Guaíra (PR) – O coração de Amélia disparou ao
perceber o carro preto se aproximar lentamente e frear a seu lado. “Não,
nem conheço vocês”, responderia, assustada, depois de um dos ocupantes
baixar o vidro escuro e mandá-la entrar. A jovem de 19 anos tentou
escapar, mas não conseguiu. “Estava de salto e não pude correr”, conta,
com a voz baixa e as mãos a amarrotar um pedaço colorido do vestido.
“Ele pegou meu cabelo, tapou minha boca e me pôs pra dentro.”
Ao sequestro seguiram-se agressões e abusos sexuais. Amélia, nove
meses depois, ainda não consegue verbalizar. Repete apenas “judiaram
muito de mim” para descrever como sofreu nas mãos de três homens,
rodando pelas ruas com o som no último volume. “Tentei quebrar o vidro
com meu sapato, chutando, mas um deles pegou minha perna e sentou em
cima”, relata. “O outro me segurava e tapava minha boca para eu não
gritar. O que estava dirigindo tinha um revólver.”
Ao examiná-la, os médicos não encontraram vestígios que ajudassem a
identificar os agressores. A memória de Amélia, abalada, tampouco
contribuiria: a jovem nunca tinha visto os criminosos, e jamais
conseguiria retratá-los com exatidão.
A mensagem deixada, porém, Amélia não esquece: “Fala pra Funai que
nós vamos acabar com eles”, disseram, ao soltá-la num matagal, três
horas depois. O recado convenceu seus parentes e amigos – e as
autoridades – de que o sequestro não se tratou de um delito comum.
De pele morena, cabelos negros lisos e longos, não raro adornados com
penas coloridas, ela carrega inconfundíveis traços indígenas. Amélia
pertence à comunidade Guarani que vive nos arredores de Guaíra e Terra
Roxa, pequenos centros urbanos de uma região agrícola do oeste do Paraná
que faz divisa com Mato Grosso do Sul e fronteira com o Paraguai.
Seu irmão Inácio Martins, é cacique da aldeia Tekoha Marangatu,
retomada pelos índios da região em 2004. Mora e estuda lá. Pelas manhãs,
trabalha como estagiária no escritório da Coordenação Técnica Local que
a Fundação Nacional do Índio (Funai) mantém na cidade desde 2012. Seu
rapto ocorreu no trajeto entre a aldeia e a sede do órgão, pouco depois
das 7h, horário em que ela todos os dias deixa sua casa caminhar por 40
minutos até o estágio.
“Eles sabiam quem eu sou.”
Fronteira de crime
Fundada há 63 anos, Guaíra não é pacata como sugerem sua população de
30 mil moradores, as ruas tranquilas, revoadas de andorinhas e orelhões
com a forma de animais à beira da extinção. O
Mapa da Violência 2013, elaborado pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfiz, coloca
Guaíra como sétima cidade mais violenta do Brasil, a segunda do Paraná,
com uma taxa de 110,2 homicídios ao ano em cada 100 mil habitantes.
Guaíra também foi palco de
uma das maiores barbaridades brasileiras.
Em 2008, 15 pessoas foram mortas e oito ficaram feridas após homens
encapuzados invadirem uma favela e abrirem fogo. O episódio ficou
conhecido como a “maior chacina da história do Paraná”, e integra listas
de crueldades ao lado dos massacres do Carandiru, em São Paulo, e da
Candelária e de Vigário Geral, no Rio de Janeiro.
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Tadeu Breda
- Menina guarani pedala pelo Tekoha Jevy numa tarde de domingo
O subtenente Romualdo Amorim trabalhou durante cinco anos como
policial militar no município, hoje comanda o batalhão de Terra Roxa e é
categórico ao diagnosticar a origem dos assassinatos: “Nosso problema é
a fronteira e o crime organizado”, define, munido da experiência de
quem integrou forças especiais de repressão ao contrabando, roubo de
veículos e tráfico de drogas e armas.
“Normalmente são execuções provocadas por acertos de contas”,
comenta, lembrando que existe uma “alta concentração de barões do crime”
no departamento paraguaio de Canindeyú e na cidade de Salto del Guairá,
no outro lado do rio. “Membros de facções brasileiras vivem foragidos
por lá.”
A violência local convive com uma vocação econômica agrícola, baseada
em pequenas e médias propriedades. Por onde quer que se chegue, a
cidade se mostra rodeada de lavouras. No final de março, seu entorno
estava tomado por plantações de milho.
Juntas,
Guaíra e a vizinha
Terra Roxa colheram colheram
390 mil toneladas do grão em 2012, segundo números do Censo
Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e
produziram 120 mil toneladas de soja no período. Recorrendo
principalmente a sementes transgênicas, agricultores da região
cultivaram, em 2012, mais de 160 mil hectares de milho e soja, e
colheram um faturamento de R$ 250 milhões. Em Guaíra e Terra Roxa também
se plantam mandioca e trigo, e criam-se bovinos, suínos e aves.
A qualidade do solo do oeste do Paraná e sua intensa conversão ao
agronegócio colocou nas alturas o preço das propriedades rurais.
Levantamentos do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão
Rural (Emater), órgão do governo estadual com escritório em Guaíra,
mostram que o alqueire (cerca de 2,4 hectares ou dois campos de futebol)
é negociado por até R$ 100 mil.
