quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

ECONOMIA



2017: o ano do maior aumento de bilionários da história


Segundo relatório da Oxfam, a cada dois dias, um novo bilionário surgiu no ano passado. Do total, nove, entre dez são homens


O ano passado foi um ano de fortunas para muita gente. A cada dois dias, um novo bilionário surgiu, somando-se a uma riqueza que seria capaz de acabar com a pobreza extrema por mais de sete vezes. No total, há 2.043 bilionários em todo o mundo, que formam um restrito clube: a cada dez, nove são homens. Os dados estão no relatório Recompensem o trabalho, não a riqueza, elaborado pela Oxfam e divulgado nesta segunda-feira.
Os dados mostram o tamanho da concentração de renda e desigualdade social em todo o mundo. De toda a riqueza gerada no ano passado, 82% ficaram nas mãos do 1% mais rico. Absolutamente nada ficou com os 50% mais pobres ao redor do globo.
Para elaborar o documento, a Oxfam entrevistou mais de 120.000 pessoas em 10 países, nos cinco continentes. Além das entrevistas, o relatório foi feito com base em uma série de estudos de organizações como a ONU, McKinsey, Fórum Econômico Mundial, Organização Internacional do Trabalho, Banco Mundial, o documento World Inequality Report 2017 do Credit Suisse e o ranking da revista Forbes, entre outros.
O relatório ainda mostrou que as mulheres contribuem anualmente com 10 trilhões de dólares em cuidados não remunerados para sustentar a economia global. Ou seja,se o trabalho doméstico das mulheres fosse contabilizado, ele custaria 10 trilhões de dólares ao ano, segundo uma estimativa da ONU.
Além do gênero, a Oxfam também fez um recorte geográfico de alguns dados e mostrou que na Nigéria, por exemplo, os juros recebidos pelo homem mais rico sobre sua fortuna em um ano seriam suficientes para retirar dois milhões de pessoas da pobreza extrema.
Nos Estados Unidos, as três pessoas mais ricas do país detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre da população, ou seja, 160 milhões de pessoas. Em pouco mais de um dia de trabalho, o diretor executivo de uma empresa norte-americana ganha o mesmo que um trabalhador médio ganha em um ano.
Já no Brasil, como já havia sido publicado por este jornal, uma pessoa que ganha um salário mínimo (cerca de 23% da população brasileira) precisaria trabalhar por 19 anos seguidos para ganhar o mesmo que uma pessoa do grupo do 0,1% mais rico da população ganha em um mês. Por aqui, ganhamos 12 bilionários no último ano, passando de 31 para 43. Desses, cinco detêm o patrimônio equivalente ao da metade mais pobre da população do país.
No final do ano passado, uma pesquisa realizada pela Oxfam e o Datafolha mostrou que os brasileiros "sentem a desigualdade mas não conseguem calcular o seu tamanho", segundo afirmou na época Rafael Georges para o jornal Folha de S. Paulo. Isso foi dito com base nos dados que a pesquisa revelou: 91% concordam que poucas pessoas ganham muito e muitas ganham pouco. Porém, entre os que ganham mais - ao menos 4.700 reais mensais - 68% disseram fazer parte da metade com menor renda, quando, na realidade, este grupo faz parte dos mais abastados.

Paraísos fiscais e heranças

Uma parte considerável das grandes fortunas não vem do trabalho, mas sim da família: aproximadamente um terço da riqueza dos bilionários pode ser atribuído a heranças. E nos próximos 20 anos, 500 das pessoas mais ricas do mundo deixarão mais de 2 trilhões de dólares para seus herdeiros. Para se ter uma ideia do que este valor representa, o PIB do Brasil em 2016 - data dos dados mais recentes - foi de 1,7 trilhão de dólares.
Segundo a Oxfam, em muitos casos, as fortunas dos mais ricos são alimentadas pela evasão fiscal, praticada por indivíduos ricos e pelas empresas das quais são titulares ou acionistas. O documento afirma que, usando uma rede global de paraísos fiscais - como os revelados nos Panama Papers, por exemplo - os super-ricos estão escondendo pelo menos 7,6 trilhões de dólares das autoridades fiscais. Os economistas que participaram da elaboração do documento afirmam que isso significa que o 1% mais rico do mundo vem sonegando cerca de 200 bilhões de dólares em impostos e que os países em desenvolvimento estão perdendo ao menos 170 bilhões de dólares, todos os anos, em impostos não pagos por empresas e super-ricos.
A redução dos custos trabalhistas, como salários e direitos, algo muito em discussão neste momento no Brasil em decorrência da reforma trabalhista, é outro ponto que contribui para a desigualdade de renda, de acordo com a Oxfam. Neste contexto, "os sindicatos aumentam os salários, os direitos e a proteção, não só para seus membros, mas para todos os trabalhadores de uma sociedade", diz o documento. Em muitos países ainda não existe o salário mínimo ou mecanismos de negociação coletiva, e, na maioria dos casos, segundo os pesquisadores, o salário mínimo não é suficiente para a sobrevivência. No Brasil, o mínimo está em 937 reais. 
A organização pondera que “ter um emprego não significa escapar da pobreza”, com base nos dados sobre condições de trabalho e remuneração. E ainda que segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2016, havia 40 milhões de pessoas escravizadas em todo o mundo. Dessas, quatro milhões são crianças.
Na tentativa de se debater soluções para o combate à desigualdade social, a Oxfam destaca o apoio dos entrevistados ao aumento da tributação para os mais ricos, algo defendido recentemente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas no Brasil, a legislação vai na contramão desta proposta: a lei estipula que pessoas que ganham lucros e dividendos de empresas não paguem impostos sobre eles. Assim, quem paga mais taxas, proporcionalmente, são os pobres e as classes médias.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/17/economia/1516220669_272331.html?%3Fid_externo_rsoc=FB_BR_CM



