sexta-feira, 8 de maio de 2015

RPPNs - CONSERVAÇÃO EM TERRAS PRIVADAS



ENTREVISTA


Angela Pellin – Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)


"As estratégias de conservação em terras privadas são importantíssimas quando consideramos que a maior parte do nosso território é formada por áreas privadas e que nossas áreas protegidas públicas são insuficientes para garantir a conservação da biodiversidade."
 
Foto Angela Pellin

 Angela Pellin

Bióloga, Especialista em Biologia da Conservação, Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental

Atuou como gestora ambiental na Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso do Sul, foi coordenadora de projetos na Fundação Neotrópica do Brasil e atualmente é pesquisadora e coordenadora de projetos no IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas e docente no curso de mestrado da ESCAS - Escola de Conservação Ambiental e Sustentabilidade. Já atuou na coordenação e componente de planejamento do plano de manejo de mais de 10 UC, entre elas cinco RPPN. Também já atuou em projetos de apoio a criação de áreas protegidas, incluindo RPPN, em projetos de REDD+ e de planejamento e gestão integrada do território. Possui diversas publicações com o tema áreas protegidas, conservação em terras privadas e política ambiental. Desenvolveu seu projeto de especialização e tese de doutorado com o tema RPPN.
  
Quando você começou a atuar na área ambiental?
Comecei a atuar na área ambiental no ano de 2001 quando cursava o curso de Ciências Biológicas na Universidade Federal do Paraná e foi nessa mesma época que comecei a desenvolver estágio e trabalho voluntário na RPPN Reserva Natural Salto Morato da Fundação Grupo Boticário, que foi o meu primeiro contato com o tema.

Em qual instituição você trabalha e qual a sua função?
Sou pesquisadora e coordenadora de projetos relacionados a áreas naturais protegidas no IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e docente na ESCAS – Escola deConservação Ambiental e Sustentabilidade. Atualmente também sou Diretora Técnico-Científica da CNRPPN - Confederação Nacional de RPPN.

Na sua opinião, qual a importância das RPPN?
As estratégias de conservação em terras privadas são importantíssimas quando consideramos que a maior parte do nosso território é formada por áreas privadas e que nossas áreas protegidas públicas são insuficientes para garantir a conservação da biodiversidade. As áreas protegidas privadas possibilitam o aumento da conectividade da paisagem e oferecem uma série de serviços ambientais valiosos. Além disso, as RPPN representam oportunidades para ampliar o conhecimento de nossas áreas naturais por meio de estudos científicos e para realizar atividades turísticas, de educação ambiental e sensibilização da sociedade.
Outro aspecto bastante importante é que a figura das RPPN permite um maior compartilhamento das responsabilidades sobre a conservação da natureza em nosso país, favorecendo a participação voluntária da sociedade civil nesse processo.

Qual a principal dificuldade que os proprietários de RPPN encontram em manter sua RPPN?
O tema do meu doutorado foi a criação e gestão de RPPN no Mato Grosso do Sul e o estudo se baseou em três componentes principais: I. os desafios para a criação de RPPN, com uma análise dos processos junto aos órgãos federal e estadual, identificando os principais entraves; II. as motivações, incentivos e dificuldades enfrentadas para a criação e gestão das RPPN pelos proprietários e; III) a caracterização da eficácia da gestão dessas áreas, por meio da adaptação de uma metodologia para análise nas reservas privadas[1].
Com base nos resultados eu pude concluir que muitos são os desafios que os proprietários de RPPN têm de enfrentar. Alguns que se destacam bastante são a burocracia excessiva que dificulta a criação dessas áreas; a falta de políticas públicas de incentivo à criação e apoio a gestão, e a falta de reconhecimento da própria sociedade sobre os benefícios associados a essas unidades de conservação e; a inexperiência dos proprietários na gestão de áreas protegidas que dificulta o estabelecimento de objetivos claros para a gestão e de estratégias de manejo adequadas e torna a missão de alcançar os objetivos de manejo da UC ainda mais desafiadora.
Agravando esse quadro podemos perceber que muitas RPPN sofrem uma diversidade de pressões como caça, pesca, presença de espécies exóticas, fogo, invasões, entre outras, e contam com pouquíssimo apoio do poder público para a proteção dessas áreas. Os proprietários reconhecem essas ameaças e no caso do Mato Grosso do Sul o aumento da proteção das RPPN foi apontada por eles como sua maior prioridade.
Nesta pesquisa também se destacaram como ações prioritárias das RPPN o aumento da captação de recursos e o estabelecimento de parcerias, demonstrando que a sustentabilidade financeira também é um importante desafio a ser superado.

