domingo, 9 de abril de 2017

RPPNs


RPPN: A terra é particular, os benefícios são compartilhados


Por Angela Pellin

A primeira vez que ouvi falar em RPPNs — Reservas Particulares do Patrimônio Natural — foi no ano 2000. Eu ainda estava cursando Biologia na UFPR. Numa das aulas de campo da disciplina de Flora Local, fomos conhecer a RPPN Salto Morato, propriedade da Fundação Boticário. Lembro que a Reserva estava cheia de alunos fazendo cursos, estagiários, voluntários, pesquisadores em campo e visitantes, além de vários funcionários. O clima do lugar e sua beleza eram inspiradores!

RPPN Salto Morato (Fundação Grupo O Boticário). Foto: Adrian Moss


A primeira atividade, antes de entrarmos na mata para os levantamentos de campo, foi assistir uma palestra com o gestor da área — o simpático José Aurélio Caiut, que depois veio a se tornar um grande amigo. Com grande entusiasmo, ele nos falou sobre a motivação da Fundação em proteger aquele lugar. E falou de todo o trabalho que vinha sendo executado ao longo dos últimos anos. Me encantei! Passei a frequentar a Reserva primeiro como voluntária, depois como estagiária, e resolvi fazer minha monografia sobre a área. Foram mais de dois anos de muitos aprendizados e amizades que perduram até hoje. Depois disso, nunca mais consegui deixar de me envolver com o tema. Tanto que, quando precisei definir um projeto para o meu doutorado, não tive dúvidas: queria trabalhar com RPPNs!
Para mim, a importância dessa categoria de área protegida sempre foi clara.  A maior parte do território de nosso país é formado por propriedades particulares. E sabemos que apenas o estabelecimento de áreas públicas protegidas não é suficiente para garantir a conservação. Além disso, sempre vi nessa categoria uma beleza muito grande, que é o fato de ser um ato voluntário. É a sociedade civil somando esforços ao poder público nesse grande desafio que é a conservação da nossa biodiversidade.
RPPN no Brasil
A figura da RPPN surgiu no Brasil em 1990. Desde então, estima-se que foram criadas 1.391 reservas, que protegem aproximadamente 7.671 km² — dados recentes da Confederação Nacional de RPPNs. Sempre que olho para esses números, fico espantada! Essa é a categoria de unidade de conservação que tem o maior número disparado de áreas estabelecidas no Brasil. Por si só, esse dado já é bastante impressionante. Mas ele chama ainda mais atenção se considerarmos os enormes desafios que os proprietários dessas áreas precisam enfrentar para seu reconhecimento e gestão. A começar pela falta de benefícios e valorização por parte do governo e da sociedade em relação a essas iniciativas.
RPPN Fazenda Cabeceira do Prata (Eduardo Coelho). Foto: Daniel De Granville – Photo In Natura

Quando desenvolvi meu projeto de doutorado, ainda morava no Mato Grosso do Sul. Resolvi trabalhar com as RPPNs do Estado. Minha proposta foi analisar as motivações dos proprietários de terras para criação dessas áreas; compreender como se dava o processo de reconhecimento junto ao órgão federal e estadual, incluindo os principais problemas e entraves enfrentados; e ainda avaliar a eficácia de manejo dessas reservas.
Objetivos de manejo
Na minha pesquisa, identifiquei que os principais objetivos de manejo das RPPNs do Mato Grosso do Sul são a conservação de espécies e ecossistemas e a pesquisa. Grande parte delas também cita o turismo e a educação ambiental. Entretanto, nem todas as RPPNs têm desenvolvido atividades relacionadas a esses objetivos, com 38% delas se dedicando exclusivamente à conservação. Dentre as que possuem outras atividades, destaca-se a pesquisa em 62% delas. Turismo e educação ambiental ocorrem em apenas 24% e 9%, respectivamente. O artigo Motivações para o estabelecimento de RPPNs e análise dos incentivos para sua criação e gestão no Mato Grosso do Sul” aborda esse tema, e foi publicado na Revista Natureza & Conservação.
No Brasil, os estudos de avaliação da eficácia de manejo têm dado ênfase para as áreas protegidas públicas. São raros os casos de avaliações que incluem RPPNs. No meu projeto, eu desenvolvi um sistema de avaliação para reservas privadas com base na metodologia de Cifuentes, Izurieta e Faria (2000), que foi aplicado junto a 34 RPPNs do estado. Por meio dos resultados, foi possível classificar a gestão dessas áreas com uma gradação que ia de “muito inferior” até “padrão de excelência”. Também foi possível compreender quais os principais pontos fortes e os desafios relacionados à gestão dessas UCs.
RPPN Santa Cecília II (Daniel Martins Filho). Foto: Daniel De Granville – Photo In Natura

Gestão
Os aspectos da gestão que obtiveram melhor classificação foram os relativos aos usos atuais, a compatibilidade com as normas e os aspectos políticos e legais. Por outro lado, os aspectos mais frágeis foram o planejamento e ordenamento destas áreas, e a existência e utilização de conhecimento gerado por projetos de monitoramento e pesquisas na região para o manejo da área. O subsistema de RPPNs avaliado obteve uma classificação de 57,6% do total ótimo. Os resultados individuais variaram de 30,21% até 87,71%. Esse resultado demonstra que o manejo de muitas dessas áreas precisa ser aprimorado. Mas pode ser considerado mais positivo do que o obtido em diversas avaliações realizadas para áreas públicas.
RPPN Engenheiro Eliezer Batista (MMX Corumbá Mineração Ltda). Crédito: Instituto Homem Pantaneiro
Avaliação

O sistema de avaliação para gestão de RPPNs proposta no meu doutorado e aplicada no Mato Grosso do Sul foi o ponto de partida para novos trabalhos sobre o tema. Uma dissertação de mestrado já foi concluída — desenvolvida pela pesquisadora Marília Basniak. Outra dissertação de mestrado e uma tese de doutorado estão em fase de conclusão — desenvolvidas pelos pesquisadores Isaac Simão Neto e Gustavo Luis Schacht. Esses novos trabalhos vão trazer informações atualizadas sobre a situação da gestão das RPPNs no Paraná e Santa Catarina.
Aos poucos, vamos avançando no conhecimento sobre o tema. Está se estabelecendo uma base de dados que nos permitirá compreender melhor a contribuição que essas áreas vêm prestando à sociedade. E que nos ajudará a identificar suas principais fragilidades e potencialidades. A análise integrada desses resultados também deverá auxiliar no aprimoramento de programas governamentais e não governamentais de apoio à criação e gestão, com a priorização dos aspectos que representam os principais gargalos do sistema. Além disso, trabalhos como esses permitem uma análise das RPPNs individualmente, contribuindo para a sua gestão adaptativa e alcance dos seus objetivos de criação.
RPPN Fazenda Rio Negro (André Esteves). Foto: Daniel De Granville – Photo In Natura

Os resultados estão detalhados no artigo “Voluntary Preservation on Private Land in Brazil: Characterisation and Assessment of the Effectiveness of Managing Private Reserves of Natural Heritage”. O trabalho foi publicado no periódico Brazilian Geographical Journal.

Fonte: http://blog.ipe.org.br/rppn-beneficios-sao-compartilhados/

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