terça-feira, 23 de janeiro de 2018

PREVIDÊNCIA



Militares pesam 16 vezes mais que segurados do INSS


O rombo na Previdência atingiu a marca recorde de R$ 268,8 bilhões em 2017 - ano marcado por sucessivos adiamentos na votação da reforma proposta pelo governo para endurecer as regras de aposentadoria e pensão no País. O déficit é 18,5% maior que o de 2016 e inclui os regimes do INSS e dos servidores da União.
Os dados foram revelados nesta segunda-feira, 22, pelo governo e mostram que a Previdência dos servidores segue tendo um peso maior nas contas proporcionalmente. A participação de um militar federal nesse rombo, por exemplo, tem é 16 vezes maior que a de um segurado do INSS.
O chamado déficit per capita anual dos militares ficou em R$ 99,4 mil no ano passado, ante R$ 6,25 mil no INSS. Entre os servidores civis da União, a necessidade de financiamento do rombo também é mais elevada, de R$ 66,2 mil. Embora tenham um peso maior, os militares ficaram de fora da reforma que está em discussão. Os dados foram calculados com base no déficit de 2017 e no número de beneficiários de 2016, que são os mais recentes sobre a quantidade de benefícios em todos os regimes.
Em termos absolutos, o déficit na Previdência aumentou R$ 41,9 bilhões. Para o secretário de Previdência, Marcelo Caetano, o resultado lança mais um alerta sobre a necessidade de aprovar a reforma. Segundo ele, sem o enfrentamento do problema, o Brasil poderá viver uma situação semelhante ao que aconteceu com Grécia e Portugal, onde a solução acabou sendo a redução dos benefícios.
O governo ainda não tem os votos necessários para aprovar a proposta, mas Caetano demonstrou confiança na capacidade de negociação. "O governo trabalha com a aprovação da reforma em meados de fevereiro", disse diversas vezes durante a entrevista coletiva. O secretário defendeu que a reforma é essencial para o equilíbrio das contas públicas. "Observem os números. Os déficits crescem na ordem de dezenas de bilhões por ano. Temos que enfrentar."
O avanço do déficit não é o único dado alarmante na avaliação do consultor legislativo do Senado Pedro Nery. O ritmo de crescimento da despesa previdenciária é o que mais preocupa, segundo ele. O aumento foi de 6,7% no ano passado, já descontada a inflação do período. "Mesmo em um ano em que praticamente não houve reajuste no benefício, ela continuou aumentando porque o crescimento vegetativo (maior número de beneficiários) é muito forte."
Caetano alertou que o processo de envelhecimento populacional tende a se acelerar na próxima década, um indicativo de que a janela para o Brasil fazer mudanças nas regras previdenciárias sem cortar benefícios pode estar se fechando.
O forte crescimento do déficit previdenciário urbano reforça essa mensagem. O aumento do rombo foi de 54,7% no ano passado, para R$ 71,7 bilhões. Até 2015, essa conta era positiva, mas a avaliação do secretário é que há uma tendência estrutural de resultados negativos a partir de agora. "O envelhecimento populacional acontece em ritmo muito acelerado."
O governo espera uma economia de cerca de R$ 588 bilhões nas despesas com aposentadorias e pensões em 10 anos com a aprovação da reforma da Previdência, a maior parte do impacto concentrada no longo prazo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por: Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli
Fonte: http://atarde.uol.com.br/economia/noticias/1930071-militar-pesa-16-vezes-mais-que-segurado-do-inss

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

SISU 2018


MEC anuncia antecipação das inscrições para o Sisu; nova data é de 23 a 26 de janeiro


A abertura das inscrições do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi antecipada para 23 de janeiro e vai até o próximo dia 26. O anúncio foi feito pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, nesta quinta-feira, durante coletiva de imprensa em que foi divulgado o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017.

O Sisu é o sistema informatizado do MEC por meio do qual instituições públicas de educação superior oferecem vagas a estudantes com base nas notas obtidas no Enem. O sistema é a forma de ingresso nos cursos de graduação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). A instituição oferece 695 vagas em 28 cursos por meio do Sisu – 10 noturnos, 13 integrais, 5 vespertinos e 1 matutino. O Edital que regulamenta o ingresso na UNILA pode ser acessado em https://unila.edu.br/documentos/editais/prograd/1-3. A exceção é o curso de Música, que tem edital e  processo seletivo próprio. 


No total, o SISU oferta 239.601 oportunidades em 130 instituições, entre universidades federais, institutos federais de educação, ciência e tecnologia e instituições estaduais.Podem concorrer estudantes que tenham feito o Enem 2017 e obtido nota acima de zero na prova de redação.

Senha
Para consultar as vagas que serão oferecidas pelas universidades, os estudantes vão precisar da senha na Página do Participante. Quem esqueceu pode fazer a recuperação da senha por meio do site do Enem, na página do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep). Lá, os candidatos têm três caminhos para recuperação da senha: para quem esqueceu apenas a senha, para quem esqueceu a senha e o e-mail e, ainda, para quem esqueceu senha, e-mail e celular.