Você acha que faltam incentivos para a conservação de áreas particulares no Brasil?
Sem dúvida. É notória a falta de incentivos e até mesmo de reconhecimento por parte do governo às essas iniciativas. Alguns benefícios previstos pela legislação são: a isenção do ITR sobre a área; a inclusão de prioridade de análise à projetos relacionados a RPPN em outros programas oficiais, além do FNMA; a preferência na análise de pedido de concessão de crédito agrícola para as áreas produtivas da propriedade; a possibilidade das RPPN receberem recursos de compensação ambiental, pela instalação de empreendimentos com potencial de causar significativo impacto ambiental e que, portanto, devem passar por processo de licenciamento; e o apoio aos proprietário nas ações de fiscalização, proteção e repressão aos crimes ambientais por parte do IBAMA (Decreto Federal 5.746/2006). No entanto, com exceção da isenção sobre o ITR, os demais incentivos previstos pela legislação não vêm sendo cumpridos de forma adequada. Além disso, os valores de ITR não são altos, e portanto, este não tem sido considerado um benefício atrativo pela maioria dos proprietários.
Outro problema é a baixa representatividade da categoria nos cadastros oficiais nacionais e internacionais prejudicando o acompanhamento dos avanços relacionados a essas áreas e seu monitoramento. Seria muito desejável que o poder público empreendesse mais esforços na aproximação com os proprietários, monitoramento dessas iniciativas e ampliação das informações sobre as RPPN nesses bancos de dados oficiais.
Para suprir essas deficiências, organizações não governamentais tem se esforçado para apoiar a criação e gestão dessas áreas no país, mas essas iniciativas ainda são pontuais e restritas a algumas regiões. As associações de proprietários também exercem um papel importante no apoio às RPPN, auxiliando os proprietários no processo de criação, na busca por parcerias e recursos para gestão, na divulgação e fortalecimento das RPPN, na capacitação e troca de experiências entre os associados, e melhorando a articulação e negociação com os órgãos ambientais. No entanto, essas associações também enfrentam diversos desafios relacionados a sua sustentabilidade e definição de planos de ação mais estratégicos.

Qual o principal motivo que leva um proprietário a criar uma RPPN?
Uma publicação recente da IUCN[2] listou algumas motivações para a conservação de terras privadas ao redor do mundo e creio que são similares às encontradas no Brasil. São elas: o desejo de deixar um legado para as futuras gerações, filantropia, motivações econômicas, como resultado de mobilizações sociais e programas de apoio a criação em áreas relevantes, para proteção de sítios sagrados e prevenção de mudanças de uso da terra.
No Brasil não existem estudos amplos sobre essas motivações mas os resultados do meu doutorado indicaram que para os proprietários do Mato Grosso do Sul a conservação de espécies e ecossistemas foi a principal delas, citada por 79% dos 34 entrevistados. A satisfação pessoal em contribuir com a conservação de ambientes naturais e em saber que seus filhos e netos teriam a possibilidade de conhecer e desfrutar do local que transformaram em RPPN foi citada por 32% deles. Apesar das motivações conservacionistas terem se destacado neste estudo, a variável econômica foi considerada como fator de decisão por 55% dos entrevistados, mesmo que de forma associada à conservação ou satisfação pessoal.

Você conhece algum modelo de gestão desenvolvido em RPPN?
Os resultados do meu doutorado indicaram que no Mato Grosso do Sul as RPPN que apresentam os melhores índices de eficácia de gestão são as pertencentes às organizações não governamentais, o que se deve ao fato de geralmente estas áreas contarem com mais recursos e profissionais com maior conhecimento sobre gestão. Outro destaque em relação à gestão foram as RPPN da região da Serra da Bodoquena, que compõem circuitos turísticos consolidados nos municípios de Bonito e Jardim.
Creio que não é difícil encontrar exemplos de boa gestão de RPPN geridas por ONGs ou empresas no Brasil, o grande desafio é extrapolar isso para as áreas geridas por pessoa física que contam, em via de regra, com menos suporte e conhecimento sobre o tema.

