sexta-feira, 31 de março de 2017

MEMÓRIA



31 de março: O Golpe Militar



O golpe liderado pelos militares, que depôs o presidente João Goulart, representou a reação dos setores conservadores da sociedade brasileira à manutenção da política populista no país. 



A situação internacional 


O "populismo" apresentava sinais de crise já há alguns anos. A política adotada por Getúlio Vargas, de manipular e utilizar as massas trabalhadores para a sustentação do poder e ao mesmo tempo desenvolver a economia nacional, fortalecendo a camada empresarial urbana, desgastara-se desde o final da 2° Guerra Mundial. 

A partir de 1945 os EUA recuperaram sua hegemonia mundial. Abalada pela crise de 1929, a economia do grande país capitalista aproveitara-se da Grande Guerra para se recompor e voltava a ditar as regras para o mercado mundial. Os países europeus necessitavam recuperarem-se fisicamente e economicamente e, em grande parte, dependiam dos norte americanos. Do ponto de vista político, desenvolvia-se a Doutrina Trumam, que enxergava na URSS o grande inimigo do desenvolvimento capitalista e dos valores da democracia e foi utilizada para atrair diversos países para a formação de uma aliança anti-comunista, sob comando norte-americano. 

A recuperação da economia mundial comandada pelos EUA, privilegiava o capital monopolista das nações desenvolvidas e a concentração de renda, amparada no interesse em impedir a expansão do socialismo na Europa e mesmo na Ásia. Esse comportamento deve reflexos diretos e imediatos sobre os países latino-americanos, muitos dos quais viviam uma fase de desenvolvimento industrial, como o Brasil, e que não se encaixavam nas necessidades da nova ordem pós guerra. 

Em um primeiro momento, os países latino-americanos ainda mantiveram uma certa estabilidade financeira, devido ao aumento das exportações de produtos primários para os países que se recuperavam da Guerra, porém essa situação esgotou-se por volta de 1953. A queda dos preços teve grande impacto no setor agrário, que mantinha a estrutura latifundiária e monocultura tradicional e que não foi alterada pelos governantes populistas. A crise no setor primário teve diversas consequências: maior empobrecimento das camadas populares do campo e diminuição da capacidade de importação, atingindo as camadas médias urbanas e principalmente, a capacidade da industria nacional, afetando diretamente a política econômica do governo, baseada no "industrialismo nacionalista". Soma-se a essa situação o aumento da dívida externa e da inflação.

Populismo em crise 



A ascensão de Jango a presidencia foi um dos momentos mais claros da crise do populismo. Em agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciava, após sete meses de governo. Segundo a Constituição o substituto imediato era o Vice- presidente, no caso, João Goulart. João Goulart ou Jango, foi o pivô da crise final do populismo. Latifundiário do Rio Grande do Sul, ascendeu à política nacional pelas mãos de Vargas, de quem era considerado continuador. Foi ministro do trabalho de Vargas, Vice-presidente de JK e era, em 1961, Vice-presidente da República, representando a política populista do PTB. Visto como esquerdista e portanto uma ameaça, pelos setores mais conservadores, teve sua posse barrada pelas pressões políticas comandadas pelo grande partido de oposição da época, a UDN e pela cúpula militar - general Odylio Denys, Almirante Silvio Heck e brigadeiro Grum Moss. Tal iniciativa era defendida abertamente por setores da imprensa como o jornal O Estado de São Paulo que no dia 29 de agosto afirmava: " ...a solução moral é a desistência espontânea do sr. João Goulart ou então a reforma da Constituição, que retira-se ao Vice-presidente da República o direito de suceder ao presidente..." (1). Ao mesmo tempo formou-se a partir do Rio Grande do Sul, a " Rede da Legalidade" defendendo o cumprimento da Constituição, garantindo a posse de Jango. A saída para tal crise passou longe de uma solução para o problema, enveredando para uma situação conciliatória com a aprovação de uma emenda à Constiuição que instituiu o parlamentarismo no país. Dessa maneira a Constituição foi cumprida com a posse do Vice-presidente e os setores conservadores tiveram seu desejo atendido, pois Jango não seria efetivamente governante do país. 



Parlamentarismo



No dia 2 de setembro foi aprovada a Emenda Constitucional, previamente discutida e aceita por Jango, em Paris. Os ministros militares aceitavam também a situação e o novo presidente tomou posse em Brasília no dia 7 de setembro. De setembro de 61 a janeiro de 63 o Brasil viveu sob o sistema parlamentarista. Adotado como medida conciliatória frente a crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros, esse sistema mostrou-se ineficiente naquele momento, mesmo porque, os principais líderes políticos e sindicais haviam sido formados dentro da concepção de uma estrutura centralizada, onde o presidente contava efetivamente com poder. No modelo adotado cabia ao presidente a indicação do primeiro ministro e a formação do Gabinete ( conjunto de ministros), que deveria ser aprovado por 2/3 do Congresso Nacional. O primeiro Gabinete foi liderado por Tancredo Neves e reuniu representantes dos principais partidos políticos. Depois desse, mais dois gabinetes foram formadaos em meio a uma crise política que praticamente paralisava a administração pública. Ao mesmo tempo em que procurava mostrar que o parlamentarismo não servia, Jango procurava contornar a grande rejeição ao seu nome no meio militar. Adotou uma política mais conciliatória, chegando a viajar aos EUA, com o intuito de melhorar as relações com aquele país e ao mesmo tempo obter ajuda econômica. O discurso moderado e a paralisia política abriram caminho para a campanha para a antecipação do plebiscito, marcado para 1965. Os setores moderados do PSD, e mesmo da UDN acabaram apoiando a antecipação, que contou ainda com a concordância dos militares.