Fonte: www.unila.edu.br/saladeimprensaAssessoria de Imprensa UNILA

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

UNILA




Pedagoga de reserva indígena de São Miguel do Iguaçu é primeira aluna guarani em mestrados da UNILA



A mestranda é diretora auxiliar no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo, localizado na reserva Ocoy

Manter as tradições e o modo de viver indígenas e, ao mesmo tempo, conviver com um mundo em constante transformação são os desafios que Delmira de Almeida Peres se propõe a abordar em seu trabalho de mestrado “Saberes indígenas, metodologias e processos de ensino-aprendizagem”. Indígena e moradora da Reserva Indígena Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, ela é a primeira aluna da nação guarani a fazer um mestrado na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Delmira é pedagoga e diretora auxiliar no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo, localizado na reserva. 

Ela está finalizando os créditos e começa a preparar a dissertação do mestrado Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos (IELA). “Vim fazer o mestrado porque sonho em subir de nível nos estudos e, ao mesmo tempo, para mostrar, não só para a comunidade, mas também para a sociedade brasileira, que o indígena também é capaz. Para dar exemplo para os indígenas que estão na aldeia, que estão estudando”, diz. “Desde criança, sempre pensei: tenho que dar o exemplo.”

Delmira acredita que estudar é uma necessidade cada vez maior para os povos indígenas. “Acabou a floresta, não tem mais caça, não tem mais pesca, [nossa ferramenta de trabalho] não é mais a canoa, nem a flecha, principalmente aqui no Oeste do Paraná, na fronteira onde vivemos”, comenta. No seu projeto de mestrado, Delmira quer mostrar que é possível conciliar a educação formal com os saberes indígenas, buscando metodologias e processos de ensino e aprendizagem adequados a esse objetivo. “A gente sabe muito bem que não é mais como antes e procura estratégias para um ensino-aprendizagem voltado ao conhecimento indígena, que esteja mais próximo”, explica. “Se não praticarmos [a cultura e tradições], vão se acabar.”

Futuro

A educação é preocupação crescente na Reserva do Ocoy, diz Delmira, que enfrentou muitos desafios para poder cursar a faculdade de Pedagogia. “Hoje, no Ocoy, temos dois estudantes de Pedagogia, na Unioeste, dois estudantes de magistério e um fazendo Administração”, comenta com orgulho. “Vejo que eles estão mais interessados”, diz. Segundo ela, 15 alunos estão terminando o ensino médio e demonstram interesse em fazer um curso superior. Na reserva, onde moram entre 700 e 750 indígenas, 310 estão matriculados em diferentes níveis escolares (do pré ao ensino médio).

Segundo ela, um grupo de professores indígenas está produzindo materiais específicos para alfabetizar as crianças da aldeia, voltados à tradição, ao guarani e à língua materna. “O nosso sonho é alfabetizar o aluno indígena dos anos iniciais só na língua materna. Esse é nosso sonho. Para depois, no terceiro, quarto ano, iniciar o português. Vejo que só assim se vão manter a língua e a tradição, o modo de viver indígena”, acredita.

Delmira com um grupo de estudantes e professores da UNILA 


Fonte: 

Assessoria de Imprensa UNILA



terça-feira, 2 de janeiro de 2018

FIM DA NEUTRALIDADE DA REDE

Fim da neutralidade da rede rompe com a democratização dos direitos digitais e favorece disputas econômicas e políticas. Entrevista especial com Marcelo Barreira

Professor do Departamento de Filosofia e do PPGFil da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES fala da recente decisão da agência norte-americana FCC




A decisão da agência norte-americana Federal Communications Commission (FCC), de pôr fim à neutralidade da rede, que evitava que interesses econômicos determinassem o tráfego de pacotes de dados pela internet, demonstra que “há uma disputa política e econômica na esfera pública conforme grupos de interesse”, diz Marcelo Barreira à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.

Segundo Barreira, a decisão “foi mais política e ideológica do que técnica”e a “visão política vencedora na FCC foi a narrativa em defesa de que as regras de 2015, e implementadas pelo ex-presidente Obama, seriam pesadas para o investimento em banda larga”. O professor explica ainda que de acordo com a legislação que garantia a neutralidade da rede, “a banda larga era vista como um serviço essencial e, portanto, de utilidade pública como água e energia elétrica; assim, independentemente do poder financeiro, todos os consumidores deveriam ser tratados igualmente”.

Com o fim da neutralidade, o serviço de internet passa a ser visto como “um serviço não-essencial de informação”, e “a regulação específica passa a deixar de ser do tipo Title II Order e passa a ser Title I Order. Com essa alteração, retoma-se a Lei de Telecomunicações, de 1996. Lei aprovada por um congresso de maioria conservadora e republicana e promulgada pelo ex-presidente Clinton. Tal Restoring Internet Freedom Order é uma regulação leve (light touch), mas de tão leve acaba se aproximando de uma autoregulação, mesmo que exija em tese maior transparência e mais competitividade”.

A iniciativa, afirma, “funcionará como um elemento político-ideológico de pressão para que outros países adotem as mesmas regulamentações”. Na entrevista a seguir, Barreira também comenta quais serão as implicações da decisão da agência norte-americana para o usuário. “Com a quebra de neutralidade da rede haverá mudanças significativas. A principal é a mudança de eixo, da centralidade no usuário, em sintonia com a origem da internet, gira-se agora para a centralidade do mercado, por meio das grandes operadoras como a AT&T, a Verizon e a Comcast, aumentando sua margem de lucro. Além de romper com a democratização dos direitos digitais, o sinal mais eloquente dessa mudança será o encarecimento do acesso à internet pelo usuário-cidadão”, adverte. 
Marcelo Barreira é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre na mesma área pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e doutor também em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Departamento de Filosofia e do PPGFil da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é o significado da decisão do governo dos EUA de por fim à neutralidade da rede?