“O oeste do Paraná tem a maior cadeia produtiva do frango e é um dos maiores produtores de milho e soja do país. E Guaíra, obviamente, está inserida nesse contexto”, define o prefeito da cidade, Fabian Vendruscolo (PT). “Nossas terras são muito produtivas. Por isso, uma demarcação indígena é tudo o que não queremos.”
Genocídio silencioso
Não há informações precisas sobre quantos guaranis vivem nos
municípios de Guaíra e Terra Roxa. ONGs que atuam na região estimam em
torno de 1.800. O
Censo do IBGE
identificou em 2010 pouco mais de 700, e a Secretaria Especial de Saúde
Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, atesta a presença de 1.300.
Os guaranis da região estão espalhados por 13 aldeias: oito em
Guaíra, cinco em Terra Roxa. A maioria fundada nos últimos quatro anos,
em terras que os índios afirmam terem vivido seus pais e avós – e eles
próprios, quando jovens ou crianças.
Outras, ainda segundo os indígenas, têm sido ocupadas
permanentemente. É o caso da aldeia Tekoha Porã, que fica na periferia
de Guaíra e está prestes a ser engolida pelo avanço do asfalto. Aos 96
anos, seu cacique, Cláudio Barros, mal consegue caminhar. Alega nunca
ter saído dali e relata ter trabalhado com erva mate e testemunhado a
passagem da Coluna Prestes (1925-1927).
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Divulgação
- Distribuição geográfica dos treze tekohas em Guaíra e Terra Roxa
Um
relatório
produzido pelo antropólogo Ian Packer, do Centro de Trabalho
Indigenista (CTI), sustenta que os guaranis do oeste paranaense sofreram
um intenso processo de “esbulho territorial” ao longo do século 20, e
que esse processo foi “conduzido sob a égide de um sistemático
descumprimento da legislação indigenista e de um genocídio silencioso”.
Segundo Packer, as violações cometidas contra os índios da região
foram “acobertadas” pelos dois regimes autoritários vividos pelo país
nos últimos 80 anos: o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura
civil-militar (1964-1985).
Leia mais aqui.
Seu estudo reúne referências históricas, documentos e entrevistas com
anciãos guaranis e procura demonstrar que a presença indígena em Guaíra
e Terra Roxa não é recente – nem a localização de suas aldeias,
aleatória.
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Tadeu Breda
- Com plantações de mandioca e milho, Tekoha Jevy está ameaçada por construção de porto
O antropólogo sustenta que uma das principais características do
povo guarani é a mobilidade de seus membros pelos diversos lugares que
ocupam tradicionalmente. “Há uma circulação constante de famílias e
indivíduos”, explica Packer, que, no entanto, não fala em nomadismo.
“São colonizadores dinâmicos”, prefere, salientando que taxá-los como
nômades tem sido uma estratégia para anular suas relações com a terra e
seus direitos sobre ela.
“Os grupos são autônomos para escolher seus lugares de ocupação, e
estabelecem seus assentamentos segundo critérios ecológicos, como a
presença de recursos naturais, e sociológicos, conforme suas redes de
parentesco”, anota. “Manter certa distância entre si é também uma forma
de evitar conflito entre núcleos familiares.”
A liberdade para se estabelecer em diferentes pontos de um amplo
território explicaria as razões que levam os guaranis do oeste
paranaense a transpor limites com Mato Grosso do Sul e Paraguai. “Para
eles, são fronteiras artificiais, que lhe foram impostas num passado
relativamente recente”, diz o antropólogo, lembrando que a divisão dos
Estados nacionais do Cone Sul é fenômeno posterior à presença – e à
formação cultural – dos guaranis.
Packer lembra que a presença indígena em Guaíra e Terra Roxa
num passado recente é atestada por relatos de alguns exploradores
enviados em missões oficiais do governo federal para mapear a região. Um
deles foi o tenente-coronel José de Lima Figueiredo, que, em 1937,
percorreu as margens do Rio Paraná. Em seu
livro de memórias,
o militar faz referências à “existência de silvícolas”, denunciada por
“velhas canoas” e “malocas”, e descreve a frustração por não conseguir
estabelecer contato com alguns deles: “Mal chegávamos, fugiam para a
mata, abandonando o que estavam fazendo”, anota.
Há ainda registros documentais e testemunhais de uso de mão de obra
indígena em condições análogas à escravidão para construção de postos
militares, colheita da erva-mate e abertura de primeiras estradas.
O relatório assinala que políticas indigenistas também serviram para
retirar os guaranis do oeste do Paraná. Uma das estratégias do extinto
Serviço de Proteção ao Índio (SPI), por exemplo, era conduzi-los à
reserva de Rio das Cobras, em Laranjeiras do Sul (PR), criada em 1901
para abrigar membros da etnia Kaigang. “É uma extrema violência e
imprudência juntar num mesmo espaço dois grupos inimigos, de tradições e
línguas diferentes”, argumenta o antropólogo.