O Governo de Jango



Os primeiros meses de governo foram acompanhados de grande expectativa. Destacavam-se como ministro Celso Furtado que, no ano anterior havia elaborado um plano de combate a inflação e de recuperação do crescimento, que deveria ser colocado em prática durante os 3 anos seguintes. O Plano Trienal considerava que a inflação era a grande responsável pela estagnação do crescimento, assim como pelo agravamento das tensões sociais. Nesse sentido, o Plano fazia uma análise de toda a conjuntura e salientava a necessidade de um conjunto de reformas que pudessem promover o crescimento e ao mesmo tempo diminuir as contradições sociais. No entanto, os governantes julgavam que a execução do Plano dependeria de apoio internacional, do governo norte-americano, do FMI e mesmo da URSS. As tentativas de negociação com os EUA e com o FMI podem ser consideradas como um fracasso. O pequeno empréstimo vindo dos EUA estava vinculado aos efeitos das medidas antiinflacionárias; a desconfiança em relação ao Brasil era muito grande. Os resultados escassos da política externa foram responsáveis pelo aumento das críticas ao governo, tanto da "esquerda" como da "direita".

A mudança no ministério, inclusive com a saída de Celso Furtado. Enquanto a inflação caminhava, Jango perdia suas bases de sustentação política, tanto de setores moderados do PTB, seu próprio partido, como do PSD ( que aproximava-se do conservadorismo da UDN), assim como da ala esquerda do PTB e das organizações sindicais. A primeira manifestação política que deiuxou evidente a fraqueza do governo foi a Revolta dos Sargentos (12/9/63), quando cerca de 600 soldados tomam prédios públicos em Brasilia, quebrando a hierarquia com o pretexto de contestarem o direito a elegibilidade. Enfraquecido pela crise econômica e pelas pressões internas e externas, Jango voltou-se para os grupos mais a esquerda, aliando-se a Leonel Brizola e Miguel Arraes e buscava apoio nos sindicatos e organizações estudantis.

Em contrapartida, os setores conservadores organizavam-se através do IBAD (Instituto Brasuileiro de Ação Democrática) financiada pela Embaixada dos EUA, e através do IPES, organização do empresariado paulista No dia 13 de março realizou-se o comício da Central do Brasil, onde Jango proclamava as Reformas de Base, decretando o início do processo de reforma agrária. A reação conservadora veio seis dias depois em São Paulo, com a Marcha com Deus e a família pela liberdade, organizada pela Igreja Católica, reunindo as camadas médias.

A postura do Presidente da República frente o "Levante dos Marinheiros" do dia 25 pode ser considerada como a gota d´agua para a organização concreta da conspiração golpista, tendo como articuladores o Marechal Castelo Branco, o General Mourão Filho e o General Kruel, além dos governadores de Minas Gerais, Magalhães Pinto e do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda. Também os governador de São Paulo apoiou o golpe. No dia 30 de março as tropas do General Mourão Filho começam a se deslocar para o Rio de janeiro. É o início do movimento militar, já previsto pelos mais variados setores da sociedade. Jango enviou tropas do Rio de janeiro para conter os militares mineiros, porém, tanto o 1° como o 2° exército aderiram ao movimento.

Em 1° de abril Jango deslocou-se para o Rio Grande do Sul e desistiu de organizar um movimento de resistência, apesar das pressões de Brizola. Em Brasília Auro de Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente e seguiu a prática Constitucional, empossando Ranieri Mazzili, que era o presidente da Câmara do Deputados. O governo norte americano foi o primeiro a reconhecer a nova situação. 

Consolidava-se a reação conservadora, comandada pelos militares, que eliminavam definitivamente o populismo, abalado há muito tempo por suas próprias contradições internas



(1) citado in História da Sociedade Brasileira, pag. 298, de Francisco Alencar, Ed. Ao Livro Técnico

Fonte: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=291

quinta-feira, 30 de março de 2017

SOBERANIA ALIMENTAR




Até 2020, Bolívia pretende produzir a própria comida que consome




Segundo dados do IPDSA, a produção de alimentos teve um aumento contínuo de 25% nos últimos anos









País já começou a aumentar a produção de alimentos como legumes, tomates, trigo e café. Foto: Flickr.com/CIAT
Diante das novas tendências globais e da necessidade de tornar o mundo mais sustentável, as indústrias alimentícias estão buscando incessantemente novas alternativas para trazer para o seu público somente produtos que atendam a todos os requisitos ambientais.
Desta forma, o governo boliviano anunciou no ano passado que investiria cerca de $ 40 milhões de dólares em produção local de alimentos, ajudando pequenos e médios agricultores do país. A missão desse projeto é que até 2020 o país se torne totalmente autossuficiente em relação à produção dos alimentos que consome.
Segundo a vice-ministra do Desenvolvimento Rural e da Agricultura, Marisol Solano, 20 dos projetos de segurança alimentar já estão em andamento, com apoio financeiro destinado para a criação de gado e piscicultura, além do aumento significativo na produção de batata, tomates, trigo, legumes, café e cacau.
Dados do Public Institute for Food Sovereignty, ou IPDSA (sigla em espanhol), mostraram que a produção teve um aumento de 25% direto desde 2014, sendo que o principal intuito é manter essa taxa de crescimento em 2017. Esses números deixam claro o quão próximo de chegar ao seu objetivo o país está.
Desde janeiro a Bolívia proibiu a entrada de uvas vindas da Argentina e Chile, até a colheita própria de vinha do país. Para proteger e incentivar a produção local e nacional, a Segurança Nacional de Saúde Animal e Vegetal e Segurança Alimentar permitiu a suspensão das importações.
Essa suspensão vai ajudar não só na melhoria dos meios de subsistências dos agricultores e empresas da região, como também vai reduzir as emissões, juntamente com as questões globais abordadas como o desemprego, a fome e a pobreza. Entretanto, mesmo estando no caminho correto, ainda é incerto se o projeto vai conseguir alcançar a soberania alimentar já nos próximos anos e se ele será realmente bem sucedido.

Fonte: http://www.pensamentoverde.com.br/economia-verde/ate-2020-bolivia-pretende-produzir-propria-comida-que-consome/?utm_source=facebook.com&utm_medium=timeline&utm_campaign=parceriapv&utm_content=economiaverde

quarta-feira, 29 de março de 2017

CURITIBA




ANIVERSÁRIO

Curitiba, 324 anos: uma história manchada pela segregação e pela desigualdade

Existe um abismo entre a área central, os bairros periféricos e a região metropolitana

Brasil de Fato | Curitiba (PR), 
Primeiro Plano Diretor foi elaborado na década de 1960 e previu o crescimento linear da cidade / Divulgação Curitiba Antiga
“Cidade modelo”, “cidade sorriso". À sombra dos apelidos carinhosos, Curitiba completa 324 anos neste dia 29 de março com um fardo cada vez mais difícil de carregar: a desigualdade e a segregação social.
Uma criança que nasce no Batel, um dos bairros mais ricos da região central, terá em média 12 anos a mais de vida que quem nasce na Vila Parolin, a 5 km de distância – segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. A diferença de expectativa de vida reflete um abismo na qualidade dos serviços de saúde, saneamento e segurança.
A situação se agrava na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Matriz 1, que contempla os bairros próximos ao Centro, é 0,928 - semelhante ao da Suíça, por exemplo. O do município de Doutor Ulysses, na RMC, é 0,546 – equivalente ao do Quênia, um dos países mais pobres da África.
Histórico
Ocupado inicialmente por indígenas, o território da RMC foi palco de choques culturais desde o século XVII, quando se tornou caminho para tropeiros e bandeirantes. Em 1875, o então presidente da província do Paraná, Lamenha Lins, incentivou a imigração europeia para aumentar a produção de alimentos e, sem querer, fortaleceu as divisas étnicas e culturais. O que poderia ser uma grande mistura virou um conjunto de pequenas ilhas, com pouca ou nenhuma interação.
O primeiro Plano Diretor, elaborado em 1966, previa o crescimento linear de Curitiba, coibindo a expansão para todos os lados. “Mais do que o desenho, o que pesou para a segregação foi a valorização do preço da terra”, analisa Madianita Nunes da Silva, pesquisadora do Observatório das Metrópoles. “O avanço da atividade imobiliária dificultou, nessa época, o acesso à terra por parte da população de baixa renda – em geral, migrantes que vinham do campo para a cidade”.
Após duas décadas de aumento demográfico, os anos 1990 foram marcados pelo empobrecimento da população, o que resultou na formação de favelas e de vilas irregulares. Em 2004, o novo Plano Diretor contemplou várias demandas de movimentos pelo direito à moradia e à cidade. Porém, "os aspectos centrais do Plano não foram regulamentados”, segundo Madianita, e a segregação se manteve.
De acordo com o Índice de Gini, que mede a concentração de renda, Curitiba não conseguiu diminuir a desigualdade nas últimas décadas. Em 1991, o índice era 0,55, em uma escala de 0 a 1. Em 2000, a diferença de renda aumentou e o índice subiu para 0,59. O dado mais atualizado, de 2010, indica novamente 0,55.
Desintegração
O Estatuto das Metrópoles, de 2015, prevê responsabilidade dos estados na elaboração de políticas públicas para integração e acesso a serviços nas regiões metropolitanas. Para Olga Firkowski, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse processo não contempla todos os 29 municípios da RMC. “Isso vale para metade deles, aqueles que são limítrofes a Curitiba e que têm algum nível de integração”, afirma. “Os demais foram integrados à RMC por uma razão política, não técnica, e aí não faz sentido propor políticas em comum”
Olga defende que os setores prioritários são transporte, saneamento e habitação: “A desintegração do transporte coletivo metropolitano, que ocorreu recentemente, por exemplo, é um passo na contramão do Estatuto”.
Fala, curitibano
O biólogo Gastão da Luz cresceu em uma casa da madeira na rua Dr. Faivre, no Centro. Desde cedo, aprendeu que quem vivia “do outro lado do trilho” era diferente: melhor nem se relacionar. “A cidade é excludente e assume isso. Curitiba tem 22 portais que não separam só os bairros, mas separam guetos. Árabes para um lado, judeus para o outro… só os índios e os negros não têm o seu espaço!”, critica.
Como curitibano, ele entende que a segregação é um elemento formador do município, que desde a fundação escolheu “não enxergar" certos aspectos da realidade. “Por exemplo, o lixo de Curitiba é carregado nas costas, e os carrinheiros são seres ‘invisíveis’. Temos 300 favelas, e a Prefeitura não reconhece nenhuma delas com esse nome. A gente aprende em casa a não se misturar e a fechar os olhos para o diferente”.

 
Edição: Ednubia Ghisi

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2017/03/29/curitiba-324-anos-uma-historia-manchada-pela-segregacao-e-pela-desigualdade/index.html

terça-feira, 28 de março de 2017

ARTIGO




O planeta não tem uma lata de lixo



Reutilizar, reaproveitar, reciclar, recuperar são palavras que precisam, com urgência, fazer parte mais efetiva do vocabulário de todos os seres humanos, de todos os países, especialmente dos mais desenvolvidos, pois são eles que produzem a maior quantidade de lixo no planeta. E o planeta não tem uma lata de lixo. É urgente, portanto, que tiremos a palavra do nosso vocabulário.

A obsolência programada e o culto ao consumo desenfreado têm nos levado a fazer o equivalente a depositarmos todo o lixo que produzimos dentro de nossa própria residência. Em quanto tempo ela estaria inabitável? O que fazemos em casa e nas ruas afeta todo o nosso planeta. O problema é o ritmo incrível e insustentável do desenvolvimento mundial. Na verdade, não há “desenvolvimento”; e, sim, um modo de vida totalmente equivocado.
O descarte irregular de objetos como sofás, geladeiras, fogões e outros móveis e utensílios é hoje um dos maiores problemas das cidades, independentemente de seu tamanho. Afeta tanto as pequenas cidades do interior, quanto os grandes centros.

Não temos sido capazes de lidar bem com as consequências do nosso pseudo desenvolvimento, do modo como convivemos com a natureza.  Os milhões de toneladas de lixo que produzimos são colocados onde não vemos. É o lado mais escuro e obscuro das selvas urbanas, onde milhares de animais como nós, e outros, buscam a sobrevivência, a comida dos filhos, o comercializável para bancar o resto necessário para se manterem vivos.

Por outro lado, a humanidade tem visto acontecer cada vez mais cedo o limite no uso dos recursos renováveis do planeta. A organização não-governamental Global Footprint Network (GFN)  chama de “Dia da sobrecarga”. Não obstante, as autoridades mundiais têm metas apenas no que se refere à emissão de gases. Não há discussões planetárias sobre a redução da produção de lixo e do uso dos recursos. Segundo a GFN, em 2015, o tal dia de sobrecarga da Terra aconteceu em agosto. Em 1970, acontecia em dezembro.

A nossa sociedade é construída para queimar recursos, de forma continua, sem possibilidade de abrandar. A produção de lixo segue o mesmo caminho.  Quando a ‘queima’ abranda, fala-se em crise económica, lamenta-se a falta de crescimento.
A reutilização e o reaproveitamento de móveis, objetos e mesmo de restos orgânicos é, em geral, visto como coisa de loucos ainda. Projetos que buscam trabalhar com a reutilização de materiais, geralmente descartados, são vistos com “maus olhos”. Reutilizar um vaso sanitário descartado na rua para plantar alfaces então, é o cúmulo para a maioria. “Que coisa horrível”, dizem. Asseguram que é melhor plantar num vaso de plástico e levar o tal vaso sanitário para o aterro, longe de nossos olhos. Lhes asseguro que esta é uma visão equivocada.


Espero que, breve, mudemos de ideia. Para o bem de todos nós que aqui estamos e dos que virão, pois um recurso que se esgotará, talvez, muito em breve, é a capacidade da terra de absorver o nosso lixo.

domingo, 26 de março de 2017

CONSUMO CONSCIENTE DE ÁGUA




Cinco passos para ensinar às crianças o consumo consciente de água


Dar o exemplo é a principal dica: demonstre hoje como evitar a escassez no futuro.

24 de fevereiro de 2017
Estratégias lúdicas e criativas criam a consciência da importância da natureza desde cedo. | Foto: iStock by Getty Images

No Brasil cada pessoa gasta, em média, 185 litros de água por dia, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda o máximo de 110 litros. O desperdício é um dos fatores que agravam a escassez desse recurso. Nada mais lógico, portanto, que ensinar a quem mais irá sofrer com esse problema no futuro: as crianças. Para Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, a educação para o consumo consciente é uma medida essencial e urgente a ser adotada.
“O bom exemplo ainda é o método mais eficaz para transmitir ensinamentos aos filhos, mas é possível apostar em outras estratégias, de preferência que tenham um aspecto mais lúdico e criativo para criar a consciência da importância da natureza desde cedo”, ressalta Nunes. Segundo ela, a estratégia é fazer com que as crianças entendam a conservação como parte do dia a dia, e não como uma tarefa forçada.
Segundo o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 – Água para um Mundo Sustentável, documento elaborado pela Unesco, o consumo da água cresceu duas vezes mais do que a população nas últimas décadas. Seguindo o mesmo padrão de uso desse recurso, estima-se que até 2030 o mundo deve alcançar um déficit de 40% no abastecimento de água.
Leia abaixo cinco dicas para educar as crianças para a importância de conservar os recursos hídricos e consumir água de maneira consciente.
  1. Comece por uma lista de ações
O que pode mudar em casa para que a família consiga economizar água? Sente com seus filhos e, juntos, elaborem uma lista com itens que podem servir como metas, como reduzir o tempo de banho a cinco minutos por pessoa, varrer a calçada em vez de lavar, coletar a água que cai do chuveiro enquanto a temperatura está sendo regulada e todas as outras ações que resultem em economia.
Ao final de cada semana, a família pode retomar a lista para avaliar o que foi ou não cumprido.

    Foto: iStock by Getty Images

    1. Reutilize a água
    Algumas atividades não exigem água tratada, como lavar as calçadas ou o carro. A reutilização é uma boa alternativa nesses casos. É possível captar a água que sobra depois do banho de banheira dos bebês ou da lavagem da roupa para empregar nessas tarefas. As crianças podem participar de todo esse processo. Não se esqueça de ensinar quais são os afazeres que exigem ou não água potável. A água coletada pode ser usada na limpeza da casa – deixe claro que ela não serve para ser consumida.
    1. Cultive um jardim
    Qual a melhor forma de fazer uma criança entender que, sem água, os vegetais não sobrevivem e isso compromete a disponibilidade de alimentos? Cultivando um jardim em casa, plantando sementes e cuidando delas até que se desenvolvam. Caso não haja espaço, um vaso de flor pode ser suficiente para ilustrar o processo. Se os pequenos ainda não conhecem o ciclo de formação da chuva, é um bom momento para abordar o assunto.
    Reserva Natural Salto Morato | Foto: Acervo Fundação Grupo Boticário
    1. Entre em contato com a natureza
    Você sabia que existe um tipo de mata que protege os cursos d’água? A mata ciliar leva esse nome pois age como os cílios para os olhos e, assim, protege rios, mananciais e outras fontes de água de impurezas, poluição, assoreamento e muito mais. Visitar parques no meio da cidade e programar passeios em contato com a natureza são formas de demonstrar para as crianças a importância de conservar as áreas naturais e a relação delas com as fontes de água.
    1. Escolha o que e quando comprar
    Embora a economia no ambiente doméstico seja essencial, o maior consumo de água acontece fora de casa: cerca de 70% do gasto de água mundial corresponde à agropecuária e 20% à indústria, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
    Para produzir um quilo de carne bovina, são necessários aproximadamente 15 mil litros de água. Por outro lado, a mesma quantidade de carne de frango exige menos de quatro mil litros. Na confecção de uma camiseta de algodão são gastos quase dois mil litros de água e mais de sete mil para um par de sapatos de couro. O computador de uso pessoal precisa de cerca de 30 mil litros de água para ser fabricado.
    Portanto, é preciso pensar também na água envolvida na fabricação dos produtos e, a partir disso, fazer escolhas. Pare para refletir sobre seus hábitos de consumo: são necessárias tantas peças de roupas e pares de sapatos? É preciso trocar os aparelhos eletrônicos com tanta frequência? Ter essa consciência e ensiná-la para as crianças é um caminho para uma sociedade mais sustentável.
    Fonte: http://ciclovivo.com.br/noticia/cinco-passos-para-ensinar-as-criancas-o-consumo-consciente-de-agua/

    sábado, 25 de março de 2017

    POLÍTICA - ENTREVISTA: PABLO ORTELLADO*




    "O Processo de renovação da esquerda é atravancado pela renovada hegemonia do PT"


    Por: Patricia Fachin | 23 Março 2017

    Apesar de vozes à esquerda defenderem a necessidade de “enterrar” e fazer “o luto do PT” para que algo novo possa surgir no campo progressista, essa proposta foi praticamente soterrada depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, avalia Pablo Ortellado na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. As razões disso, explica, se devem ao fato de a esquerda ter se aglomerado novamente em torno do PT por conta de dois motivos: “a polarização nas eleições de 2014” e “o impeachment da ex-presidente Dilma”.
    Portanto, assinala, “o fenômeno novo” na conjuntura política é que “várias dessas correntes terminaram confluindo, novamente, para o PT”. Ele exemplifica: “Toda essa disputa crítica que aconteceu durante o governo Lula sobre a transposição do rio São Francisco foi completamente esquecida, e essa transposição, que pode e deve ser criticada sob inúmeros pontos de vista, foi absolutamente celebrada como uma grande conquista, um grande legado do governo do ex-presidente Lula”.

    Para ele, o discurso de parte da esquerda em defesa das “empresas nacionais” e a crítica à Lava Jato e à Operação Carne Fraca fazem parte da “estratégia discursiva do Partido dos Trabalhadores, que está tentando desacreditar a Operação Lava Jato, apresentando-a como uma grande conspiração contra a indústria nacional, que tinha se projetado por meio das políticas desenvolvimentistas dos governos Lula e Dilma. Ao apresentar a Lava Jato junto com a recente operação da Polícia Federal [Carne Fraca] como uma iniciativa contrária à indústria nacional, eles tentam deslegitimar as denúncias de corrupção que vieram da Lava Jato e que atingem praticamente toda a cúpula do PT”. Mas salienta: “Como o resto da sociedade está fora da zona de influência da esquerda, e a vê como um agente corrompido, a esquerda fala de maneira desesperada e cada vez para menos pessoas, na medida em que ela só fala para seus próprios militantes”.

    Na avaliação de Ortellado, a reinvenção da política no Brasil depende de se dar um “passo seguinte”, que consiste em “um processo de renovação da esquerda em busca de alternativas que pudessem nos levar um pouco mais adiante”. Contudo, adverte, “esse processo de polarização e de renovação da hegemonia do PT no campo da esquerda está atravancando o processo de renovação, que não parece que vai acontecer tão cedo”.

    Ortellado | Foto: IEA USP
    Pablo Ortellado é doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, orientador no programa de pós-graduação em Estudos Culturais e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação - Gpopai, todos na USP.
    Pablo Ortellado esteve no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, nesta quinta-feira, 23-03-2017, ministrando a palestra “A reinvenção da esquerda brasileira no pós-lulismo. Continuidades e rupturas”. O evento integra o Ciclo A reinvenção da política no Brasil contemporâneo. Limites e perspectivasConfira a programação aqui.
    Confira a entrevista:
    IHU On-Line - Quais são as principais correntes de esquerda existentes no país e em que aspectos elas se aproximam e se diferenciam?
    Pablo Ortellado – Existem muitas esquerdas, correntes e abordagens, e é muito difícil listar todas. Para falar algo além disso, o fenômeno mais novo é que várias dessas correntes terminaram confluindo novamente para o PT em função do processo de impeachment. Logo depois do impeachment da presidente Dilma, o discurso do golpe e a urgência que trazia a palavra golpe, de uma interrupção democrática, de uma suspensão das liberdades, fez com que um pouco dessa pluralidade que existia, que estava à esquerda do PT e que tinha certa independência, se reagrupasse na defesa desse mandato que foi interrompido.
    Existem muitas esquerdas, mas essa diversidade das esquerdas diminuiu recentemente, desde o processo de impeachment, quando o discurso do golpe terminou por confluir uma série dessas correntes e grupos, que acabaram se aglomerando e se coordenando em defesa daquele mandato que foi interrompido.
    IHU On-Line – Então você diria que há uma união da esquerda hoje, ou apesar dessa confluência em torno do PT, há uma crise ou uma disputa interna na esquerda?
    Pablo Ortellado – Existe uma enorme disputa. Se olharmos a história da esquerda no Brasil, trata-se de uma história que gira em torno do PT desde os anos 1970, porque o PT é a confluência dos movimentos sociais em um projeto de institucionalização política. Uma vez que ele se estabeleceu, terminou ultrapassando o paradigma anterior da esquerda, que era o Partidão, estabelecendo-se assim como a nova referência da esquerda: tudo se estabelece em referência ao PT, inclusive as forças políticas da esquerda. Todos os partidos que costumamos chamar de extrema-esquerda já estiveram alguma vez no PT. Inclusive aqueles partidos que buscam estar fora do campo da esquerda ou com certa autonomia em relação à esquerda – é o caso da REDE –, encontramos as raízes deles no Partido dos Trabalhadores. Isso engloba o PSTU, o PSOL, a REDE; todos eles foram desdobramentos do PT.
    Além disso, vários outros grupos que não estavam vinculados aos partidos políticos acabaram confluindo no processo do impeachment. Fora disso, existe a nova esquerda autônoma e alguns partidos trotskistas, que estão tentando sair dessa zona de influência do Partido dos Trabalhadores, mas isso muda conjunturalmente.
    IHU On-Line - Quais as consequências dessa confluência da esquerda em torno do PT?
    Pablo Ortellado – Isso é positivo para o PT, porque ele restabeleceu sua liderança e sua hegemonia no campo da esquerda; esse é o principal resultado desse processo. A partir do momento em que as forças políticas se uniram com urgência em defesa de um mandato que foi interrompido por um processo de impeachment, o PT reapareceu como grande líder no campo da esquerda. Esse era um papel que estava muito desgastado em um passado recente e que ele recuperou totalmente. Hoje, sem dúvida, a principal força de esquerda é o PT.
    IHU On-Line - Como a esquerda tem reagido diante de questões polêmicas, como a inauguração de parte da obra da transposição do rio São Francisco, a Operação Carne Fraca e a Operação Lava Jato? Parte da esquerda tanto defende a transposição, quanto faz uma crítica à Operação Carne Fraca e à Operação Lava Jato, argumentando que essas operações prejudicam as empresas nacionais. Como avalia esses discursos?
    Pablo Ortellado – Existem posições minoritárias que são divergentes desses grupos que mencionei, os grupos que estão tentando escapar da polarização, sejam eles ligados aos movimentos autônomos, à REDE ou a nenhuma força política, mas são forças minoritárias.
    Entretanto, esse cenário que você descreve é totalmente decorrente da “renovada” hegemonia do PT no campo da esquerda. Essas são estratégias discursivas e políticas do Partido dos Trabalhadores, que fez a transposição do rio São Francisco mesmo com denúncias de grupos ambientalistas, com denúncias de grupos que representavam as comunidades que seriam afetadas pela transposição do rio. Toda essa disputa crítica que aconteceu durante o governo Lula sobre a transposição do rio São Francisco foi completamente esquecida, e essa transposição, que pode e deve ser criticada sob inúmeros pontos de vista, foi absolutamente celebrada como uma grande conquista, um grande legado do governo do ex-presidente Lula.
    Essa leitura das delações da Odebrecht e da defesa das empresas brasileiras é uma estratégia que, a meu ver, faz parte da estratégia discursiva do Partido dos Trabalhadores, que está tentando desacreditar a Operação Lava Jato, apresentando-a como uma grande conspiração contra a indústria nacional, que tinha se projetado por meio das políticas desenvolvimentistas dos governos Lula e Dilma. Ao apresentar a Lava Jato junto com a recente operação da Polícia Federal [Carne Fraca] como uma iniciativa contrária à indústria nacional, eles tentam deslegitimar as denúncias de corrupção que vieram da Lava Jato e que atingem praticamente toda a cúpula do PT. Acredito que seja uma estratégia discursiva do Partido dos Trabalhadores, e como ele retomou a hegemonia no campo da esquerda, esse discurso está sendo adotado por amplos setores; e a maioria da esquerda está, mais ou menos, encampando esse discurso, contra alguns setores que hoje são minoritários.
    IHU On-Line - Mas por que a esquerda se volta para o PT como a sua tábua de salvação?

