sábado, 21 de julho de 2018

ALEMANHA, CINEMA E CENSURA


FILMES PROIBIDOS NA ALEMANHA ORIENTAL

CRUCIAL PARA A ARTE


Em dezembro de 1965, teve lugar em Berlim a 11ª Sessão Plenária do Comitê Central do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED). Essa conferência do partido é considerada um dos marcos mais importantes da história cultural da República Democrática Alemã. Altos funcionários do partido se exaltaram com a “decadência” e o “ceticismo” na literatura e no cinema. A consequência foi uma onda de proibições.
“Somos todos escravos!” Essa frase está escrita em branco radiante na parede de uma fábrica em algum lugar em Berlim Oriental. Ela foi escrita por dois adolescentes cheios de raiva e frustração a respeito da burocracia reinante na empresa e da atitude paternalista dos colegas mais velhos. Mas sua revolta não se dirige apenas contra as circunstâncias sob as quais eles trabalham. A frase também vale para toda sua vida – uma vida marcada por ideologia, imposições do Estado e execução de planos socialistas. Isso tinha que acabar.

A cena faz parte de Berlin um die Ecke (Virando a esquina em Berlim, 1965), de Gerhard Klein e Wolfgang Kohlhaase, que foi, como todos os filmes da antiga Alemanha Oriental, produzido pela empresa cinematográfica pública Deutsche Film AG (DEFA). A cena era tão realista que poderia ter acontecido na vida real exatamente da mesma maneira. Para alguns funcionários do SED, o Partido Socialista Unificado da Alemanha, ela era até “realista” demais. Por causa dessa e de outras “cenas subversivas” que não glorificavam o cotidiano da Alemanha Oriental mas apontavam sem rodeios suas contradições e problemas, o filme Berlin um die Ecke foi proibido em meados de 1966. Sua estreia só aconteceu muitas décadas depois.

Trailer: „Spur der Steine“ | © DEFA-Stiftung, via youtube.com

Berlin um die Ecke 
não foi um caso isolado. Como resultado da 11ª Sessão Plenária do Comitê Central do SED, que entrou para a história da Alemanha Oriental sob a alcunha “Kahlschlag” (“desmatamento”), uma dúzia de filmes de ficção da DEFA foram proibidos ou tiveram sua produção paralisada. Entre eles, Spur der Steine (1966, direção: Frank Beyer), Karla (1965, direção: Herrmann Zschoche), Das Kaninchen bin ich (O coelho sou eu, 1965, direção: Kurt Maetzig) e Jahrgang 45 (Nascido em 45, 1966, direção: Jürgen Böttcher), alguns dos melhores filmes produzidos pela DEFA. A onda de proibições acabou de forma brutal com uma arrancada artística no cinema da Alemanha Oriental. Muitos dos filmes proibidos tinham em comum o desejo de contribuir para uma mudança: eles criticavam as condições sociais na Alemanha Oriental – não para acabar com o socialismo, mas para o “melhorar”. No entanto o ponto determinante para as proibições não foi apenas o tom subliminar de crítica social, mas também uma briga dentro da liderança do SED sobre como a Alemanha Oriental deveria se desenvolver no futuro.

ONDA DE PROIBIÇÕES

A 11ª Sessão Plenária teve consequências de longo prazo para o desenvolvimento da arte na Alemanha Oriental. Alguns romances e peças de teatro com críticas sociais não puderam ser publicados, numerosos artistas ficaram proibidos de exercer a profissão ou se apresentar publicamente. A DEFA foi particularmente atingida pelas repressões. Todos os filmes de ficção planejados na época foram inspecionados em relação a seus pontos de vista ideológicos. A onda de proibições durou até meados de 1966 e foi um dos grandes marcos da história do cinema da Alemanha Oriental. Nos anos seguintes, temas que continham crítica social só raramente puderam ser abordados. Os filmes proibidos permaneceram quase todos fora de circulação até 1989/90, quando a Alemanha Oriental foi dissolvida.

Enquanto a política de reformas teve grande ressonância entre a população, as tendências liberais foram controvertidas desde o início dentro da liderança do SED. Sobretudo a cultura mais liberal para os jovens, que se orientava por modelos ocidentais, constituía um problema para os funcionários dogmáticos do SED. O fato de muitos jovens da Alemanha Oriental se interessarem por beat music e fundarem algumas bandas muito populares, por exemplo, não foi tolerado por muito tempo. Os grupos beat foram proibidos, seus fãs, difamados como “arruaceiros” e tratados como delinquentes.