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Tadeu Breda
- Cacique Assunção Benitez conta sobre chegada violenta de colonos
Criada em 1967 para substituir os desmandos do SPI, a Funai
também ajudou no êxodo guarani durante a ditadura. Por exemplo,
negando-se a emitir documentos aos índios em suas aldeias no oeste
paranaense. Quando se viam precisados de RG e certidões, tinham que
requisitá-los nas reservas de Porto Lindo, em Japorã (MS), e Jaguapiré,
em Tacuru (MS), onde eram instados a permanecer.
Outro acontecimento que prejudicou os guaranis de Guaíra e Terra Roxa
foi a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu (1975-1982). O
empreendimento teria provocado uma onda de regularização fundiária na
região, procedimento necessário para indenizar agricultores que haviam
se instalado nas terras prestes a serem alagadas. “O evento Itaipu
serviu para que a anormalidade fundiária reinante na região em função do
avanço descontrolado da colonização fosse regularizada às pressas pelo
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra)”, assinala Ian
Packer.
Os índios, porém, foram preteridos. O governo militar vetou
demarcações nas faixas de fronteira por razões de segurança nacional. E
adotou os chamados “critérios de indianidade”, que desconsiderou a
presença de guaranis e reduziu o número de famílias indígenas passíveis
de compensações.
Apesar de localizar-se em Foz do Iguaçu (PR), Itaipu impactou
diretamente a região. As inundações foram tão avassaladoras que
desapareceriam com as Sete Quedas, conjunto de cataratas que despencavam
por degraus rochosos. Guaíra, “lugar intransponível” em guarani, deve
seu nome ao extinto turbilhão.
Trinta anos depois da inauguração, em 1984, Itaipu rechaça ter
contribuído para a expulsão dos guaranis. “As comunidades indígenas
foram devidamente indenizadas e reassentadas sob a orientação da Funai”,
explica a assessoria de imprensa da usina, em nota. “As áreas
adquiridas representam muitas vezes o tamanho da área ocupada pelas
comunidades quando da formação do reservatório.”
No entanto, o relatório de Packer faz referência a um
memorando interno
escrito em 1987 pelo então diretor jurídico de Itaipu, Clóvis Ferro, em
que admite, para seus superiores, que as compensações foram tímidas: “O
pleito dos índios não é desarrazoado, de um lado; de outro, é evidente
que o relatório sobre o qual se baseou Itaipu não é veraz”, argumenta.
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Tadeu Breda
- Com 96 anos, Cláudio Barros é mais velho guarani de Guaíra
Por tudo isso, e após anos de pesquisa, Packer rebate com
veemência acusações de que os guaranis de Guaíra e Terra Roxa sejam
paraguaios ou sul-mato-grossenses. E critica a ideia de que jamais
viveram no oeste paranaense. Pelo contrário, defende, são remanescentes
das famílias que sobreviveram ao esbulho territorial iniciado em meados
do século 20. “Parte delas jamais abandonou e Outra parte retornou na
última década depois de um período de exílio em que, fugindo das
perseguições, se deslocaram para aldeias do Paraguai, interior do Paraná
ou Mato Grosso do Sul.”
‘Está aumentando índio aqui’
“Rapaz, não posso conversar com você agora”, afirma ao telefone o
agricultor Roberto Weber. “Tenho de sair voando para levar um
carregamento de agrotóxico.” Depois de algumas tentativas, Weber
finalmente atende o celular. “Amanhã também não dá. Passarei a semana
viajando.” Dez dias depois, de volta a São Paulo, nova tentativa.
“Agradeço seu interesse, mas andei dando uma olhada no seu site e achei
meio tendencioso”, justificou. “Conversar com você não vai me ajudar.
Então, acho melhor deixarmos as coisas assim. Obrigado.” E desligou.
Além de ser dono de terras no oeste do Paraná, Roberto Weber é
presidente da Organização Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade
(
Ongdip),
criada em março de 2013 como resposta dos produtores rurais ao que
consideram uma “onda de invasões” às fazendas. A Ongdip mantém estreita
relação com o Sindicato Rural de Guaíra. Em telefonema ao presidente da
entidade, Silvanir Rosset, este sugeriu: “Ligue para o senhor Weber.” Ao
saber da recusa do colega, Rosset saiu-se com uma evasiva válida apenas
para aquela ocasião de abril. “Tenho de declarar meu imposto de renda.”
Weber e Rosset lideram as vozes contrárias à demarcação de terras
indígenas. E são eles – Weber, sobretudo – que defendem a posição dos
agricultores em assembleias, eventos sociais e na imprensa.
Em junho do ano passado, o
Jornal Nacional deu destaque a um
relatório da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dizendo que a
Funai estava querendo demarcar “terras sem índios” em Guaíra e Terra
Roxa. A estatal viria a público imediatamente para
admitir que assuntos antropológicos estão fora de sua alçada, mas ainda assim
Weber apareceu diante das câmeras confirmando a tese. “Está aumentando índio aqui, estão vindo do Paraguai. São paraguaios.”
A Band também se interessou pelo tema. Em março, uma equipe da TV Tarobá, afiliada da emissora, foi
conduzida
pelo presidente da Ongdip a aldeamentos localizados em suas terras.
“Por medida de segurança, estamos apenas passando às margens de uma
invasão”, explicou a repórter, resguardada dentro da caminhonete do
agricultor. “A gente não pode parar porque os índios são agressivos.”
