segunda-feira, 26 de setembro de 2011

JJ Rousseau/Discurso sobre a Desigualdade

"[...] Mas, para aquilatar o objetivo de tantos cuidados, seria preciso que as palavras poder e reputação tivessem um sentido para seu espírito e que soubesse existir uma espécie de homens que dão valor aos olhos do resto do mundo e se sentem satisfeitos consigo mesmos mais pelo testemunho de outrem do que dele próprio. Tal, com efeito, a verdadeira causa de todas essas diferenças; o selvagem vive em si mesmo; o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver baseando-se na opinião dos demais e chega ao sentimento de sua própria existência quase que somente pelo julgamento destes. Não cabe no meu assunto mostrar como de uma tal disposição nasce tamanha indiferença pelo bem e pelo mal, com tão belos discursos sobre a moral; como, tudo reduzindo-se às aparências, tudo se torna artifical e representado, seja a honra, a amizade, a virtude, frequentemente mesmo os próprios vícios com os quais por fim encontra o segredo de se glorificar; como, em uma palavra, perguntando sempre aos outros o que somos e não ousando jamais interrogarmo-nos a nós mesmos sobre esse assunto, em meio a tanta filosofia, humanidade. polidez e máximas sublimes, só temos um exterior enganador e frívolo, honra sem virtude, razão sem sabedoria e prazer sem felicidade. Basta-me ter provado não ser esse, em absoluto, o estado original do homem e que unicamente o espírito da sociedade e a desigualdade que ela engendra, é que mudam e alteram, desse modo, todas as nossas inclinações naturais.
Esforcei-me para expor a origem e o progresso da desigualdade, o estabelecimento e o abuso das sociedades políticas, quanto possam essas coisas deduzir-se da natureza do homem unicamente pelas luzes da razão e independentemente dos dogmas sagrados, que dão à autoridade soberana a sanção do direito divino. Conclui-se dessa exposição que, sendo quase nula a desigualdade no estado de natureza, deve sua força e seu desenvolvimento a nossas faculdades e aos progressos do espírito humano, tornando-se, afinal, estável e legítima graças aos estabelecimento da propriedade e das leis. Conclui-se, ainda, que a desigualdade moral, autorizada unicamente pelo direito positivo, é contrária ao direito natural sempre que não ocorre, juntamente e na mesma proporção, com a desigualdade física - distinção que determina suficientemente o que se deve pensar, a esse respeito, sobre a espécie de desigualdade que reina entre os povos policiados.[...]"

Trecho da conclusão do Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens (1755)

Jean-Jacques Rousseau -  1712 - 1778 -  importante filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo e um precursor do romantismo.

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