Fim da Secretaria de Políticas para as Mulheres – RS: dois passos atrás
Ariane Leitão*
A
confirmação da extinção da Secretaria Estadual de Políticas para as
Mulheres- SPM/RS provocou movimentações de diversos setores da sociedade
gaúcha, na última semana. As galerias da Assembleia Legislativa,
lotadas, constrangeram deputados e deputadas da base aliada do
Governador eleito e o silêncio, que acatou a decisão do próximo
executivo, conseguiu ser pior que as manifestações machistas dos
deputados Mano Changes e Paulo Odone, ao ameaçar os movimentos
feministas que ocupavam espaço legítimo na luta pela garantia de
direitos. Lembro porém, que a famigerada decisão já fora anunciada
diversas vezes durante o período eleitoral pela então candidata e
Senadora Ana Amélia Lemos, corroborada pelo Governador eleito José Ivo
Sartori, que cumpriu o prometido. Portanto, não estamos falando de fato
novo ou surpreendente, tratamos aqui de uma decisão política, calcada em
um projeto de governo que opta por “cortar gastos” às custas do ataque
aos direitos humanos da população, e neste caso, aos das mulheres
gaúchas.
Sob
a justificativa de que o estado precisa “equilibrar as finanças”, a
maior conquista do movimento de mulheres do Rio Grande do Sul do último
período, foi extinta sem delongas. O que parecia um pesadelo foi
amenizado com a desistência de passar nossas políticas de emancipação
para o Gabinete da Primeira Dama, sendo estas então, absorvidas pela
Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Perdemos autonomia,
visibilidade e prioridade dentro da administração estadual.
Retrocedemos. A implementação de um espaço público de poder destinado à
garantia dos direitos das mulheres, acordada e cumprida pelo atual
Governador Tarso Genro, há quatro anos atrás, firmou ideais igualitários
no Rio Grande e colocou a vida das mulheres entre as prioridades do
último governo. Nunca tanto recurso público foi investido para as
mulheres e meninas, nunca se falou tanto em políticas para as mulheres e
sobre o nosso papel na sociedade, nunca se combateu tão fortemente a
violência e o preconceito de gênero, nunca estivemos tão empoderadas.
A
partir de uma nova perspectiva política, ocupamos espaços dentro e fora
do governo. Avançamos no Judiciário, no Ministério Público, na
Defensoria Pública, nos legislativos, nos movimentos sociais, em casa e
nas páginas dos jornais. Ainda que com a insistência de alguns grandes
veículos de comunicação, saímos das páginas policiais e passamos para um
novo patamar: divulgar conquistas. Por este motivo nossa secretaria foi
extinta! O avanço que me refiro, trata-se de uma mudança cultural no
estado gaúcho, trata-se de uma alteração no status quo de uma sociedade
machista e misógina, que teve os privilégios masculinos questionados a
partir de um ideário onde o homem não cumpre um papel social superior à
mulher. Ou seja, a consolidação de uma sociedade calcada em preceitos
democráticos fundamentais, como a equidade e igualdade. A reação às
estas mudanças foi violenta. Convivemos com ondas de ataques à vida das
mulheres, feminicídios em diferentes locais do estado em curtos espaços
de tempo, enfrentamos o desrespeito de alguns setores da imprensa gaúcha
que mergulhados no conservadorismo, invariavelmente, insistem em
diminuir nossas conquistas, ridicularizando e ou invisibilizando nossa
política, banalizando a subjugação. Os ataques às mulheres e ao
feminismo só fizeram crescer no último período. A reação à nossa
autonomia veio a galope.
Poderia
discorrer aqui sobre números e dados que comprovam minha argumentação
sobre a necessidade de existência da SPM/RS, no entanto, isso foi feito
durante os quatro anos do nosso governo. A relativização da política
pública que desenvolvemos e de seus resultados, faz parte da tática
machista da próxima administração gaúcha, que vincula nossos avanços a
questões circunstanciais, sem a responsabilidade devida de um governo
que herda não só políticas públicas de governo, mas também de estado,
introjetadas nos diferentes poderes instituídos. A Rede Lilás, pioneira
no Brasil, abarcou as diferentes ferramentas de combate à violência e o
preconceito contra as mulheres e meninas, e materializou a
transversalidade de uma política que só dá certo quando trabalhada em
parceria e com responsabilidades compartilhadas.
A
justificativa de que é necessário cortar em custeio, é repetida como um
mantra pelos homens que comandarão o Rio Grande nos próximos anos. No
entanto, são pegos de surpresa por mulheres, que pasmem, entendem de
contas públicas e questionam: porquê o corte da menor secretaria do
estado, que tem baixíssimo custo e que desenvolveu ações e políticas tão
significativas? Ou preservar a vida das mulheres não é tão importante?
Nada surpreendente diante de um Governador eleito, que antes mesmo de
tomar posse, se refere publicamente às mulheres como “as que mandam no
lar” conforme disparou Sartori em entrevista à Zero Hora, deixando
transparecer toda sua visão patriarcal sobre as mulheres. Ou pior, para
um governo que sequer considera a participação das mulheres como algo
necessário para o avanço civilizatório do país (no próximo governo
apenas uma única mulher irá compor o secretariado gaúcho), onde ainda
registramos números pífios de ocupação feminina em espaços de poder e
que continua a figurar entre os mais violentos contra as mulheres.
Sim,
os próximos anos serão de luta permanente para o movimento social no
Rio Grande. Para nós mulheres, a partir do esvaziamento institucional,
os espaços de participação social serão ainda mais importantes. Também
teremos de estar atentas em relação a estes. Sobreviverão neste cenário?
O retrocesso anunciado foi cumprido. O Rio Grande do Sul do Brasil e do
mundo se apequena e fica circunscrito a uma visão conservadora e
tacanha sobre o povo gaúcho. Perdemos direitos e para as mulheres dois
passos atrás.
Nota do editor: Em inúmeros municípios do Brasil, o mesmo aconteceu. As secretarias municipais foram extintas, num enorme retrocesso à igualdade de gênero.
*Ariane
Leitão é militante do movimento feminista, graduada em direito e
ex-Secretária Estadual de Políticas Para as Mulheres do Rio Grande do
Sul.
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