Além de conceder entrevistas críticas à Funai e aos índios, Ongdip e
Sindicato Rural estão à frente de campanhas para convencer cidadãos,
empresários, lojistas, políticos e, claro, produtores rurais sobre as
“consequências desastrosas” da demarcação e seus impactos sobre a
economia local. Aparentemente, estão conseguindo.
Na noite de 17 de março, o jornal local
O Presente noticiou que “centenas
de pessoas” atenderam ao chamado das entidades e se reuniram em Guaíra
para participar de um “fórum de esclarecimento das demarcações no
Paraná”. Na realidade, como o periódico estamparia em sua manchete,
tratava-se de um encontro de “lideranças” para se posicionar contra a
concessão de terra aos guaranis.
A assembleia lotou o anfiteatro da Universidade Paranaense. Weber e
Rosset estavam presentes ao lado dos prefeitos de Guaíra, Fabian
Venduscolo (PT), e de Terra Roxa, Ivan Reis (PP). O deputado federal
Dilceu Sperafico (PP-PR), da bancada ruralista no Congresso, também
compareceu. Em pauta, um rotundo “não” às ambições indígenas, e a
convicção de que as regras para demarcação de terras devem ser
modificadas imediatamente.
O comício ocorreria na esteira de uma temporada difícil para os
índios. No ano passado, era comum ver pelas ruas de Guaíra faixas com
dizeres “Demarcação indígena não combina com ordem e progresso”
assinadas pelo sindicato de agricultores.
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Divulgação
- Carro com adesivo anti-dermarcação (detalhe) nas ruas de Guaíra
Carros circulavam com adesivos com mensagens como “Minha terra,
minha vida. Não à demarcação indígena injusta. Juntos Paraná e Mato
Grosso do Sul”. Para-brisas e latarias também apareceram adornados com
lemas do tipo: “Verdade, alimento e união: base de uma nação. Confisco
não”, slogan acompanhado pela palavra “Funai” marcada por um xis
vermelho.
Em 14 de março, Ongdip e Sindicato Rural realizaram protesto na ponte
Ayrton Senna, que cruza o Rio Paraná em direção ao Mato Grosso do Sul e
ao Paraguai. Aproveitaram veículos trafegando em velocidade reduzida
oferecendo adesivos e distribuindo panfletos. Um deles trazia a foto
aérea de um lugar não identificado para ilustrar a “diferença” entre uma
área indígena e uma fazenda: a propriedade rural aparece bem-cuidada e
cultivada; a reserva da Funai ostenta um viçoso matagal.
Apócrifo, o texto contrapõe a contribuição de produtores e indígenas
para o bem-estar da nação. Enquanto o agronegócio cultiva 57 milhões de
hectares e colhe 180 milhões de toneladas de grãos, respondendo por 13%
do PIB, os índios disporiam de 113 milhões de hectares para produzir
nada, tampouco empregos e renda.
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Divulgação
- Faixa afixiada nas cercanias da rodoviária pelo Sindicato Rural de Guaíra
No verso, destaque para os “100 mil hectares” que o governo
federal estaria querendo destinar aos índios no oeste do Paraná. Segundo
o informativo, a Funai presenteará aos guaranis a faixa territorial de
230 quilômetros entre Guaíra e Foz do Iguaçu. E o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), ligado à igreja católica, e ONGs financiadas com
dinheiro internacional promovem, diz o folheto, “invasão de terras
produtivas e legais” com o intuito de “manchar nossos campos de sangue”.
O pleito dos agricultores foi parar nas redes sociais. No Facebook,
proliferam mensagens de ódio. Uma delas, postada em 26 de março de 2013
na página da comunidade
Agricultores Guaíra,
dizia que os índios “vão tudo em contêiner de volta ao Paraguai”. Havia
ainda conselhos aos moradores: “Vamos ensinar nossos cachorros a comer
índio em vez de ração, um a cada dois dias já está bom”.
Em abril, um internauta garantia que os guaranis “só querem dinheiro,
iPhone 5 e luxo”, e outro conclamava: “Fora Funai, fora índios, fora
tudo que impede o Brasil de produzir e se desenvolver.” No dia 5 daquele
mês, um jovem cravou: “Índios filhos da puta. Capa e depois mata um por
um”.
A área de comentários do site de notícias
Portal Guaíra
também virou receptáculo de intolerância no início do ano passado. “Pra
que eles querem essas terras? Só sabem ficar enchendo a cara”, escreveu
um leitor. Outro recomendava: “Se querem mordomia, que trabalhem para
isso”. Ou: “São índios, mas querem viver como classe média. Não temos
mais nem direito de ir e vir por medo desses bugres”. E também: “Lugar
de índio é no mato, não em cidade e em terras produtivas”.
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Facebook
- Comentário contrário à presença guarani no oeste do Paraná
“Eu vejo os guaranis acuados”, relata uma moradora da cidade que
repudia as manifestações antiindígenas. “Eles não têm direito de ir ao
mercado sem o povo ficar comentando. As crianças vão à escola e são
discriminadas. Teve professor que mandou um índio voltar pra casa e
tomar banho.”
