” que tanto esses partidos na Europa, quanto o PT no Brasil aplicam programas de austeridade, na contramão do programa vitorioso na Grécia. Portanto, o “apoio” do PT consiste mais em aconselhar o novo governo grego a moderação, tentando mundializar o estelionato eleitoral praticado mais uma vez, agora por Dilma e Levy, que retiram direitos trabalhistas e previdenciários, aumentam impostos e tarifas públicas, além de jogar o país à beira de um novo apagão energético.
Portanto, a Syriza precisa menos de fiscais e mais de apoio. Por todos os lados virão conselhos para abdicar do programa que levou à Syriza ao poder. Nós, do PSOL, apostamos que a pressão do povo grego e a firmeza programática da Syriza possam suportar essa pressão. Mas nada garante que isso se dê dessa forma. Por isso, estivemos na Grécia não apenas no último domingo, mas desde o princípio da eclosão da crise e do surgimento da Syriza como uma alternativa de poder.
Em poucos meses, os espanhóis irão às urnas. O Podemos lidera as intenções de voto e pode ser o próximo governo europeu de esquerda eleito contra a austeridade. Essa perspectiva de novos ares, de novas propostas, da ascensão de uma esquerda alternativa à farsa da socialdemocracia europeia e do que representa o PT no Brasil, é sim digna de apoio, de esperança e de muito trabalho. Afinal, o que nos cabe não é apenas um apoio à distância, é construir no Brasil uma plataforma política capaz de romper com o domínio dos mercados sobre a Economia, antes que a gente viva uma crise de proporções as da Grécia. Lutamos para que o Brasil supere o PT pela esquerda, com um programa popular e de mobilização, a exemplo do que fizeram os gregos.

*Jornalista, militante do Coletivo Juntos e do PSOL.

Fonte: http://jornalismob.com/2015/01/28/governo-da-esquerda-radical-na-grecia-comeca-cancelando-privatizacoes-e-aumentando-salario-minimo/

 

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