Marcelo Barreira - Embora o conceito de “neutralidade da rede” (network neutrality) seja uma elaboração feita em 2003 por Tim Wu, da Universidade de Colúmbia (EUA), seu princípio advém desde a lei federal chamada Pacific Telegraph Act, de 1860. Diante do monopólio de telefonia pela American Bell - que incorporou a AT&T em 1885 como subsidiária -, essa lei determinava uma isonomia na transmissão de mensagens nas linhas telegráficas por cidadãos e empresas, apenas despachos governamentais teriam a prerrogativa de furar a fila. Em resumo: manter a isonomia perante a diversidade de mensagens sintetiza a definição do conceito de neutralidade.

Retomando a posição de Locke em sua “Carta sobre a Tolerância” de 1689, o princípio da neutralidade axiológica do magistrado civil se configurou numa eficaz garantia da diversidade religiosa num contexto europeu de conflitos neste campo. Até hoje, a laicidade do Estado democrático de Direito significa a tentativa de impedir o privilégio de um grupo em detrimento de outros, minoritários ou menos poderosos economicamente. Do mesmo modo, além de a filosofia expressar a cultura democrática liberal estadunidense, a neutralidade da rede contribui para evitar interesses econômicos no tráfego de pacotes de dados pela internet.

Em específico, o mercado, por meio de gigantes comerciais da indústria de tecnologia de telecomunicações, especialmente prestadores de serviço de internet (ISPs) e provedores de banda larga (IBPs), precisa ser domesticado para não inviabilizar pequenas empresas de tecnologia como as startups. A justiça pressupõe neutralidade diante de concepções morais e religiosas, mas pressupõe sobretudo o rompimento com a desigualdade socioeconômica.  

IHU On-Line - Em que contexto político essa decisão foi tomada? O que acha que deve ter motivado a decisão?

Marcelo Barreira - O contexto político por traz dessa tomada de decisão foi a eleição de Trump, que nomeou Ajit Pai como chefe da Federal Communications Commission (FCC), a agência que regula o mercado de telecomunicações. Logo, embora a decisão tenha acontecido na FCC e não monocraticamente por Trump, o presidente dos EUA contribuiu, mesmo indiretamente, para que ela acontecesse. O voto de Pai, republicano sênior na FCC (participa dela desde 2012), foi o último e decisivo voto para que, no último dia 14 de dezembro e por 3 a 2, a Comissão decidisse em favor de uma nova compreensão do serviço de telecomunicações em banda larga. Muitos interesses acarretaram essa decisão. Decisão que foi mais política e ideológica do que técnica. A internet, além de seu óbvio aspecto técnico, também envolve questões jurídicas, políticas e socioeconômicas.

Assim, a visão política vencedora na FCC foi a narrativa em defesa de que as regras de 2015, e implementadas pelo ex-presidente Obama, seriam pesadas para o investimento em banda larga. Eis o principal argumento de Ajit Pai, ex-advogado da operadora Verizon, cujo pressuposto ideológico é o intrínseco dano do Estado para o “livre mercado”.  

IHU On-Line - O que muda no funcionamento da internet a partir dessa medida?

A principal é a mudança de eixo, da centralidade no usuário, em sintonia com a origem da internet, gira-se agora para a centralidade do mercado, por meio das grandes operadoras como a AT&T, a Verizon e a Comcast

Marcelo Barreira - Com a quebra de neutralidade da rede haverá mudanças significativas. A principal é a mudança de eixo, da centralidade no usuário, em sintonia com a origem da internet, gira-se agora para a centralidade do mercado, por meio das grandes operadoras como a AT&T, a Verizon e a Comcast, aumentando sua margem de lucro. Além de romper com a democratização dos direitos digitais, o sinal mais eloquente dessa mudança será o encarecimento do acesso à internet pelo usuário-cidadão. Com o traffic shaping abandona-se seu oposto, o zero rating, isto é, a gratuidade no acesso a produtos on-line e no tráfego end-to-end de dados, que garante a transmissão de pacotes de dados entre origem e destino sem qualquer manipulação ou diferenciação.

O rompimento com o princípio end-to-end é o principal fator de ruptura com a neutralidade da rede, pois quanto mais fácil o acesso aos produtos na rede, melhor será para a popularidade e o retorno financeiro desses produtos. O traffic shaping não só diferenciará planos por velocidade de transferência (como hoje), mas também possibilitará “bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados”, nos termos em que nosso Marco Civil da Internet proíbe essas ações em seu § 3º, do art. 9º. Na medida em que produtores de conteúdo firmem contratos comerciais com as operadoras de telecomunicações, eles obterão preferência na disponibilidade de seus produtos na rede - como vídeos (YouTube), streaming (Netflix) e Voip (como Skype e WhatsApp). Um exemplo disso é o anúncio de “WhatsApp ilimitado” por operadoras de telefonia. Esses produtores de conteúdo exigirão, por conseguinte, uma cobrança pelo uso de seus serviços. Haverá, então, faixas de preços e categorias de usuários de acordo com quem pode ou não pagar.  

IHU On-Line - Qual deve ser o impacto dessa decisão em termos mundiais?

