domingo, 15 de janeiro de 2012

POESIA/DRUMMOND

A verdade dividida*

A porta da verdade estava aberta
Mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade espeldia seus fogos.
Era dividida em  duas metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade - Poeta brasileiro

Este poema apareceu inicialmente no livro Corpo, de 1984, um ano antes da publicação de Contos Plausíveis, de onde foi extraída esta versão. Entre as duas edições há ligeiras mudanças. Vale a pena observar essas alterações porque elas sempre revelam um pouco dos métodos de composição do poeta.
Em Corpo, o título era "Verdade". Talvez o autor tenha achado esse título um tanto pretensioso e atenuou essa possibilidade, mudando-o para "A Verdade Dividida". No terceiro verso da terceira estrofe, o que era "seus fogos", passou a ser
 "os seus fogos". Na mesma estrofe, o que antes era "metades" transformou-se em "duas metades".

Na última estrofe, em lugar de "perfeitamente bela", como se lê ao lado, estava "totalmente bela". O trecho "E carecia optar" evoluiu para "E era preciso optar". A frase final permaneceu a mesma, mas a palavra "conforme" pertencia, antes, ao penúltimo verso. 

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