quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

IMPRENSA



Concentração das verbas publicitárias estatais também é decisão política

Alexandre Haubrich*

Uma pequena fábula: dois filhos nascem em anos seguidos. O primeiro, que vamos chamar de A, é mimado, ganha todos os brinquedos, toda a atenção, é bem alimentado e recebe todas as possibilidades de estudar. O segundo, que chamaremos de B, ao contrário, não ganha sequer a comida necessária para viver, vendo-se obrigado a vagar pelas ruas em busca de um pãozinho ali, outro acolá. O filho A puxa o saco dos pais, embora estes tenham o sequestro, a tortura e o assassinato como práticas diárias. Por estar sempre apoiando os pais em seus atos, o filho A ganha ainda mais benesses. O filho B, crítico, segue deixado de lado. Muitas vezes até apanha ferozmente.
Finalmente os pais são presos, e os filhos são adotados por um novo casal. Mas os pais adotivos também não são lá muito democráticos. São empresários, e constantemente humilham os trabalhadores de suas tantas empresas. Novamente, o filho A os elogia. O filho B, os critica. Apenas o filho A ganha carinho, atenção, comida. Ao filho B, restam os cantos. Certo dia, os filhos agora adolescentes, os pais adotivos morrem. E os filhos A e B são novamente adotados. Os novos pais adotivos estão na dúvida sobre como trata-los, e o filho A não reluta. Maior e mais forte, pressiona e ameaça os novos pais: “nada pra ele, tudo pra mim!”. E tenta justificar: “sou maior, sou mais forte, tenho mais brinquedos, por isso mereço mais”.
A saída de Helena Chagas da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, na última semana, trouxe mais uma vez à tona na velha mídia um debate que não sai da mídia alternativa há tempos: o problema da distribuição das verbas estatais de publicidade. É grave a distorção contida na afirmação de que distribuir as verbas baseado em audiência dos veículos é “critério técnico” e que se contrapõe ao “critério político” da distribuição horizontalizada que busque fortalecer novos veículos. Na realidade, os dois critérios são políticos e técnicos, são decisões políticas que contêm, de uma ou de outra forma, uma justificativa técnica.

midia

Helena Chagas saiu reclamando contra setores do PT que pretendem mudar o critério da audiência pelo critério da horizontalidade. Conglomerados da velha mídia, historicamente favorecidos por verbas estatais – e que sempre contaram com essa mãozinha para construir seus impérios – aplaudem Helena, que por um bom tempo trabalhou para um deles, galgando altos degraus no jornal O Globo.
Partindo-se do pressuposto de que uma mídia democrática é condição inseparável de uma sociedade democrática, um governo que pretende fazer avançar a democracia no Brasil precisa estar ao lado dos movimentos sociais que lutam por uma transformação na verticalizada e oligárquica estrutura midiática brasileira. Isso passa, entre outras medidas, pela desconcentração das verbas publicitárias estatais. Atualmente, em vez de tomar a decisão política de usar as verbas para democratizar e horizontalizar a comunicação, tem se optado por usá-las para não criar grandes crises com a mídia dominante.
A hipocrisia da velha mídia permite que travistam de puramente técnico o que eminentemente político. Ao mesmo tempo, sua batalha pela manutenção do estado de coisas inclui entre suas estratégias o esvaziamento da disputa. Afinal, a imobilidade favorece os de cima, sempre. E a despolitização é a causa fundamental da imobilidade. A disputa em torno das verbas é, sim, política. Há a opção política por um tipo de distribuição em detrimento de outro.
Argumentando contra a mudança, esse setor midiático afirma que o que querem os que a defendem é a destinação de verbas a espaços de jornalismo “chapa-branca”, aquele que apoia acriticamente determinado governo. Ora, foram justamente práticas de “chapa-branca” o que tanto engordou esses conglomerados – financeiramente e, consequentemente, em audiência – ao longo das últimas décadas. Apoiaram a Ditadura e dela receberam apoio. Apoiaram os governos neoliberais e deles receberam apoio. Mantêm rabos presos com os altos setores empresariais – dos quais, aliás, são parte orgânica – e deles recebem apoio. Na outra ponta, trabalhadores, jovens e militantes são ou domesticados ou criminalizados, colocados uns contra os outros. Os conglomerados levam ao pé da letra o ditado do “quem paga, leva”, desde que essa fonte de recursos não contrarie frontalmente o sistema geral que os sustenta.
Se por um lado é verdade que há setores que só buscam mudanças com objetivos puramente de interesse privado, sem construir qualquer tipo de conteúdo de interesse público, foi – e continua sendo, já que não houve qualquer mudança relevante – exatamente essa a prática dos conglomerados midiáticos. Nem para um, nem para outro, as verbas estatais de publicidade devem ser destinadas a ampliar vozes, fortalecer alternativas e transformar a injusta, antidemocrática e silenciosa estrutura de comunicação brasileira.

 Fonte: http://jornalismob.com/2014/02/06/concentracao-das-verbas-publicitarias-estatais-tambem-e-decisao-politica/

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