Marcelo Barreira - A mudança na regulação funcionará como um elemento político-ideológico de pressão para que outros países adotem as mesmas regulamentações. Isso ocorre por dois motivos: no caso brasileiro, como vemos com a Lava Jato, nosso sistema de justiça tem sido crescentemente influenciado pela hermenêutica e jurisprudência estadunidense. Outro motivo é o fato de os EUA ser referência mundial em tecnologia de telecomunicações, tornando, por sua vez, paradigmática a sua legislação sobre o tema.  

IHU On-Line - Em que consistiam as medidas estabelecidas em 2015 para proteger a equidade na internet?

Marcelo Barreira - Nas regras de 2015 a banda larga era vista como um serviço essencial e, portanto, de utilidade pública como água e energia elétrica; assim, independentemente do poder financeiro, todos os consumidores deveriam ser tratados igualmente. Ao alterar para um serviço não-essencial de informação, a regulação específica passa a deixar de ser do tipo Title II Order e passa a ser Title I Order. Com essa alteração, retoma-se a Lei de Telecomunicações, de 1996. Lei aprovada por um congresso de maioria conservadora e republicana e promulgada pelo ex-presidente Clinton. Tal Restoring Internet Freedom Order é uma regulação leve (light touch), mas de tão leve acaba se aproximando de uma autoregulação, mesmo que exija em tese maior transparência e mais competitividade.

Ademais, com tal decisão, a supervisão de serviços de banda larga passou a ser da esfera comercial; logo, suas demandas versam da ordem econômica, será outra autarquia, a Federal Trade Commision (FTC), a agência reguladora de comércio, que sanará demandas acerca dos direitos digitais, interpretadas agora como violação da livre concorrência. De qualquer modo, essa decisão será questionada nos tribunais. Procuradores-gerais de Nova Iorque e deputados do Partido Democrata pretendem restabelecer o Title II Order, de 2015. O Congresso pode ainda apresentar um Congressional Review Act (CRA), ou seja, um recurso para invalidar a decisão da FCC. Junto a essas estratégias, algumas entidades da sociedade civil organizada, como a American Civil Liberties Union e o movimento People Power, proporão a legislativos estaduais projetos de lei que assegurem regionalmente a neutralidade da rede.  

IHU On-Line - Alguns pesquisadores têm dito que a neutralidade garantirá a competitividade na internet, mas que agora a competitividade está ameaçada. O senhor concorda?

Marcelo Barreira - A conjuntura aqui e nos EUA é de crise do sistema político e de desilusão com a democracia formal. Do mesmo modo que a decisão tomada pela FCC não foi apenas técnica, suas consequências também são políticas e talvez o maior peso neste sentido seja a falência doo princípio liberal e democrático à liberdade de informação e à diversidade de opiniões. Mesmo o processo que culminou na decisão da FCC expressou uma ausência de debate público ou seu arremedo – afinal, conforme Jeff Kao, engenheiro de software no site Hackernoon, grande parte dos e-mails favoráveis à quebra da neutralidade teriam como origem a Rússia e eram robôs de spam.  

IHU On-Line - Qual deve ser o impacto dessa medida para o consumidor?

Marcelo Barreira - A variação no preço das franquias de pacotes de dados, colocando como paradigma de preço a telefonia móvel, seja na velocidade seja no acesso aos conteúdos, fará o consumidor, de um lado e de outro, pagar mais caro. Embora a narrativa em defesa do traffic shaping é de que pagará mais quem usar mais pacotes de dados e pagará menos quem usar menos, temos um frustrante exemplo recente quanto à desilusão desse discurso, especialmente em nossas terras. As franquias de bagagens para voos, além de não baratearem os preços das passagens aéreas, aumentaram a margem de lucro das empresas aéreas.

Em nosso país, os monopólios e a ineficiente proteção ao consumidor fazem os custos dos serviços aumentarem sem uma contrapartida em sua qualidade. O mesmo acontece com a notória e ilegal venda casada de serviço de banda larga com telefone fixo pelas operadoras de telefonia. Uma maneira de contornar essa venda casada tem sido o compartilhamento de redes sem fio entre vizinhos, ou as chamadas telefônicas pela internet por aplicativos, possibilidades atuais que seriam provavelmente muito dificultadas, ou até impedidas, com a quebra da neutralidade da rede.  

IHU On-Line - Por que há uma disputa entre aqueles que defendem e aqueles que são contrários à neutralidade da rede? Quais são os grupos que hoje defendem e aqueles que são contrários à neutralidade da rede?

Marcelo Barreira - Há uma disputa política e econômica na esfera pública conforme grupos de interesse. Grupos contrários à neutralidade da rede afirmam, de modo geral, que se deve tratar de modo diferente os diversos tipos de uso da rede, com preços diferenciados segundo a sua finalidade, por exemplo, de acordo com interesses de nível de segurança; se é para uso comercial ou governamental; etc. Neste grupo se encontram as grandes operadoras, tais como a AT&T, a Verizon e a Comcast. Os partidários dessa narrativa defendem que mesmo antes da mudança de posição pela FCC já não havia propriamente uma neutralidade da rede, mas uma broadband neutrality. Ao replicarem pacotes de dados entre si, servidores de hospedagem de arquivos já conseguem uma ampliação diferenciada na largura da banda, o que cria uma maior disponibilidade de transferência de dados e estabelece uma saudável variação de planos e preços de acordo com a maior capacidade de oferecer uma mais ampla disponibilidade de banda.

Outro argumento contrário à neutralidade da rede é que a maior oferta de tráfego de dados na rede tem acarretado um enorme lucro aos produtores de conteúdo. O YouTube exemplifica bem essa tese. Sua maciça oferta de conteúdo – em um mês produz o equivalente a um ano de conteúdo produzido por rádios e televisões – não se traduz em recursos financeiros para os provedores de banda larga, mesmo assim, esses provedores ficam obrigados a defenderem a rede de ameaças, como a prevenção contra vírus e seus ataques DoS (Denial of Service), o que onera as operadoras. Junto a isso, a decisão de 2015 do ex-presidente Obama gerou uma queda de arrecadação nos últimos 2 anos, conforme preconiza Ajit Pai.

Os grupos favoráveis à neutralidade da rede polarizam em cada um dos pontos acima. Um importante grupo que saiu em defesa da neutralidade é formado pelas produtoras de conteúdo para a internet e startups, como NetflixAppleGoogleTwitterTwitchSpotifyAirbnb e SnapMicrosoftAmazon e Facebook. Nesse caso, como teriam de estabelecer acordos com provedores de acesso para que usuários acessem seus produtos, tal situação, mais do que liberdade, geraria uma submissão dessas empresas de conteúdo aos interesses de negócio das operadoras. As operadoras de banda larga, além da receita de acesso à rede, querem um compartilhamento da receita dos serviços que nela acontecem.

Mais do que um espírito comercial e mercadológico, a liberdade não vem do mercado, mas por um processo de interconexões e compartilhamentos. O valor econômico da rede segue esse tipo de liberdade, marcada pela relevância social

Numa analogia, por mais absurda que pareça, seria como se um serviço de delivery tivesse de estabelecer um contrato com montadoras de automóveis por estas fornecerem uma tecnologia de ponta, seus automóveis, isso se assemelharia ao que pleiteiam as operadoras. Por terem montado uma rede de banda larga, elas querem cobrar pelo seu uso. Além do grupo acima de empresas de conteúdo, mais visível, há outros. Dentre estes, há ativistas de direitos digitais, pequenas empresas de tecnologia, além de acadêmicos que conceberam a rede, como Tim Berners-Lee e Vint Cerf, além de outros que produziram tecnologias para a rede, como Steve Wozniak, co-fundador da Apple. Em geral, eles entendem que, ao inverso da posição anterior, foi a crescente relevância social da internet no cotidiano do cidadão comum, sobretudo graças à neutralidade da rede, que acarretou o seu valor econômico na economia de mercado.

Um grupo de ativistas, a Free Press, criou a plataforma Save The internet, exatamente para mostrar o equívoco da visão de que são as grandes indústrias de tecnologia que protagonizam necessariamente a inovação na internet. Desde a sua fundação, a internet se desenvolveu e foi inovadora pela descentralização de sua infraestrutura de cabos e fibras óticas que permitiram e permitem a conexão de banda larga fixa. Essa descentralização se deu, porém, por uma centralidade no usuário-cidadão e não pela ênfase no mercado e sua cumplicidade com o negócio das grandes operadoras e empresas de telecomunicações. A liberdade de tráfego de dados permitiu, então, o mais importante: a conexão colaborativa entre usuários, como no modelo P2P, além do crescimento de pequenas empresas de conteúdo. Mais do que um espírito comercial e mercadológico, a liberdade não vem do mercado, mas por um processo de interconexões e compartilhamentos. Assim, repetimos: o valor econômico da rede segue esse tipo de liberdade, marcada pela relevância social.

A democratização do acesso é o melhor meio de se incentivar a busca pela qualidade e inovação na rede, fazendo o usuário escolher o que melhor lhe convier, numa saudável e equitativa concorrência entre produtos e conteúdo. Embora financiamentos sejam sempre bem-vindos, o argumento de que a inovação pressupõe necessariamente altos investimentos “esquece” as ferramentas, aplicativos e sites surgidos em garagens, como a HP, a Sony, a Microsoft, a Apple, o YouTube, a Amazon e o Google. Tal “esquecimento” compromete o lançamento de novos produtos como esses, pois dificultaria a entrada no mercado de novas e pequenas empresas; empresas que teriam pouca força na negociação com operadoras que privilegiariam empresas mais populares de conteúdo.  

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

As operadoras precisam diminuir sua interferência no tráfego de dados em banda larga, e não o contrário. A centralidade está no direito digital do usuário, consumidor e cidadão

Marcelo Barreira - As operadoras precisam diminuir sua interferência no tráfego de dados em banda larga, e não o contrário. A centralidade está no direito digital do usuário, consumidor e cidadão. No Brasil, o Marco Civil da Internet, promulgado em 2014, foi o primeiro passo, mas precisamos de muitos outros passos na busca de uma cidadania digital plena. O Estado democrático de Direito há de neutralizar efetivamente a ganância das operadoras e garantir uma liberdade bem diferente da oferecida pelo mercado. A manifestação de pensamento e de informação como expressões dos Direitos Humanos, tornam o serviço de banda larga essencial para a democracia e, por isso, o Estado precisa intensificar políticas públicas de disseminação gratuita de internet banda larga em espaços públicos, sobretudo ante o crescimento da Internet of Things.

Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FMidia%2FFim-da-neutralidade-da-rede-rompe-com-a-democratizacao-dos-direitos-digitais-e-favorece-disputas-economicas-e-politicas-Entrevista-especial-com-Marcelo-Barreira%2F12%2F39000

ERVAS MEDICINAIS

Escrito há 1000 anos, o manuscrito ilustrado de ervas medicinais é disponibilizado online


Apesar de a medicina ocidental ter se especializado na criação de fármacos produzidos a partir de processos complexos, houve um tempo em que todos os tratamentos eram feitos com compostos naturais, especialmente ervas e outros alimentos. E um dos guias mais antigos que se conhece sobre essas práticas acaba de ser disponibilizado na internet.
A Biblioteca Britânica é a detentora da única edição do guia, um manuscrito que, acredita-se, foi escrito no século XI e em inglês antigo, também conhecido como anglo-saxão, uma forma primitiva do idioma inglês que conhecemos hoje. O livro é repleto de ilustrações das substâncias que, segundo os autores, podiam resolver dezenas de problemas.


Alcachofras cozidas em vinho eram usadas para acabar com o mau odor corporal, por exemplo, enquanto dores no peito eram combatidas com raiz de alcaçuz. Cada artigo inclui uma ilustração, o nome da erva ou animal em diferentes línguas antigas, descrições dos problemas que cada substância pode tratar e instruções para encontra-los e prepara-los.

Alison Hudson, pesquisadora da Biblioteca Britânica responsável pelo projeto de digitalização, diz que não se sabe com certeza como o guia era utilizado ou por quem ele foi escrito, mas o estilo da produção faz com que historiadores a associem aos monastérios de Winchester e Canterbury.


guia está disponível online para acesso gratuito aqui, e, ainda que o inglês antigo dificulte a compreensão, é interessante para entender como os antigos europeus faziam para enfrentar problemas que até hoje a medicina não conseguiu resolver. Sem falar nas ilustrações incríveis, claro.




Fonte:http://www.revistaprosaversoearte.com/escrito-ha-1000-anos-o-manuscrito-ilustrado-de-ervas-medicinais-e-disponibilizado-online/

MEIO AMBIENTE

Governo do Paraná violenta processo democrático para aprovar obra milionária no litoral

PGE impôs, por exigência do governador, conquista da concessão de licença prévia para construção de Faixa de Infraestrutura em Pontal. Ela viabiliza instalação de complexo portuário e não beneficia a população ou o veranista
    Encontro realizado na segunda-feira em Pontal do Paraná. Foto: Divulgação/OJC