UM TRIBUNAL SIMBÓLICO


  • “Hände hoch oder ich schieße” (Hans-Joachim Kasprzik)© DEFA-Stiftung/ Wolfgang Ebert
    „Hände hoch oder ich schieße“ (Hans-Joachim Kasprzik)
  • “Fräulein Schmetterling” (Kurt Barthel)© DEFA-Stiftung/ E. Hartkopf, Rolf-Eckardt Rambow
    „Fräulein Schmetterling“ (Kurt Barthel)
  • “Der Frühling braucht Zeit” (Günter Stahnke)© DEFA-Stiftung/ Kurt Schütt
    „Der Frühling braucht Zeit“ (Günter Stahnke)
  • “Jahrgang 45” (Jürgen Böttcher)© DEFA-Stiftung/ Waltraut Pathenheimer
    „Jahrgang 45“ (Jürgen Böttcher)
  • “Das Kaninchen bin ich” (Kurt Maetzig)© DEFA-Stiftung/ Jörg Erkens
    „Das Kaninchen bin ich“ (Kurt Maetzig)
  • “Spur der Steine” (Frank Beyer)© DEFA-Stiftung/ Jörg Erkens
    „Spur der Steine“ (Frank Beyer)
  • “Karla” (Hermann Zschoche)© DEFA-Stiftung/ Eberhard Daßdorf
    „Karla“ (Hermann Zschoche)
  • “Berlin um die Ecke” (Gerhard Klein)© DEFA-Stiftung/ Heinz Wenzel
    „Berlin um die Ecke“ (Gerhard Klein)
  • “Wenn du groß bist, lieber Adam” (Egon Günther)© DEFA-Stiftung/ Kurt Schütt
    „Wenn du groß bist, lieber Adam“ (Egon Günther)
  • “Denk bloß nicht, ich heule” (Frank Vogel)© DEFA-Stiftung/ Jörg Erkens
    „Denk bloß nicht, ich heule“ (Frank Vogel)
  • “Der verlorene Engel” (Ralf Kirsten)© DEFA-Stiftung/ Peter Dietrich, Herbert Kroiss
    „Der verlorene Engel“ (Ralf Kirsten)
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A renúncia definitiva à política liberal para a cultura e a juventude foi finalmente selada pelo SED na 11ª Sessão Plenária do Comitê Central, de 15 a 18 de dezembro de 1965. Em seus discursos, altos funcionários como Erich Honecker, Paul Fröhlich e Paul Verner se exaltaram com o comportamento “imoral” da juventude da Alemanha Oriental. E, desde o início, a culpa foi colocada nos artistas. Com seu “ceticismo pequeno-burguês”, os escritores e cineastas difundiriam uma “cultura da dúvida” na Alemanha Oriental e incitariam os jovens à violência. Sobretudo os escritores Wolf Biermann, Werner Bräunig e Stefan Heym foram atacados na sessão plenária. Além disso, os filmes de ficção Denk bloß nicht, ich heule (1965), de Frank Vogel, e Das Kaninchen bin ich, de Kurt Maetzig, foram os alvos principais das críticas. Eles foram apresentados aos participantes como particularmente “nocivos” e difamados como “armações contrarrevolucionárias”.

A dura crítica à cultura veio a calhar para os funcionários dogmáticos do SED. Eles utilizaram as discussões com os artistas para se posicionar fundamentalmente contra todas as tendências liberais na Alemanha Oriental. A 11ª Sessão Plenária foi portanto um debate simbólico sobre o futuro desenvolvimento político da Alemanha Oriental, em que os críticos das políticas reformistas puderam se afirmar. Muitos dos argumentos apresentados contra os artistas eram meros pretextos: ambos os filmes da DEFA ainda não haviam sequer sido exibidos publicamente, não podiam portanto ter exercido nenhuma influência negativa sobre os jovens da Alemanha Oriental. Os textos de crítica ao sistema de Biermann ou Heym eram proibidos de ser publicados na Alemanha Oriental. O ponto principal para que eles fossen atacados como inimigos do partido na 11ª Sessão Plenária foi antes o fato de que eles haviam publicado suas obras no Ocidente. Para alguns funcionários do SED, isso representava uma “traição” ao socialismo.

ONDA DE PROIBIÇÕES

A 11ª Sessão Plenária teve consequências de longo prazo para o desenvolvimento da arte na Alemanha Oriental. Alguns romances e peças de teatro com críticas sociais não puderam ser publicados, numerosos artistas ficaram proibidos de exercer a profissão ou se apresentar publicamente. A DEFA foi particularmente atingida pelas repressões. Todos os filmes de ficção planejados na época foram inspecionados em relação a seus pontos de vista ideológicos. A onda de proibições durou até meados de 1966 e foi um dos grandes marcos da história do cinema da Alemanha Oriental. Nos anos seguintes, temas que continham crítica social só raramente puderam ser abordados. Os filmes proibidos permaneceram quase todos fora de circulação até 1989/90, quando a Alemanha Oriental foi dissolvida.

AUTOR

Andreas Kötzing é jornalista freelancer e historiador, além de dar aulas na Universidade de Leipzig e trabalhar como colaborador na pesquisas do Instituto Hannah Arendt de Dresden.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva
Copyright: Goethe-Institut e. V., Internet-Redaktion
Dezembro de 2015

Fonte: https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/mag/20678775.html

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