Só liguei pra saber se sou cachorro ou não
O telefone traça seu trinado, a tentar obedecer um lá
maior. Deste lado do mundo, um eu aflito a tentar cruzar tal zona de conflito. Do
outro, sabem-se lá os deuses quem, desde que pareça humano e não dê a noção de
que se pode estar sozinho. A torcida é para que não caia num pet shop. A voz do locutor dá o tom. Sei
que é menor, como tudo nesse pós-12 de maio de 2016. “Não diga alô, diga bom
dia”! Poderia dizer que não havia nada de especial em tal data, que era só por
amor mas, acometida de certo nível de autismo, a memória resgatou o nome de um
aniversariante que merecia ser lembrado, Stevie Wonder. Ok, mais uma série de piadinhas
toscas viriam a reboque. Mas pra que falar de preconceito em relação à cegueira
ou à cor se é bem melhor esquecer que ele existe no balanço de uma balada
romântica, não é mesmo? Tudo mais é pura Superstition,
motivo pelo qual manter um ministério para defender a igualdade racial ou um
outro pra cultura parece tolice nesses novos velhos tempos. Se ainda estava na
linha? Disse que sim. O famoso trote do trem não demoraria a dar o ar de sua
graça. Referia-me à do Equador. Sim, àquele traço imaginário a levar mundo
afora o nome de um país, que hoje também comemora a sua independência. Onde eu moro?
Minha casa é minha vida. Ao menos era até ontem. Em que bairro vivo? Menti que
era no Méier, antiga subprefeitura carioca que, não obstante ser terra mítica
de uma tal vingativa descrita por Sérgio Porto, abrigava o maior cinema da
América Latina. Extinto, o Imperator deu lugar, anos e anos e recursos públicos
federais depois, a um enorme e bem ativo centro cultural em homenagem a João
Nogueira. Não, hoje o assoprar de velas não é pra ele, a quem acendemos
cilindros de parafina há mais de quinze anos. O aniversário é do Méier em si, o
qual bem poderia aproveitar-se do ensejo e querer se libertar de alguns de seus
moradores ilustres, a saber: Latino e Valesca Popozuda. Aquele pedação de chão
fora criado exatamente um ano após a Abolição, que batiza outro bairro da
capital fluminense, quase vizinho, não fossem entremeados pelo Engenho Novo.
Nomes bem sugestivos à herança nada agradável dos tempos da escravidão. Quer
saber em que canal está ligado o televisor? Olha, pela singeleza do cenário,
deve ser a Bandeirantes. Ahn?! Agora é Band? Ah, já faz tempo, é? Pois embora
eu tenha nascido depois de 67, sou da época em que tudo era chamado
obrigatoriamente pelo nome completo. Tempos de chumbo em que abreviação não
raramente era confundida com código, coisa de comunista, do tipo que cansou de
comer criancinha e não comemora nem passagem de ano, ainda que seja da quase cinquentenária
rede de TV. Que som eu gostaria de ouvir? Pode ser o da voz da Letícia
Sabatella falando com o Jorge Mario Bergoglio, devidamente paramentado com sua
insígnia episcopal, no Vaticano? Vocês não têm essa faixa gravada? Uhmmm,
entendi, o lance de vocês não é bem jornalístico, é mais entretenimento, isso?
Pois eu vou dizer que, mesmo tendo soado como bomba em boa parte da imprensa de
Pindorama, as duras verdades sobre o golpismo foram muito mais suavemente
absorvidas pelo atual pontífice romano que aqueles disparos de projéteis que
ecoaram na Praça São Pedro e quase mataram outro papa. Embora a grande mídia
esteja preocupada demais em dinamitar a lembrança de Dilma, o número 13, no mês
de maio, ainda rememora que o polonês Karol Wojtyła ganhava um par de pipocos
de alto poder percussivo do turco Mehmet Ali Ağca. Tudo há exatos 35 anos, o
mesmo tempo que um trabalhador brasileiro precisa ter de serviços prestados
para conquistar a carta de alforria, geralmente apresentada sob a forma de
receituário médico. Como maestro desta pré-marcha fúnebre, o marcapasso. E é
nesse ritmo que voltamos a entreter os rádio-ouvintes. Achou que eu só chamei
porque te amo? Quero mais é pedir uma música. “My Funny Valentine”, com Chat
Baker, vocês têm? Imaginei que não. É, eu sei que hoje não é dia dos namorados
nem aqui, nem na gringa, mas é que a mediocridade do alpiste pop das FMs também
se libertou há exatamente 28 anos desse encosto do bom gosto. Como assim? Vocês
têm uma outra prontinha na agulha pra eu pedir? Olha aqui seu Dê Jota, safadão
é teu pai, eu ralo até as seis! Ops, é nome de artista, é? Ôxe! Deixa escutar
um pedacinho. Menino, sou mais Waldick Soriano, viste? Este rola? Então jogue
duro. Toque uma pra mim. “Eu não sou cachorro não”, em homenagem a todo povo
brasuca e, especialmente, a este baiano porreta que também aniversaria nesta data
querida. E esse cheiro de queimado? Chifre? Só se for da rapariga da sua... Ah,
meu Tupã! Vou ter que vazar, mais tarde eu volto a ligar. Que horas? Ali por 2018, pode ser? É
que eu ‘whiskeci’ meu título de eleitor no fogo...
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