Concentração das verbas publicitárias estatais também é decisão política
Alexandre Haubrich*
Uma
pequena fábula: dois filhos nascem em anos seguidos. O primeiro, que
vamos chamar de A, é mimado, ganha todos os brinquedos, toda a atenção, é
bem alimentado e recebe todas as possibilidades de estudar. O segundo,
que chamaremos de B, ao contrário, não ganha sequer a comida necessária
para viver, vendo-se obrigado a vagar pelas ruas em busca de um pãozinho
ali, outro acolá. O filho A puxa o saco dos pais, embora estes tenham o
sequestro, a tortura e o assassinato como práticas diárias. Por estar
sempre apoiando os pais em seus atos, o filho A ganha ainda mais
benesses. O filho B, crítico, segue deixado de lado. Muitas vezes até
apanha ferozmente.
Finalmente
os pais são presos, e os filhos são adotados por um novo casal. Mas os
pais adotivos também não são lá muito democráticos. São empresários, e
constantemente humilham os trabalhadores de suas tantas empresas.
Novamente, o filho A os elogia. O filho B, os critica. Apenas o filho A
ganha carinho, atenção, comida. Ao filho B, restam os cantos. Certo dia,
os filhos agora adolescentes, os pais adotivos morrem. E os filhos A e B
são novamente adotados. Os novos pais adotivos estão na dúvida sobre
como trata-los, e o filho A não reluta. Maior e mais forte, pressiona e
ameaça os novos pais: “nada pra ele, tudo pra mim!”. E tenta justificar:
“sou maior, sou mais forte, tenho mais brinquedos, por isso mereço
mais”.
–
A saída de
Helena Chagas da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, na
última semana, trouxe mais uma vez à tona na velha mídia um debate que
não sai da mídia alternativa há tempos: o problema da distribuição das
verbas estatais de publicidade. É grave a distorção contida na afirmação
de que distribuir as verbas baseado em audiência dos veículos é
“critério técnico” e que se contrapõe ao “critério político” da
distribuição horizontalizada que busque fortalecer novos veículos. Na
realidade, os dois critérios são políticos e técnicos, são decisões políticas que contêm, de uma ou de outra forma, uma justificativa técnica.
Helena
Chagas saiu reclamando contra setores do PT que pretendem mudar o
critério da audiência pelo critério da horizontalidade. Conglomerados da
velha mídia, historicamente favorecidos por verbas estatais – e que
sempre contaram com essa mãozinha para construir seus impérios –
aplaudem Helena, que por um bom tempo trabalhou para um deles, galgando
altos degraus no jornal O Globo.
Partindo-se
do pressuposto de que uma mídia democrática é condição inseparável de
uma sociedade democrática, um governo que pretende fazer avançar a
democracia no Brasil precisa estar ao lado dos movimentos sociais que
lutam por uma transformação na verticalizada e oligárquica estrutura
midiática brasileira. Isso passa, entre outras medidas, pela
desconcentração das verbas publicitárias estatais. Atualmente, em vez de
tomar a decisão política de usar as verbas para democratizar e
horizontalizar a comunicação, tem se optado por usá-las para não criar
grandes crises com a mídia dominante.
A
hipocrisia da velha mídia permite que travistam de puramente técnico o
que eminentemente político. Ao mesmo tempo, sua batalha pela manutenção
do estado de coisas inclui entre suas estratégias o esvaziamento da
disputa. Afinal, a imobilidade favorece os de cima, sempre. E a
despolitização é a causa fundamental da imobilidade. A disputa em torno
das verbas é, sim, política. Há a opção política por um tipo de distribuição em detrimento de outro.
Argumentando
contra a mudança, esse setor midiático afirma que o que querem os que a
defendem é a destinação de verbas a espaços de jornalismo
“chapa-branca”, aquele que apoia acriticamente determinado governo. Ora,
foram justamente práticas de “chapa-branca” o que tanto engordou esses
conglomerados – financeiramente e, consequentemente, em audiência – ao
longo das últimas décadas. Apoiaram a Ditadura e dela receberam apoio.
Apoiaram os governos neoliberais e deles receberam apoio. Mantêm rabos
presos com os altos setores empresariais – dos quais, aliás, são parte
orgânica – e deles recebem apoio. Na outra ponta, trabalhadores, jovens e
militantes são ou domesticados ou criminalizados, colocados uns contra
os outros. Os conglomerados levam ao pé da letra o ditado do “quem paga,
leva”, desde que essa fonte de recursos não contrarie frontalmente o
sistema geral que os sustenta.
Se por um
lado é verdade que há setores que só buscam mudanças com objetivos
puramente de interesse privado, sem construir qualquer tipo de conteúdo
de interesse público, foi – e continua sendo, já que não houve qualquer
mudança relevante – exatamente essa a prática dos conglomerados
midiáticos. Nem para um, nem para outro, as verbas estatais de
publicidade devem ser destinadas a ampliar vozes, fortalecer
alternativas e transformar a injusta, antidemocrática e silenciosa
estrutura de comunicação brasileira.
Fonte: http://jornalismob.com/2014/02/06/concentracao-das-verbas-publicitarias-estatais-tambem-e-decisao-politica/
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