    Pablo Ortellado – Na minha opinião isso tem a ver com dois elementos: a polarização nas eleições de 2014 e depois, logo em seguida, com o impeachment da ex-presidente Dilma. Essas dinâmicas de polarização terminam juntando os campos e, ao fazer isso, as forças mais organizadas tendem a estabelecer uma hegemonia. Na eleição da ex-presidente Dilma houve um processo de enorme polarização, foi uma campanha em que se afirmaram certos valores de esquerda e certo projeto de esquerda. No entanto, logo depois que a ex-presidente iniciou o mandato, o que foi dito durante a campanha foi completamente desmentido pelos fatos, mas no processo eleitoral as forças de esquerda se aglomeraram na defesa daquele projeto - esse foi o primeiro momento em que houve uma espécie de confluência.
    Depois, durante o processo de impeachment, o discurso do golpe, o uso e a difusão da palavra “golpe” - que até pode ser acertada, porque descrever o impeachment como uma espécie de golpe parlamentar não é de todo errado - reavivou a memória da ditadura, a memória da violação dos direitos fundamentais, da interrupção do regime democrático, e isso gerou uma urgência e uma paixão que foram mobilizadas em torno da defesa daquele mandato. Consequentemente, isso restabeleceu a hegemonia do PT sobre um campo da esquerda que ele havia perdido. Por exemplo, amplos setores do PSOL hoje têm abordagens muito parecidas com o PT, sendo que o PSOL nasceu e sempre se marcou como uma dissidência do PT e sempre fez muita questão de marcar sua diferenciação com o petismo, mas agora eles estão muito unidos.
    IHU On-Line – Quais as consequências dessa confluência para a esquerda? Será positiva?
    Pablo Ortellado – Creio que não. Acredito que a experiência do governo do Partido dos Trabalhadores já mostrou seus limites: trouxe alguns avanços sociais, políticas sociais e alguma melhoria econômica para os mais pobres, mas mostrou limites muito claros. O passo seguinte deveria ser um processo de renovação da esquerda em busca de alternativas que pudessem nos levar um pouco mais adiante. Agora, esse processo de polarização e de renovação da hegemonia do PT no campo da esquerda está atravancando o processo de renovação, que parece que não vai acontecer tão cedo.
    IHU On-Line - Como a esquerda lidou com os casos de corrupção? Como ela poderia ter lidado com isso?
    Pablo Ortellado – Em primeiro lugar quero chamar a atenção de que essa esquerda mesmo, o Partido dos Trabalhadores, não só pode falar de corrupção, como já falou muito de corrupção. Basta lembrarmos o papel do PT nos anos 1990, que se apresentava como o “partido da ética” – esse era, inclusive, um apelido do PT. Isso aconteceu há 25 anos, quando o PT se colocava como o partido da ética, denunciando os esquemas de corrupção do governo Fernando Henrique Cardoso, a compra de votos para a reeleição, os escândalos dos anões do orçamento. Então, não apenas é possível conciliar uma posição de esquerda com a crítica de corrupção, como isso aconteceu recentemente com os próprios setores que estão denunciando isso hoje.
    A defesa do patrimônio público me parece muito obviamente uma posição de esquerda, e a esquerda tem desenvolvido alternativas e propostas de políticas públicas no combate à corrupção que são próprias da esquerda, como a transparência e o controle social, assim como a independência das forças policiais e das instituições de investigação. Todas essas são iniciativas que foram propostas por agentes de esquerda.
    O que é novo é que a esquerda, uma vez que tenha se tornado alvo dessas investigações de corrupção, subitamente e de maneira oportunista, mudou de posição, dizendo que a corrupção é sistêmica e relacionando qualquer crítica de corrupção a uma crítica moralista. Isso parece uma defesa muito oportunista dos seus próprios quadros de dirigentes que estão sob investigação por terem saqueado, de maneira bilionária, a principal empresa pública brasileira.
    IHU On-Line – Recentemente você disse que a esquerda entrou numa “hipertrofia discursiva isolacionista e vitimista”, ao adotar o discurso de que ela está sendo perseguida. O que levou a esquerda a essa hipertrofia? Isso tem alguma relação com o desempenho da esquerda nos governos Lula e Dilma?
    Pablo Ortellado – Tem. Ela fica falando porque está desesperada, ela está sob ataque de investigação. Pouco importa, neste momento, se a esquerda é mais investigada e mais cobrada do que a direita. Essa é uma questão pertinente, mas não é suficiente para eximir a esquerda das críticas por estar envolvida nos escândalos de corrupção.
    Portanto, frente a isso, esses setores da esquerda que estão sendo investigados entraram em uma espécie de hipertrofia discursiva no sentido de que estão falando muito rapidamente, de uma maneira muito desesperada, e falando apenas para si mesmos. Como o resto da sociedade está fora da zona de influência da esquerda, e a vê como um agente corrompido, a esquerda fala de maneira desesperada e cada vez para menos pessoas, na medida em que ela só fala para seus próprios militantes. E a população vai se afastando dessa força política que ela vê implicada nos escândalos de corrupção, a qual é universalmente rejeitada, para além dos círculos dos militantes de esquerda, e por bons motivos.
    IHU On-Line - Alguns também têm avaliado que a esquerda ainda não fez sua autocrítica acerca dos erros que cometeu, os quais levaram o país à crise em que se encontra. Como está acontecendo esse processo de autocrítica da esquerda? Que questões deveriam ser consideradas nessa autocrítica?
    Pablo Ortellado – Quem tem que fazer a autocrítica são os setores que estão implicados nessas denúncias de corrupção, que são setores do Partido dos Trabalhadores, e o PT reagiu muito mal a esses escândalos. Nesse sentido a resposta do Partido dos Trabalhadores é, basicamente, “os outros também fazem e as investigações são uma perseguição contra nós”. Eles nunca disseram que esses casos de corrupção não aconteceram, dizem apenas “os outros também fazem”, e não fizeram nenhuma autocrítica. Mas o fato é que um partido de esquerda, que deveria defender e inclusive ampliar o patrimônio público, se envolveu em um esquema de corrupção no qual o patrimônio público foi saqueado para fins privados. Portanto, a esquerda não fez nenhuma autocrítica, está tentando sobreviver com a crise econômica.
    esquerda está tentando sobreviver mudando de assunto, e ao que tudo indica ela conseguirá mudar de assunto. Isso porque a crise econômica gerou uma frustração tão grande nos brasileiros, que eles começam a olhar para a experiência do Partido dos Trabalhadores como um momento de bonança na economia, e, na busca de melhorias econômicas, corre-se o risco de se deixar para trás esses escândalos de corrupção. Acho que esse é o significado da folgada liderança que o ex-presidente Lula tem na corrida presidencial de 2018. Respondendo: o PT não fez a autocrítica que deveria ter feito e é possível que ele sobreviva sem fazê-la.
    IHU On-Line - Alguns têm chamado atenção para o déficit de pensamento no Brasil. Há esse déficit de pensamento? Por quais razões?
    Pablo Ortellado – Com certeza existe uma falta de pensamento crítico e isso tem a ver com a polarização política. A partir do momento em que temos uma polarização numa espécie de guerra na sociedade, quando as pessoas que se interessam por política estão divididas e debatem a partir de uma chave muito belicosa e intolerante umas com as outras, não existe espaço para posição independente, porque cada lado acha que a posição independente é uma traição da causa.