Uma decisão abusiva e antidemocrática encerrou a reunião que ocorreu na última segunda-feira (20), em Pontal do Paraná, no litoral do Estado. O encontro tinha por intenção discutir a viabilidade da construção de empreendimentos milionários na região, como uma rodovia paralela à PR-412, um canal de drenagem, uma linha de transmissão de energia elétrica, um gasoduto, um ramal ferroviário. Todos viabilizariam a instalação de um porto privado e, somados, têm o custo de R$ 369 milhões.
Logo no início da reunião, Antonio Carlos Bonetti, presidente do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (Colit) consentiu com o pedido de vistas feito por representantes do Mater Natura, MarBrasil, SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) e Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles alegaram graves inconsistências na proposta de construção da Faixa de Infraestrutura e afirmaram que não seria possível conceder licença prévia para a execução da obra antes de esclarecer pontos essenciais, como a ausência de um estudo de impacto qualificado sobre porções de Mata Atlântica que existem no local e formam a maior faixa do bioma preservada do Brasil. As entidades elaborariam um parecer com questionamentos e a outra parte teria 15 dias para responder.
Algumas horas depois, no entanto, por interferência e pressão da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), diretamente orientada pelo governo, a decisão do conselho mudou, o pedido de vistas foi “cassado” e a solicitação de licença prévia entrou em votação pelos membros do Colit, sendo aprovada por 22 votos a cinco. A dragagem para o porto Ponta do Félix, em Antonina, que também havia sido retirada de votação, voltou à pauta e, igualmente, foi autorizada pelos integrantes do grupo.
Ausência de transparência e prejuízos incalculáveis
Juliano Dobis, diretor-executivo da MarBrasil, lamentou a situação e lembrou o abuso que representa a carência de informações sobre os impactos que as obras vão gerar. “A construção da Faixa de Infraestrutura, somada à instalação das empresas de grande impacto na zona industrial de Pontal do Paraná e à futura duplicação da PR-407, impactará, somente como efeito de borda, mais de quatro mil hectares de floresta de restinga, manguezais e caxetais na planície costeira situada entre os municípios de Pontal do Paraná e Paranaguá, tornando as unidades de conservação ali localizadas, como a Estação Ecológica do Guaraguaçu e o Parque Estadual do Palmito fragmentos desconectados. Essa condição isola espécies como lontras, onças e jacarés. Uma grave ameaça a ambientes de extrema importância para a conservação da biodiversidade”, explicou.
Dailey Fisher, representante pelo Mater Natura no conselho, defende que é visível e incontestável a pressão que o governo do Estado fez para que o pedido de vistas fosse driblado. “Atropelaram um processo democrático porque a gestão estadual tem total interesse na autorização da licença prévia, conforme deixa claro o parecer do próprio IAP”, diz. Ela afirma que o maior objetivo da emissão da licença prévia exigida pela procuradoria na última segunda-feira é a consolidação da licença para a instalação do Porto de Pontal. “Todas as empresas que operariam no complexo industrial são privadas e a Faixa de Infraestrutura serviria a um complexo industrial portuário que vai alterar drasticamente Pontal do Paraná. O fluxo previsto de caminhões vai ser superior a 200 mil por ano, ou 550 por dia. Se nem a manutenção adequada da PR-412 tem sido feita, qual a garantia de que a nova estrada terá a devida manutenção?”, questiona.
Dailey também conta que os estudos de tráfego apresentados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Faixa de Infraestrutura previram oito faixas de tráfego – quatro na nova rodovia e quatro com a duplicação da PR-412. Mas o Governo do Paraná hoje cogita a construção de uma rodovia de pista simples, mantendo a PR-412 como está. “Conforme o próprio estudo apresentando no EIA, essa não seria a solução para os problemas de mobilidade de moradores e veranistas na alta temporada. Uma pista simples não atenderia o aumento no fluxo de caminhões, veranistas e moradores sem a ocorrência dos tradicionais problemas de mobilidade. A população não sabe o que está por vir”.
Para Juliana Quadros, integrante do Observatório de Conservação Costeira (OC2), entidade que entende os prejuízos e altíssimos impactos ambientais que as obras vão gerar, reforça que a Faixa de Infraestrutura interessa, majoritariamente, a um grupo de empresários com interesses na instalação do porto privado de Pontal do Paraná e coligados no governo do Estado. “A proposta de construção da Faixa vem para atender às necessidades deste complexo portuário, e não da população de Pontal ou do veranista. Esse é apenas um artifício utilizado por esse grupo para conquistar apreço popular. Mais uma vez, o que se observa é a iminência de uma situação de injustiça socioambiental em que o bônus ficará nas mãos de poucos, mas o ônus será de todos os moradores de Pontal e do Litoral”.
Ela diz, ainda, que apoiar o projeto é apoiar oligarquias que buscam a exploração da flora, fauna e comprometem a manutenção de recursos culturais e naturais da região. “Se um município portuário fosse sinônimo de progresso e desenvolvimento econômico, Paranaguá não sofreria tanto com a desigualdade social, moradias irregulares, problemas respiratórios gerados pela poluição do ar, atropelamentos, violência e outras mazelas que predominam em cidades portuárias”, defende.
Para o vice-presidente do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), Aristides Athayde, que acompanhou a reunião, o encontro terminou com “uma verdadeira afronta ao direito do cidadão em manter o meio ambiente equilibrado”. “Diante da negativa do pedido de vistas, as dúvidas continuam a pairar e as incertezas em relação ao licenciamento da ‘estrada da destruição’ persistem. Um mandado de segurança contra essa afronta a direitos será providenciado”.
Giem Guimarães, presidente do OJC, reforça que a atual gestão do Paraná pretende decretar o fim da vocação turística de Pontal, Ilha do Mel e região. “Trata-se de uma alteração irremediável e abusiva. A porção de Mata Atlântica que vai ser destruída tem estado primário de conservação e é uma das últimas conservadas do Brasil. Comunidades indígenas também não estão sendo consideradas no processo, bem como a valiosa capacidade de produção de água da região”, lembra.
Parecer do IAP reconhece inconsistências sobre efeitos da obra
Para que a construção da Faixa de Infraestrutura seja autorizada, um parecer do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) seria necessário, mas o próprio órgão chegou a oficializar este ano que “não seria possível deliberar pela viabilidade ambiental prévia do empreendimento, uma vez que os demais componentes da Faixa não estavam devidamente contemplados a fim de subsidiar com os impactos cumulativos e seus efeitos sinérgicos”.

O documento diz ainda, que “o Estudo de Impacto Ambiental EIA/RIMA apresentou diversas inconsistências e faltou com melhores informações relativas aos efeitos sinérgicos e acumulativos do projeto, mas que pela relevância e urgência declarada pelo governo do Estado, a comissão se coloca favoravelmente ao licenciamento”.

Ministério Público do Paraná é contra a construção da rodovia*
Em julgamento de recurso apresentado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em ação ajuizada pelo Ministério Público, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a proibição de construção do “Corredor Rodoviário do Porto de Antonina”, trecho de rodovia que ligaria a BR-277 às cidades de Morretes e Antonina, no Litoral paranaense. Segundo o MPPR, a construção causaria danos ambientais irreversíveis em região de Mata Atlântica.
A pretensão de construir a rodovia já havia sido proibida em decisão transitada em julgado em 2010, referente a projeto elaborado no ano 2000. Mas um novo projeto foi apresentado em 2016, para implantação de trecho praticamente idêntico, com emissão, pelo IAP, dos respectivos Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. A 2ª Promotoria de Justiça de Antonina solicitou em Juízo o cumprimento da sentença emitida em 2010, argumentando que a decisão daquele ano proibiu qualquer projeto de construção de rodovia ligando a BR 277 ao Porto de Antonina que acarretasse os mesmos danos ambientais que decorreriam do projeto original e que não fosse indispensável para o desenvolvimento da região.
O pedido de cumprimento da sentença gerou o recurso impetrado pelo IAP. Na resposta às alegações do IAP, que pretendia autorizar a obra, o MPPR argumentou que permanecia válida a decisão judicial contrária à construção da rodovia, considerando-se inclusive a grande semelhança entre os projetos de 2000 (proibido judicialmente me 2010) e de 2016. A decisão do TRF-4 indeferiu o recurso do IAP, mantendo os efeitos da decisão que proíbe a construção da rodovia.
Com informações da assessoria de imprensa do MP-PR.
Fonte: Observatório de Justiça e Conservação - OJChttp://porem.net/2017/11/23/governo-do-parana-violenta-processo-democratico-para-aprovar-obra-milionaria-no-litoral/