Outro morador diz que falar em apartheid “seria exagero”, mas admite
que até pessoas que não seriam afetadas pela demarcação se posicionam
contra. “Há uma intolerância generalizada”, analisa, também sem se
identificar. “A histeria generalizada incute preconceito nas pessoas”.
A campanha teve efeitos práticos – e trágicos – para além da tela do computador.
Anatálio Ortiz, cacique da aldeia Tekoha Jevy, ocupada em 2010, conta
que se acostumou a ouvir hostilidades nas ruas e nos programas de
rádio. Quando caminha pela cidade, diz, não é raro que motoqueiros
passem por ele a toda velocidade, xingando, gritando para que
desapareçam. O cacique também já ouviu várias vezes uma frase que começa
aparentemente simpática: “Vai sair demarcação pra você, índio”, mas
explica: “Só que tá falando de túmulo, cemitério, que vou morrer e terei
minha terra.”
O cacique Ílson Soares relata que já foi seguido por uma caminhonete
enquanto pedalava entre o centro de Guaíra e a aldeia Tekoha
Y'hovyterra. Também já cruzou com motorista que, ao vê-lo, sacou de uma
arma e atirou para o alto. “Outro dia, eu caminhava pela rua e dois
adolescentes vinham na direção contrária. Quando cruzaram comigo,
levantaram a camisa e me mostraram um revólver: ‘Aqui pra você, índio’”,
acrescenta Ílson. “Se ameaça matasse, a gente já estava tudo morto.”
Alguns guaranis, porém, perderam a vida de maneira trágica durante os
períodos de maior tensão. É difícil estabelecer uma relação direta
entre as mortes e o clima de enfrentamento, mas, segundo algumas
lideranças, as hostilidades estão na raiz de algumas fatalidades
ocorridas na região.
-
Tadeu Breda
- Costumes são preservados pelos guaranis de Guaíra e Terra Roxa
Em dezembro de 2012,
uma idosa foi atingida por
um veículo em alta velocidade nas proximidades da rodoviária. O
motorista fugiu sem prestar socorro. Os guaranis lembram que alguns
carros passam perigosamente próximos dos índios por ruas e estradas.
Em novembro do ano passado, um guarani conhecido como Bernardino Ortega foi
assassinado com
um tiro nas redondezas da aldeia Tekoha Porã, na periferia de Guaíra.
Segundo a versão oficial, havia se envolvido em briga de bar – parentes
garantem que ele vinha sendo ameaçado durante todo o dia.
Entre 2012 e 2013, ao menos três guaranis cometeram suicídio nas aldeias do oeste paranaense. Todos haviam
sofrido algum tipo de hostilidade antes de tirarem a própria vida.
“Aqui, os níveis de suicídio indígena não são tão altos como no Mato
Grosso do Sul”, compara o subtenente Romualdo Amorim, comandante da
Polícia Militar em Terra Roxa. “Mas, quando você desfaz deles, dizendo
que não prestam pra nada, alguns internalizam a ofensa e não conseguem
lidar com a humilhação.”
Um dos índios que decidiram acabar com a própria vida, ainda
adolescente, era constantemente chamado de “invasor” pelos colegas da
escola. Outro havia ouvido de uma assistente social que jamais
conseguiria emprego e que seria melhor se morresse de uma vez.
As hostilidades também atingiram funcionários do escritório da Funai. Em fevereiro, o antropólogo Diogo Oliveira, um dos técnicos do órgão indigenista, pediu transferência
após ser informado que sua cabeça estava a prêmio. Antes de saber que
havia se transformado em possibilidade de renda para os pistoleiros da fronteira, Diogo havia sido ameaçado várias
vezes na rua. Numa delas, um motorista abriu o vidro do carro, mostrou
uma arma e disse: “Tá vendo, vamos acabar com todo mundo.” Outra vez, um
cidadão entrou na sede da Funai e o advertiu: “Vou perder a cabeça com você.”
Outro indigenista, que prefere não se identificar, mandou a enteada e os dois filhos para morar longe do conflito. “Eu mesmo já pensei em sair de Guaíra, mas só vou quando se a coisa azedar de vez.” Para amenizar a perseguição, Diogo retirou o
adesivo da Funai da caminhonete que utiliza. Mas admite a pouca
eficácia da estratégia: seu rosto e sua compleição física são conhecidos
por todo mundo. “Já cansei de ser xingado de ‘Funai filho da puta’ na rua”, diz. “Também costumam passar de carro ou moto gritando: ‘Vai morrer, Funai!’”
O funcionário conta que abandonou o hábito de ir a restaurantes. E
contabiliza episódios em que foi destratado na farmácia, na padaria e
seguido pela rua.
Entre ameaças, agressões, hostilidades e mortes, a tensão foi se
agravando até o sequestro seguido de abusos sofrido pela jovem Amélia. A
partir daí, os ânimos parecem ter se amainado. “Acho que perceberam que
estavam indo longe demais”, avalia Diogo. Mas, entre os guaranis e seus
poucos apoiadores na cidade, ninguém acredita que a sociedade guairense
tenha tomado consciência sobre os direitos indígenas e mudado sua
opinião sobre as demarcações.