    Se você tem um pensamento independente, te empurram para um lado ou para o outro, e você é mutuamente atacado pelos dois lados. É por esse motivo que reflexões em busca de posições independentes estão em falta, porque qualquer voz independente é atacada por um lado ou outro, ou por ambos. Mesmo que consiga sobreviver a esses ataques, ela não consegue encontrar seu público, porque os dois lados falam o mesmo, muito alto e de maneira coordenada. Isso faz parte da guerra, e aí eles abafam as vozes independentes.
    IHU On-0Line - Diante desse déficit de pensamento, é possível vislumbrar quais são as propostas da esquerda para o campo econômico e social? Que respostas a esquerda tem tentado dar à crise que o país enfrenta hoje?
    Pablo Ortellado – Até onde eu sei, isso não está formulado, porque não há espaço para isso. O jornal Valor Econômico fez uma matéria relatando os debates que estão acontecendo no Instituto Lula, que basicamente são uma retomada das políticas vigentes no período do segundo mandato. Do ponto de vista de formulação específica, o que temos é isso, porque formulações de propostas independentes não têm encontrado espaço nem para serem discutidas publicamente, nem para serem adotadas por forças políticas.
    A retomada do governo Lula seria uma volta à política de consumo, melhoramento do crédito das famílias, fortalecimento do BNDES, ou seja, uma política de crescimento por meio do mercado interno. É basicamente essa a proposta econômica que o Lula vem discutindo e que provavelmente trará, caso seja eleito. Ou seja, é mais do mesmo, e essa proposta não toca numa série de questões das quais dependemos para poder avançar: precisamos avançar no sistema tributário, precisamos fazer com que os ricos paguem impostos, ou seja, a tributação deveria estar no coração de uma agenda de esquerda progressiva, precisamos fortalecer os sistemas públicos universais, como educação e saúde. Tem uma série de agendas que ficaram de fora do governo Lula, como a agenda ambiental, a reforma dos meios de comunicação, e que aparentemente vão continuar fora do horizonte.
    IHU On-Line – E pautas como essas teriam espaço num possível governo Ciro Gomes?
    Pablo Ortellado – Não sei se o Ciro Gomes chegou a esse grau de detalhamento do que seria o seu governo.
    IHU On-Line – Os nomes que aparecem por enquanto numa possível candidatura de 2018 são os de Lula, Ciro Gomes, João Doria e Bolsonaro. Como vê essas possibilidades?
    Pablo Ortellado – Esse cenário vai empurrar todas as pessoas de esquerda a apoiarem Lula, porque ele é o grande candidato, e quando se colocarem as alternativas a ele, todo o campo de esquerda vai se alinhar ao lulismo por falta de opção; isso se o Lula conseguir se candidatar e não for preso ou perder sua capacidade de concorrer por conta da Lava Jato. Se as coisas continuarem como estão, ele será a grande alternativa. Um nome que se coloca é o de Ciro Gomes, mas ainda é uma incógnita o que seria uma candidatura Ciro Gomes.
    IHU On-Line – Como você entende este processo: que de um lado, são feitas muitas críticas ao PT e, de outro, Lula apareça como a única opção para a esquerda?
    Pablo Ortellado – Pois é, mas as pesquisas mostram que ele está numa folgada primeira posição. Eu creio que isso tem a ver com a crise econômica, porque as pessoas se importam muito com corrupção, mas se importam muito mais com o seu bem-estar econômico, o que não é absurdo quando elas se encontram desempregadas. E as pessoas têm uma memória recente de que elas viviam bem durante o governo Lula, e é verdade. Isso a meu ver explica por que o Lula está em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais. Por outro lado, ele tem muita rejeição, cerca de 45%. Claro que as investigações de corrupção jogam contra a candidatura dele, mas se ele concorrer, certamente será o favorito, principalmente se não houver nenhuma alternativa a ele.
    IHU On-Line - O cenário de mobilizações da sociedade civil mudou nos últimos meses? A esquerda tem conseguido mobilizar a população para determinadas pautas?
    Pablo Ortellado – Teve a mobilização recente contra a Reforma da Previdência e essa foi uma mobilização grande, porque a reforma é muito impopular. Essa reforma tem mobilizado setores que inclusive dialogam com as forças de direita, pois ameaça diretamente os direitos das pessoas. Nesse sentido, essa reforma é diferente da PEC do teto, porque os efeitos dela não serão sentidos de maneira clara antes de dez anos. A Reforma da Previdência afeta a vida concreta das pessoas ao aumentar o limite de idade para a aposentadoria, aumentando a exigência de anos de contribuição para se aposentar. Isso tem gerado um enorme campo de mobilização contra essas reformas e explica o sucesso das mobilizações do dia 15 de março.
    Essas mobilizações vão continuar durante toda a tramitação da Reforma da Previdência no Congresso; e a tramitação vai demorar, porque o Congresso sentiu que essa reforma é altamente impopular. Ao mesmo tempo, os congressistas estão sob um duplo ataque: o da Lava Jato e o da insatisfação popular. Estou esperando que tenhamos bastante mobilizações contra essa reforma.
    IHU On-Line - Quais são os desafios da esquerda pós-lulismo? Que discussões a esquerda poderia pautar para pensar o desenvolvimento da sociedade brasileira?
    Pablo Ortellado – O maior desafio do pós-lulismo é enterrar e fazer o luto do PT, porque o PT é uma espécie de força política com enorme capacidade de renascer e de se recolocar na sociedade civil. Isso tem a ver com o fato de ele ter no seu DNA a mobilização social. Ele não é um partido político institucional, mas um partido político que nasceu do movimento social e sempre teve esse vínculo entre a sociedade civil e o partido político. Por isso quando está muito ameaçado, ele volta às suas raízes, mobiliza a sociedade civil e a submete ao seu projeto político, e assim renasce com força. O principal desafio da esquerda pós-lulista é se livrar do PT para poder ir além do PT. O PT obteve conquistas que são meritórias e que trouxeram bem-estar para a população, mas também mostrou limites muito claros, aos quais ficaremos presos enquanto não conseguirmos nos organizar fora do Partido dos Trabalhadores.
    IHU On-Line – Mas se as pesquisas estão corretas e o ex-presidente Lula for eleito em 2018, serão mais quatro anos...
    Pablo Ortellado – Serão mais quatro anos de hegemonia petista, mais quatro anos com a direita enlouquecida, enfim, serão mais quatro anos.
    IHU On-Line – Na prática, fazer o luto do PT implica em quê?
    Pablo Ortellado – Em se organizar fora do PT, em enterrar o PT de vez, fazendo outra coisa, aprendendo obviamente com o que o PT fez de bom. Parecia que estávamos caminhando para esse cenário de enterrar o PT, mas hoje parece que ele mostrou uma enorme capacidade de renascer. A inauguração paralela que se organizou em torno da inauguração da transposição do rio São Francisco, ou a participação do Lula nas manifestações contra a Reforma da Previdência, mostram uma enorme capacidade do PT de renascer.

    * Título e texto editado
    Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566032-o-principal-desafio-da-esquerda-e-enterrar-o-pt-para-ir-alem-do-pt-entrevista-especial-com-pablo-ortellado
    Colaboração: Luciano E. Palagano