domingo, 4 de janeiro de 2015

RETROCESSO



Fim da Secretaria de Políticas para as Mulheres – RS: dois passos atrás


Ariane Leitão*

A confirmação da extinção da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres- SPM/RS provocou movimentações de diversos setores da sociedade gaúcha, na última semana. As galerias da Assembleia Legislativa, lotadas, constrangeram deputados e deputadas da base aliada do Governador eleito e o silêncio, que acatou a decisão do próximo executivo, conseguiu ser pior que as manifestações machistas dos deputados Mano Changes e Paulo Odone, ao ameaçar os movimentos feministas que ocupavam espaço legítimo na luta pela garantia de direitos. Lembro porém, que a famigerada decisão já fora anunciada diversas vezes durante o período eleitoral pela então candidata e Senadora Ana Amélia Lemos, corroborada pelo Governador eleito José Ivo Sartori, que cumpriu o prometido. Portanto, não estamos falando de fato novo ou surpreendente, tratamos aqui de uma decisão política, calcada em um projeto de governo que opta por “cortar gastos” às custas do ataque aos direitos humanos da população, e neste caso, aos das mulheres gaúchas.

Por Filipe Castilhos/Sul21

Sob a justificativa de que o estado precisa “equilibrar as finanças”, a maior conquista do movimento de mulheres do Rio Grande do Sul do último período, foi extinta sem delongas. O que parecia um pesadelo foi amenizado com a desistência de passar nossas políticas de emancipação para o Gabinete da Primeira Dama, sendo estas então, absorvidas pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Perdemos autonomia, visibilidade e prioridade dentro da administração estadual. Retrocedemos. A implementação de um espaço público de poder destinado à garantia dos direitos das mulheres, acordada e cumprida pelo atual Governador Tarso Genro, há quatro anos atrás, firmou ideais igualitários no Rio Grande e colocou a vida das mulheres entre as prioridades do último governo. Nunca tanto recurso público foi investido para as mulheres e meninas, nunca se falou tanto em políticas para as mulheres e sobre o nosso papel na sociedade, nunca se combateu tão fortemente a violência e o preconceito de gênero, nunca estivemos tão empoderadas.
A partir de uma nova perspectiva política, ocupamos espaços dentro e fora do governo. Avançamos no Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria Pública, nos legislativos, nos movimentos sociais, em casa e nas páginas dos jornais. Ainda que com a insistência de alguns grandes veículos de comunicação, saímos das páginas policiais e passamos para um novo patamar: divulgar conquistas. Por este motivo nossa secretaria foi extinta! O avanço que me refiro, trata-se de uma mudança cultural no estado gaúcho, trata-se de uma alteração no status quo de uma sociedade machista e misógina, que teve os privilégios masculinos questionados a partir de um ideário onde o homem não cumpre um papel social superior à mulher. Ou seja, a consolidação de uma sociedade calcada em preceitos democráticos fundamentais, como a equidade e igualdade. A reação às estas mudanças foi violenta. Convivemos com ondas de ataques à vida das mulheres, feminicídios em diferentes locais do estado em curtos espaços de tempo, enfrentamos o desrespeito de alguns setores da imprensa gaúcha que mergulhados no conservadorismo, invariavelmente, insistem em diminuir nossas conquistas, ridicularizando e ou invisibilizando nossa política, banalizando a subjugação. Os ataques às mulheres e ao feminismo só fizeram crescer no último período. A reação à nossa autonomia veio a galope.
Poderia discorrer aqui sobre números e dados que comprovam minha argumentação sobre a necessidade de existência da SPM/RS, no entanto, isso foi feito durante os quatro anos do nosso governo. A relativização da política pública que desenvolvemos e de seus resultados, faz parte da tática machista da próxima administração gaúcha, que vincula nossos avanços a questões circunstanciais, sem a responsabilidade devida de um governo que herda não só políticas públicas de governo, mas também de estado, introjetadas nos diferentes poderes instituídos. A Rede Lilás, pioneira no Brasil, abarcou as diferentes ferramentas de combate à violência e o preconceito contra as mulheres e meninas, e materializou a transversalidade de uma política que só dá certo quando trabalhada em parceria e com responsabilidades compartilhadas.
A justificativa de que é necessário cortar em custeio, é repetida como um mantra pelos homens que comandarão o Rio Grande nos próximos anos. No entanto, são pegos de surpresa por mulheres, que pasmem, entendem de contas públicas e questionam: porquê o corte da menor secretaria do estado, que tem baixíssimo custo e que desenvolveu ações e políticas tão significativas? Ou preservar a vida das mulheres não é tão importante? Nada surpreendente diante de um Governador eleito, que antes mesmo de tomar posse, se refere publicamente às mulheres como “as que mandam no lar” conforme disparou Sartori em entrevista à Zero Hora, deixando transparecer toda sua visão patriarcal sobre as mulheres. Ou pior, para um governo que sequer considera a participação das mulheres como algo necessário para o avanço civilizatório do país (no próximo governo apenas uma única mulher irá compor o secretariado gaúcho), onde ainda registramos números pífios de ocupação feminina em espaços de poder e que continua a figurar entre os mais violentos contra as mulheres.
Sim, os próximos anos serão de luta permanente para o movimento social no Rio Grande. Para nós mulheres, a partir do esvaziamento institucional, os espaços de participação social serão ainda mais importantes. Também teremos de estar atentas em relação a estes. Sobreviverão neste cenário? O retrocesso anunciado foi cumprido. O Rio Grande do Sul do Brasil e do mundo se apequena e fica circunscrito a uma visão conservadora e tacanha sobre o povo gaúcho. Perdemos direitos e para as mulheres dois passos atrás.

Nota do editor: Em inúmeros municípios do Brasil, o mesmo aconteceu. As secretarias municipais foram extintas, num enorme retrocesso à igualdade de gênero.

*Ariane Leitão é militante do movimento feminista, graduada em direito e ex-Secretária Estadual de Políticas Para as Mulheres do Rio Grande do Sul.

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