Um quadro muito negativo
O procurador da República Henrique Gentil Oliveira encontrou um
cenário de “muito litígio” entre índios e produtores rurais quando
desembarcou em Guaíra em abril de 2013 para trabalhar no escritório
local do Ministério Público Federal (MPF). Uma de suas primeiras
atitudes foi conhecer a situação dos guaranis, já que uma das missões da
procuradoria é assegurar o cumprimento das garantias constitucionais
dos povos indígenas.
Na companhia de um colega e de funcionários da Funai, entrou em
contato com caciques e visitou as aldeias da região. “Verificamos que os
índios viviam em condições complicadas. A maioria não recebia água
potável, não tinha eletricidade ou acesso a moradia. A alimentação era
precária. Enfim, era um quadro muito negativo”, relata.
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Tadeu Breda
- Tekoha Porã é aldeia mais antiga e das mais pobres de Guaíra
Foram produzidos relatórios sobre as 13 aldeias de Guaíra e Terra Roxa. Em junho de 2013,
publicaram tudo na internet,
proporcionando notícias inéditas sobre as condições degradantes em que
vivem os guaranis da região. Também começaram a agir institucionalmente
para que seus direitos básicos fossem minimamente assegurados pelo poder
público municipal, estadual e federal. Ao menos 45 procedimentos administrativos foram instaurados.
“Buscamos fornecimento de água, energia e cestas básicas, auxílios
para moradia e inscrição nos programas de transferência de renda”,
continua Henrique. “Houve progressos: boa parte das casas já tem acesso a
água e luz elétrica, por exemplo. Mas as condições de vida estão longe
de ser aceitáveis.”
Querelas jurídicas impedem que os índios se beneficiem de alguns de
serviços públicos, como construção de escolas ou crédito para plantio.
“Ao menos oito possuem litígio possessório. Como estão em áreas
formalmente pertencentes a outras pessoas, e há ordens de reintegração
de posse, isso acaba sendo uma dificuldade.”
Henrique acredita que o trabalho do MPF foi fundamental para
distender os ânimos na cidade. Governos começaram a prestar mais atenção
aos guaranis e a Justiça Federal, a reprimir arroubos racistas. “As
postagens preconceituosas na internet já não ocorrem com tanta
intensidade”, analisa o procurador. “A circulação de panfletos apócrifos
também diminuiu.”
O MPF de Guaíra recebeu no ano passado mais de 100 comunicações de
crime de intolerância: gente que compilou mensagens de ódio dentro e
fora das redes sociais, e as encaminhou à procuradoria. Além de
funcionários da Funai e ONGs, moradores revoltados com a campanha
difamatória ajudaram a detectar possíveis criminosos.
“Instauramos vários inquéritos”, afirma Henrique, revelando que é
preciso cautela ao tipificar o crime de racismo. “É delicado distinguir
onde termina a opinião e onde começa o delito. Houve pessoas ouvidas
pela Polícia Federal, algumas foram denunciadas à Justiça e estão
respondendo a processo.”
Batalha antropológica
Em 17 de fevereiro, a Funai publicou no
Diário Oficial da União
portaria instituindo um Grupo Técnico (GT) de quatro membros para
“realizar os estudos complementares de natureza antropológica,
cartográfica e ambiental necessários à identificação e delimitação das
áreas ocupadas pelos guaranis no município de Guaíra e Terra Roxa”. A
determinação retoma uma portaria anterior, de fevereiro de 2009, que já
havia nomeado especialistas para analisar as reivindicações. Nenhum
relatório foi apresentado – e o processo não andou.
Em maio de 2013, uma determinação do ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, paralisando todas as análises demarcatórias no país,
ajudou a jogar para mais longe uma possível concretização das demandas
indígenas no oeste do Paraná. A decisão foi tomada pouco depois do
assassinato de um terena em Sidrolândia (MS), há 500 quilômetros de
Guaíra e Terra Roxa, mas afetou os guaranis. Em fevereiro, a Funai só
instaurou o novo GT obrigada por decisão judicial.
Composto por dois antropólogos e dois geógrafos, o grupo teria 12
dias para realizar pesquisas de campo, e mais 130 para finalizar o
relatório. As diligências ainda não começaram, mas a iminência de sua
chegada voltou a acirrar os ânimos.
Uma grande assembleia organizada pelo Sindicato Rural de Guaíra e
pela Ongdip em 17 de março foi um exemplo de como a nova portaria mexeu
com os produtores. Proprietários também contrataram antropólogos que
produzam estudos em sua defesa. Ao menos seis especialistas
trabalham na confecção do laudo, sob coordenação de Antônio Pimentel
Pontes Filho, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste) e dono da Pontes Consultoria & Pesquisa, com sede em Toledo (PR).
As pesquisas tiveram início em março em basicamente duas frentes.
Uma, orientar e ajudar a compreensão dos produtores rurais sobre o
processo demarcatório. Outra, reunir documentos, depoimentos e qualquer
informação relevante para que os agricultores comprovem a posse legal
das terras que ocupam. “Da mesma maneira que os índios dizem para a
Funai que aquelas terras são deles, os agricultores dizem que eles é que
são os donos”, explica Pontes. “Eles possuem documentos com mais de 50
anos, e agora estão se sentindo lesados em seus direitos.”
