Governo da Esquerda Radical na Grécia começa cancelando privatizações e aumentando salário mínimo
Rodolfo Mohr*, especial para o Jornalismo B
Após a
grande repercussão mundial da vitória da Syriza (Coalizão da Esquerda
Radical) na Grécia, que obteve uma vitória acachapante de 149 dos 300
deputados do Parlamento, as primeiras questões práticas começaram a ser
postas. Cancelamento do plano de privatizações impostos pela Troika,
proposta de dobrar o salário-mínimo e a concessão de energia elétrica
gratuita a 300 mil pessoas, que tiveram a luz cortada por falta de
pagamento. Essas são as primeiras medidas concretas contra a grave crise
humanitária que a austeridade impôs aos gregos.
Política é
feita de teoria, de prática e também de símbolos. Alexis Tsipras, o
novo primeiro-ministro, foi empossado na segunda-feira seguinte ao
pleito, em uma cerimônia de 4 minutos, sem gravata, fez apenas o
juramento civil e dispensou o religioso, seu primeiro gesto foi visitar e
depositar uma coroa de flores ao monumento aos comunistas mortos pelos
nazistas em Atenas. Na Grécia, existita até Tsipras a tradição do
juramento religioso, junto ao Arcebispo de Atenas da Igreja Ortodoxa.
No terreno
do concreto, a Syriza cancelou a “flexibilização do setor energético”,
uma imposição da Troika. Dessa forma não será mais privatizada a estatal
de energia e 300 mil pessoas tiveram a luz dos seus lares religada
gratuitamente, por não terem condições de pagar as altas contas da
energia. Tsipras iniciará o mandato com aumento do salário mínimo para
751 euros, face aos atuais 586. Acabará também o plano de requalificação
dos servidores públicos: testes aos funcionários públicos que visava
demitir os reprovados. Além disso, o governo vai mudar os prazos de
pagamento dos cidadãos de suas dívidas com a Seguridade Social, que tem
direito de 20 a 30% da já combalida renda familiar. Ou seja, um
conjunto de iniciativas de ruptura com os ditames da Troika.
Formação do governo
Antes da
posse, Tsipras celebrou a conformação do governo com os Gregos
Independentes (GI), plataforma de centro-direita, que durante a última
legislatura teve posições semelhantes às da Syriza no enfrentamento aos
planos de austeridade da Troika. Evidentemente, que muitas posições são
divergentes no plano dos costumes, dos direitos civis e humanos.
Contudo, seria um enorme equívoco a Syriza não conformar governo por
apenas duas cadeiras. O acordo que fez os GI darem o voto de confiança
ao novo governo, passou apenas pelo acordo em romper com à austeridade e
com a Troika. Nas demais questões, o Syriza buscará outras bancadas
para garantir os dois votos necessários para obter a aprovação.
Sabemos
desde a terça-feira, dia 27, que o Partido Comunista (KKE), de
orientação estalinista, num gesto inacreditável de sectarismo, negou-se a
conversar com a Syriza para conformação do governo. Sob a alegação de
ruptura imediata com a Zona do Euro e com a OTAN, mais uma vez negaram o
diálogo. Essa postura, aparentemente radical, tornou-se uma linha
colaboracionista com os planos de Troika, já que enfraqueceram uma
frente política e eleitoral desde o início da crise. Assim, abriam-se
dois caminhos: o acordo com os GI ou passar à Nova Democracia, segunda
colocada no pleito, a prerrogativa de formar governo. Caso não
conseguisse, esse direito passaria aos neonazistas do Aurora Dourada –
que mesmo perdendo votos e um deputado, ficaram em terceiro lugar. Mesmo
com a hipótese quase nula de os neonazis, seria um desastre eles serem o
centro da política grega, mesmo que por poucas horas. A opção de não
formar governos seria virar as costas ao desejo popular, amplamente
expresso nas urnas.
Pressões e Expectativa
O apoio
entusiasmado de setores da esquerda mundial, como o Podemos da Espanha, o
Bloco de Esquerda de Portugal e o PSOL no Brasil, não se traduz num
cheque em branco. Essa não é a postura da esquerda coerente. A
fiscalização das medidas tomadas por Tsipras e a Syriza, antes de ser
feita pela esquerda, será feita pelo povo grego. A votação que garantiu
metade do Parlamento grego à Syriza foi muito contundente, o recado foi
muito claro: romper à austeridade para dar fim à crise humanitária, que
faz com que 25% dos gregos estejam desempregados, com salários e
aposentadorias cortadas.
As
pressões que se abatem sobre o novo governo grego são enormes. Sejam
políticas que já chegaram no próprio domingo eleitoral dos ministros de
Finanças dos países mais ricos da União Europeia (UE) e mesmo da cúpula
da UE; seja diretamente econômicas com a queda de 5% da bolsa na Grécia,
que “afetou” os mercados em todo o mundo. Os banqueiros europeus não
brincam em serviço, ainda mais os banqueiros alemães credores da maior
fatia da dívida grega, que hoje corresponde a 175% do PIB do país.
Há também
pressões da socialdemocracia europeia e do próprio PT no Brasil, que
esboçaram comemorar a vitória da Syriza. “Esquecem-se” que tanto esses
partidos na Europa, quanto o PT no Brasil aplicam programas de
austeridade, na contramão do programa vitorioso na Grécia. Portanto, o
“apoio” do PT consiste mais em aconselhar o novo governo grego a
moderação, tentando mundializar o estelionato eleitoral praticado mais
uma vez, agora por Dilma e Levy, que retiram direitos trabalhistas e
previdenciários, aumentam impostos e tarifas públicas, além de jogar o
país à beira de um novo apagão energético.
Portanto, a
Syriza precisa menos de fiscais e mais de apoio. Por todos os lados
virão conselhos para abdicar do programa que levou à Syriza ao poder.
Nós, do PSOL, apostamos que a pressão do povo grego e a firmeza
programática da Syriza possam suportar essa pressão. Mas nada garante
que isso se dê dessa forma. Por isso, estivemos na Grécia não apenas no
último domingo, mas desde o princípio da eclosão da crise e do
surgimento da Syriza como uma alternativa de poder.
Em poucos
meses, os espanhóis irão às urnas. O Podemos lidera as intenções de voto
e pode ser o próximo governo europeu de esquerda eleito contra a
austeridade. Essa perspectiva de novos ares, de novas propostas, da
ascensão de uma esquerda alternativa à farsa da socialdemocracia
europeia e do que representa o PT no Brasil, é sim digna de apoio, de
esperança e de muito trabalho. Afinal, o que nos cabe não é apenas um
apoio à distância, é construir no Brasil uma plataforma política capaz
de romper com o domínio dos mercados sobre a Economia, antes que a gente
viva uma crise de proporções as da Grécia. Lutamos para que o Brasil
supere o PT pela esquerda, com um programa popular e de mobilização, a
exemplo do que fizeram os gregos.
*Jornalista, militante do Coletivo Juntos e do PSOL.
Fonte: http://jornalismob.com/2015/01/28/governo-da-esquerda-radical-na-grecia-comeca-cancelando-privatizacoes-e-aumentando-salario-minimo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário