terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Crônica/Walmir Assunção

 

O Evangelho Segundo a Modernidade     
 
                     Logo colocarão um bico na imagem do nosso bom Jesus. No evangelho atualizado o notável nazareno morreu olhando o horizonte, não em busca do pai, mas pelo orgulho de ser tão famoso - tanto quanto um Beatle. Jesus na hora fatal, antes da glória eterna, lembrou-se de todas as suas dificuldades e do difícil começo em sua vitoriosa carreira no ramo das privações e sofrimento - fugiu do anonimato com todo furor, como outros fogem da cruz.  Lembrou-se do seu primeiro jejum, de dois dias; e de sua primeira travessia, sem camelo, até o rio morto onde teve que bater pique e voltar na mesma tarde. Jesus recordou-se da primeira traição que sofreu, ainda criança, quando brincava de se esconder. Depois deram de falar do seu pai como chacota, que era uma forma de falar da mãe Nossa Senhora ludibriadora, aquela da geração espontânea. Tudo isso sem testemunhamento maciço, apenas ali, entre os vizinhos. Foi uma difícil carreira até finalmente se tornar o maior dos humildes e o mais famoso, orgulho da mãe e rival do pai.
                       Falo do Evangelho moderno, duvido que tenha sido essa a biografia do Redentor que adoramos, como adoramos reverenciar; nosso querido Jesus. A empáfia sempre esteve em voga, jamais por sua culpa - não seria esta a razão da sua expiação. Mas parece que agora estão prestes a clavar outro símbolo na cruz: um Deus bicudo e orgulhoso. A soberba está demais, dói nos ossos de qualquer cronista médio. Hoje a empáfia é mais bíblica do que Cristo, reles sombra de Noel.

                      São vinte e cinco alunos de várias Universidades espalhadas pelo Mundo; dois são italianos, os restantes são de nacionalidades diferentes, não mais do que um representante por País. Reuniram-se na sede da Channel para a criação do novo evangelho; uma condensação de idéias. De forma alguma o resultado poderá ser surpreendente.
    Jesus transformou a água em vinho, que logo depois transformou em água, isso na adolescência, só para exibir-se - já que não bebericava. Foi fazer a mesma coisa adulto, mas a água não voltou a ser água; pois foi quando começou a bebericar. Não era a sua intenção - foi uma promoção e tanto. Quanto aos pães que multiplicou, foi o segundo a comer, visto que precisava de uma cobaia, alguém que não tinha tanto o que demonstrar. Poderia ter sido o último, mas estava faminto e tinha que discursar. Lázaro andou à luz de velas, o que causou efeito maior. Assim foram revistos todos os milagres; curas e ressuscitamentos. Os demônios que gostava de exorcizar eram os mais barulhentos, de preferência os que admitiam a sua origem divina. Os porcos se afogaram em um lugar maior. Jesus saiu da Galiléia muito cedo; foi à China e depois para Roma. Eram 24 reis magos, um de cada País representante - dois da Itália. Reparemos que o novíssimo Evangelho já tem seus preceitos bem solidificados na terra e agora simplesmente quer ser oficializado no vácuo dos outros, eternos concorrentes.


                   Não é à toa, as grandes marcas querem se legitimar entre as essencialidades - com a metafísica bem amparada em milagres. Jesus é um garoto propaganda e tanto, maior do que um bom centroavante, e funciona melhor em mensagens veladas. A Ferrari também arquiteta o seu Evangelho, como outras o farão. Não haverá automóveis, é claro, mas deve falar do esplendor. Todos serão disponibilizados na net e com o tempo competirão com os tradicionais. Falo de uma conotação, da busca do soberbaço, o ser perfeito; mas haverá outras. A Nike, com fábricas pela Ásia, fará Cristo convencer crianças a carregarem a sua água. Logo essas versões serão jogadas na mídia, a princípio anonimamente; só com o tempo as empresas assumirão a sua criação. Por enquanto esse encontro na sede da Channel é secretíssimo – há grandes cronistas que são péssimos detetives, por isso que eu sei da tal reunião.
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