“Da mesma maneira que os índios dizem para a Funai que aquelas terras
são deles, os agricultores me falam que eles é que são os donos da
terra”, explica Pontes. “As famílias possuem documentos com mais de
cinco décadas, chegaram lá décadas atrás, algumas há muito mais tempo, e
agora estão se sentindo lesadas em seus direitos.”
-
Tadeu Breda
- Escola improvisada no Tekoha Y'hovy ensina o idioma guarani às crianças
O antropólogo conta que o objetivo é apresentar as perícias
favoráveis aos produtores durante o prazo estabelecido na legislação
para que o relatório da Funai seja contestado. Caso não obtenham
sucesso, o material será reaproveitado em futuras ações judiciais. “Eu
vou sugerir aos agricultores o que eles podem ou não usar juridicamente,
analisar se têm documentações que podem ser apresentadas pelos
advogados”, diz Pontes.
Caso não obtenham sucesso, o material será reaproveitado em futuras
ações judiciais. “É uma questão que normalmente se resolve nos
tribunais”, prevê Pontes. “Eu vou sugerir aos agricultores o que eles
podem ou não usar juridicamente, analisar se têm documentações que podem
ser apresentadas pelos advogados.”
De acordo com o prefeito de Guaíra, Fabian Vendruscolo, os
proprietários da região estão investindo “recursos de alta monta” na
contratação do estudo. Porém, se recusou a falar em valores. O
antropólogo responsável também se negou a entrar em detalhes financeiros
sobre o trabalho – e se ofendeu com a pergunta.
“Os agricultores poderiam estar preocupados apenas em produzir, mas
estão tendo que gastar dinheiro para se defender das demarcações”,
reclama o prefeito, ele mesmo membro de uma família de fazendeiros cujas
terras estão parcialmente ocupadas pelos guaranis.
À procura de um caminho
De acordo com o prefeito de Guaíra, Fabian Vendruscolo, os
proprietários da região estão investindo “recursos de alta monta” na
contratação do estudo. O antropólogo responsável não quis dar detalhes
financeiros sobre seu trabalho – e se ofendeu com a pergunta. “Os
agricultores poderiam estar preocupados apenas em produzir, mas estão
tendo de gastar dinheiro para se defender das demarcações”, reclama o
prefeito, ele mesmo membro de uma família de fazendeiros cujas terras
estão parcialmente ocupadas pelos guaranis.
Assim como os agricultores, o prefeito alega que não havia índios na
cidade. “Nasci aqui e vou completar 50 anos vivendo aqui. Não tenho
lembrança de vê-los. Se houve indígenas nos últimos 100 anos, nós nem os
considerávamos indígenas. Para nós, eram paraguaios que moravam em
Guaíra”, argumenta.
Vendruscolo lembra que, caso demarque terras na região, o governo
federal estaria repetindo uma injustiça histórica. “Há 30 anos fomos
convocados pela União para perder as Sete Quedas”, lamenta, recordando
que as inundações promovidas por Itaipu prejudicaram o turismo e a
economia da cidade. “Nunca recebemos a devida compensação. Agora, querem
novamente intervir no território municipal.”
-
Tadeu Breda
- Às vésperas da Copa, guaranis adequam slogans que ficaram comuns nas capitais
O prefeito revela que desde então Guaíra está à procura de um
“novo caminho para o desenvolvimento”, e não aceita que o crescimento
econômico seja posto em risco.
Vendruscolo aposta num projeto conhecido como Plataforma Logística de
Guaíra. Incluído no plano diretor em 2008, a plataforma prevê a
construção de um porto comercial no Rio Paraná, numa região que já
abriga o aeroporto municipal e a rodovia BR-272.
“É o lugar ideal para escoar a produção regional, e
ficará completo quando o governo federal trouxer uma ferrovia”,
acrescenta. “Estamos dialogando com investidores desde 2007, mas um
grupo de guaranis decidiu entrar na área e estão ameaçando inviabilizar o
projeto, estratégico para o município.”
Vendruscolo se refere a Tekoha Jevy, uma das maiores e mais prósperas
aldeias da região. Lá, os indígenas mantêm grandes plantações de
mandioca e milho, além de roçados de abóbora e feijão. A reportagem
esteve em abril no território que abriga cerca de 300 pessoas. Havia uma
enorme porção de terra arada e preparada, esperando a chegada das
sementes. A construção de uma escola era finalizada.
A possibilidade de que o porto naufrague por causa da ocupação
indígena não é o único motivo de tensão para o prefeito. Ele teme
“enfrentamentos civis indesejáveis” caso a demarcação deixe de ser
apenas uma reivindicação dos guaranis e comece a sair do papel.
O prefeito anuncia que a demarcação de terras a partir da
desapropriação dos agricultores – com uso da Força Nacional, se
necessário – jamais será aceita pela população. “Mais de 90% é contra.
Se houver desintrusão, haverá conflito. Não se pode assegurar direitos
para os índios retirando direitos dos proprietários.”
Vendruscolo, porém, não deseja expulsar os guaranis. “Já são cidadãos
do município”, adianta. “Enquanto a situação não se resolve, passamos a
distribuir 160 cestas básicas por mês, fizemos documentação para 200
índios serem incluídos no Bolsa Família e colocamos 200 crianças
indígenas nas escolas municipais.”
