sexta-feira, 13 de maio de 2016

LUCIANO D'MIGUEL CRÔNICA



Só liguei pra saber se sou cachorro ou não


O telefone traça seu trinado, a tentar obedecer um lá maior. Deste lado do mundo, um eu aflito a tentar cruzar tal zona de conflito. Do outro, sabem-se lá os deuses quem, desde que pareça humano e não dê a noção de que se pode estar sozinho. A torcida é para que não caia num pet shop. A voz do locutor dá o tom. Sei que é menor, como tudo nesse pós-12 de maio de 2016. “Não diga alô, diga bom dia”! Poderia dizer que não havia nada de especial em tal data, que era só por amor mas, acometida de certo nível de autismo, a memória resgatou o nome de um aniversariante que merecia ser lembrado, Stevie Wonder. Ok, mais uma série de piadinhas toscas viriam a reboque. Mas pra que falar de preconceito em relação à cegueira ou à cor se é bem melhor esquecer que ele existe no balanço de uma balada romântica, não é mesmo? Tudo mais é pura Superstition, motivo pelo qual manter um ministério para defender a igualdade racial ou um outro pra cultura parece tolice nesses novos velhos tempos. Se ainda estava na linha? Disse que sim. O famoso trote do trem não demoraria a dar o ar de sua graça. Referia-me à do Equador. Sim, àquele traço imaginário a levar mundo afora o nome de um país, que hoje também comemora a sua independência. Onde eu moro? Minha casa é minha vida. Ao menos era até ontem. Em que bairro vivo? Menti que era no Méier, antiga subprefeitura carioca que, não obstante ser terra mítica de uma tal vingativa descrita por Sérgio Porto, abrigava o maior cinema da América Latina. Extinto, o Imperator deu lugar, anos e anos e recursos públicos federais depois, a um enorme e bem ativo centro cultural em homenagem a João Nogueira. Não, hoje o assoprar de velas não é pra ele, a quem acendemos cilindros de parafina há mais de quinze anos. O aniversário é do Méier em si, o qual bem poderia aproveitar-se do ensejo e querer se libertar de alguns de seus moradores ilustres, a saber: Latino e Valesca Popozuda. Aquele pedação de chão fora criado exatamente um ano após a Abolição, que batiza outro bairro da capital fluminense, quase vizinho, não fossem entremeados pelo Engenho Novo. Nomes bem sugestivos à herança nada agradável dos tempos da escravidão. Quer saber em que canal está ligado o televisor? Olha, pela singeleza do cenário, deve ser a Bandeirantes. Ahn?! Agora é Band? Ah, já faz tempo, é? Pois embora eu tenha nascido depois de 67, sou da época em que tudo era chamado obrigatoriamente pelo nome completo. Tempos de chumbo em que abreviação não raramente era confundida com código, coisa de comunista, do tipo que cansou de comer criancinha e não comemora nem passagem de ano, ainda que seja da quase cinquentenária rede de TV. Que som eu gostaria de ouvir? Pode ser o da voz da Letícia Sabatella falando com o Jorge Mario Bergoglio, devidamente paramentado com sua insígnia episcopal, no Vaticano? Vocês não têm essa faixa gravada? Uhmmm, entendi, o lance de vocês não é bem jornalístico, é mais entretenimento, isso? Pois eu vou dizer que, mesmo tendo soado como bomba em boa parte da imprensa de Pindorama, as duras verdades sobre o golpismo foram muito mais suavemente absorvidas pelo atual pontífice romano que aqueles disparos de projéteis que ecoaram na Praça São Pedro e quase mataram outro papa. Embora a grande mídia esteja preocupada demais em dinamitar a lembrança de Dilma, o número 13, no mês de maio, ainda rememora que o polonês Karol Wojtyła ganhava um par de pipocos de alto poder percussivo do turco Mehmet Ali Ağca. Tudo há exatos 35 anos, o mesmo tempo que um trabalhador brasileiro precisa ter de serviços prestados para conquistar a carta de alforria, geralmente apresentada sob a forma de receituário médico. Como maestro desta pré-marcha fúnebre, o marcapasso. E é nesse ritmo que voltamos a entreter os rádio-ouvintes. Achou que eu só chamei porque te amo? Quero mais é pedir uma música. “My Funny Valentine”, com Chat Baker, vocês têm? Imaginei que não. É, eu sei que hoje não é dia dos namorados nem aqui, nem na gringa, mas é que a mediocridade do alpiste pop das FMs também se libertou há exatamente 28 anos desse encosto do bom gosto. Como assim? Vocês têm uma outra prontinha na agulha pra eu pedir? Olha aqui seu Dê Jota, safadão é teu pai, eu ralo até as seis! Ops, é nome de artista, é? Ôxe! Deixa escutar um pedacinho. Menino, sou mais Waldick Soriano, viste? Este rola? Então jogue duro. Toque uma pra mim. “Eu não sou cachorro não”, em homenagem a todo povo brasuca e, especialmente, a este baiano porreta que também aniversaria nesta data querida. E esse cheiro de queimado? Chifre? Só se for da rapariga da sua... Ah, meu Tupã! Vou ter que vazar, mais tarde eu volto a  ligar. Que horas? Ali por 2018, pode ser? É que eu ‘whiskeci’ meu título de eleitor no fogo...

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