Como você avalia o movimento RPPNista no Brasil?
Eu acho que os resultados já alcançados pelo movimento RPPNista no Brasil são fantásticos. A inclusão das RPPN no sistema oficial de áreas protegidas do país, a legislação que temos sobre o tema e os números de áreas protegidas por essa categoria que superam 1.100 reservas criadas, protegendo cerca de 700.000 hectares tornaram nosso país uma referência internacional em conservação de terras privadas.
A despeito de todas as dificuldades que já conhecemos para criação e gestão dessas áreas e da falta de benefícios e programas de apoio às RPPN temos várias centenas de proprietários que voluntariamente estão doando parte de suas propriedades e do seu tempo para contribuir com a conservação da biodiversidade no país e isso é algo muito expressivo. No entanto, não posso deixar de imaginar que este movimento poderia alcançar proporções ainda maiores se fossem estabelecidos bons programas de apoio aos proprietários que incluíssem mais benefícios, incentivassem a criação dessas áreas e auxiliassem a sua proteção e gestão.
Creio que hoje, após um crescimento tão grande da rede de RPPN no país, estamos em uma fase de consolidação da gestão dessas áreas e de estabelecimento de estratégias mais amplas de monitoramento e avaliação do seu manejo. Dessa forma, será possível compreender melhor os benefícios gerados por essas iniciativas, a real contribuição para a conservação da biodiversidade que proporcionam, e traçar estratégias adequadas de incentivo para a expansão dessa categoria de UC no país.

Quais são suas expectativas com relação às RPPN no Brasil?
O que vemos hoje no país é uma tentativa, por parte dos proprietários de RPPN e dos simpatizantes desse movimento, de consolidar cada vez essa categoria de UC e ampliar o reconhecimento do valor dessas áreas por parte de toda a sociedade. Isso tem relação, em certa medida, com o estabelecimento de maiores incentivos para a conservação voluntária em terras privadas mas também com uma maior valorização dessas iniciativas.
Acredito que o simples cumprimento dos benefícios já previstos pela legislação brasileira já seria um avanço e contribuiria para ampliar a rede de RPPN e para melhorar a gestão dessas áreas. No entanto, outras possibilidades de incentivos poderiam ser exploradas como o beneficiamento dos proprietários com recursos de ICMS ecológico, priorização na comercialização de cotas de reserva legal para as RPPN que possuam áreas excedentes ao previsto por lei, estratégias relacionadas ao pagamento por serviços ambientais, mecanismos de doação, etc.
Vale ressaltar que os benefícios econômicos são importantes, mas outras medidas de apoio e incentivo mais simples poderiam ser bastante profícuas. Durante a pesquisa do meu doutorado verifiquei que no Mato Grosso do Sul o principal benefício que a maioria dos entrevistados gostaria de receber seria o aumento da proteção sobre a área declarada RPPN. Outros possíveis benefícios poderiam ser: a maior valorização destes proprietários, reconhecendo publicamente a importante de suas iniciativas; a facilitação da participação destes em fóruns de discussão sobre o tema, mais disponibilização das informações geradas pelo poder público de forma a contribuir com as decisões sobre a gestão destas áreas e o oferecimento de assistência técnica e capacitação.

Avançar na discussão desses temas é fundamental para que seja possível ampliar o movimento RPPNista no Brasil e para isso a Confederação Nacional de RPPN e associações tem um papel importante como articuladoras e animadoras desse processo.

Alguma observação que gostaria de comentar?
É evidente que os desafios para criar a manter reservas particulares no Brasil são muitos, mas a despeito disso o país já alcança um número muito expressivo de RPPNs criadas que, juntas, protegem centenas de milhares de hectares de áreas naturais. Um dos resultados do meu doutorado que chamou bastante atenção foi que, mesmo diante de todas as dificuldades, 85% dos proprietários de RPPNs alegaram estar muito satisfeitos com a criação das áreas, o que demonstra que para a maioria deles, a satisfação de contribuir com essa causa supera os possíveis problemas.
Para encerrar gostaria de parabenizar a equipe do RPPN Web pela iniciativa de disponibilizar esse canal de disseminação de informações sobre RPPNs e de interlocução entre proprietários e interessados no tema.


Arquivo disponível para download:



[1] Avaliação dos aspectos relacionados à criação e manejo de Reservas Particulares do Patrimônio Natural no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil.
[2]Uma das publicações mais abrangentes já feitas sobre o tema a nível mundial, discute o conceito de áreas protegida privadas, apresenta as características dessas áreas em diferentes países, aborda sua importância para a conservação e os principais desafios enfrentados por seus proprietários. Também traz recomendações para a expansão e fortalecimento dessas iniciativas.http://www.iucn.org/about/work/programmes/gpap_home/gpap_capacity2/gpap_techseries/?18399/The-Futures-of-Privately-Protected-Areas

Fonte: http://www.rppnweb.com/site_rppn/index.php/entrevistas/286-angela-pellin

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