Na visão do prefeito, a melhor solução para o impasse se esconde na
riqueza gerada pelas turbinas de Itaipu. “A usina poderia comprar terras
e construir reservas”, propõe, lembrando que Guaíra é um dos 16
municípios lindeiros ao lago da hidrelétrica. “Itaipu já tomou atitudes
semelhantes em Diamante D’Oeste (PR) e São Miguel do Iguaçu (PR). Como a
usina tem duas áreas ocupadas pelos guaranis em Guaíra e Terra Roxa,
esse pode ser o meio correto para resolver a questão.”
-
Tadeu Breda
- Jovens guaranis anotam histórias contadas pelos mais velhos à Comissão da Verdade
Em nota, Itaipu adianta que não pretende seguir o conselho:
“Temos dialogado com Funai, prefeitura, governo do estado e outras
instituições no sentido de colaborar para uma solução pacífica da
questão. Não cabe, no entanto, a Itaipu, enquanto entidade binacional, a
responsabilidade de aquisição de áreas para formação de aldeamentos
indígenas, o que é de competência dos governos centrais de ambos os
países por meio de seus órgãos constituídos para tal fim”.
Pese à negativa da usina, para o prefeito o maior entrave ainda é a
Funai. Talvez por isso já tenha se deixado fotografar na companhia de
agricultores ao lado de uma faixa com o tradicional lema do ruralismo
nacional: Ou o Brasil acaba com a Funai, ou a Funai acaba com o Brasil.
“O povo quer resolver o problema dos índios. E os índios
aceitam propostas que não passem pela demarcação”, garante Vendruscolo,
citando iniciativas frustradas da prefeitura em construir casas
populares para 88 famílias guaranis no perímetro urbano da cidade. “Nada
funciona, porque a Funai dificulta.”
“São palavras ao vento”, rebate Diogo Oliveira,
antropólogo que trabalhou por dois anos no escritório que o órgão
indigenista mantêm na cidade. O servidor afirma que nunca recebeu
propostas objetivas da prefeitura durante todo o tempo em que esteve em
Guaíra. “O que temos de concreto são 400 famílias guaranis em situação
de vulnerabilidade, aguardando ser atendidas pelo Estado brasileiro.”
Há cerca de quatro anos, o choque de interesses no oeste do Paraná
inaugurou novo capítulo em uma história que pode parecer recente, mas
remonta ao passado. E cujo futuro, se pacífico ou sangrento, ninguém
arrisca prever. Ou quase ninguém.
“Se houver demarcação, a coisa vai ferver. E pode até ter
conflito”, diz um dos funcionários da Funai. “Mas depois os índios vão
ter acesso à terra e parte desse deserto químico, essas plantações
cheias de agrotóxicos que vemos ao redor da cidade, vai virar uma mata.
Com a floresta regenerando, talvez a população não veja mais os
indígenas de maneira negativa. Principalmente as gerações mais jovens.”
E a fronteira?
Para o prefeito de Guaíra,
Fabian Vendruscolo, pode ser uma grande irresponsabilidade demarcar
terras indígenas na fronteira com o Paraguai. “As autoridades estão há
anos tentando combater a entrada do contrabando, do tóxico e do
armamento”, explica, sugerindo que, com a demarcação, os índios poderão
entrar e sair do país sem qualquer problema. “Há 30 mil guaranis no
departamento paraguaio de Canindeyú. Imagina o descontrole fronteiriço
que uma demarcação pode ocasionar?” Vendruscolo não acusa diretamente os
indígenas como potenciais agentes do crime organizado na região, mas
pondera: “Na fronteira é tudo mais tenso e complexo.”
A legislação
brasileira, porém, não veda a demarcação de terras indígenas em zonas de
fronteira. Essa determinação foi ratificada em outubro de 2013 pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) durante julgamento dos embargos
declaratórios relativos à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em
Roraima. O território ocupa uma ampla faixa fronteiriça entre Brasil e
Venezuela.
Em 2009, o STF, por recomendação do ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
impôs
19 condicionantes para aceitar a demarcação proposta pela Funai e
homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005. Uma delas
diz que “a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área
indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará
independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à
Funai”.
Ao ratificar a validade das condicionantes, o ministro Luís Roberto Barroso, relator dos embargos,
decidiu
que os 19 itens são aplicáveis apenas à Terra Indígena Raposa Serra do
Sol. “As decisões do STF não possuem sempre e em todos os casos caráter
vinculante”, reconheceu. Mas ponderou: “Tendo a Corte enunciado sua
compreensão acerca da matéria, é apenas natural que esse pronunciamento
sirva de diretriz para as autoridades que venham a enfrentar novamente a
questão.”
O procurador da República em Guaíra, Henrique Gentil
Oliveira, acredita que o recente acórdão do STF basta para que novas
demarcações ocorram em áreas fronteiriças – inclusive no oeste
paranaense. “Seguindo essa linha, com Exército e Polícia Federal podendo
entrar na área, não entendo que uma demarcação aqui na fronteira traria
problemas para a segurança nacional.”
*Título editado.
FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/07/guaranis-do-parana-resistem-a-preconceito-enquanto-exigem-demarcacoes-na-fronteira-com-paraguai-6739.html?fb_action_ids=658405550914957&fb_action_types=og.likes -Acesso em 11/07/2014