O “redescobrimento” da Arquitetura de Terra
Apesar da estigmatização e rotulação ainda existentes, especialmente
no que se refere à questão da fragilidade, as técnicas arquitetônicas em terra
crua ainda são bastante utilizadas no mundo. Segundo as Nações Unidas, 60% da
população mundial ainda vive em construções feitas em terra.
O uso da terra como matéria prima para construções remonta há
mais de 10 mil anos. Os registros mais antigos do domínio de tal técnica,
chamada de Arquitetura de Terra, foram encontrados na África e no Oriente
Médio. As civilizações do Crescente Fértil se utilizaram dela para construções
populares e também para as mais nobres.
Para se ter uma idéia de sua importância na arquitetura
humana, 57% da "Lista do Patrimônio Cultural em Perigo" do World
Heritage Center consiste em sítios de arquitetura de terra, 10% da "Lista
do Patrimônio Cultural da Humanidade" é constituído por monumentos de terra;
e, 16 dos monumentos mundiais incluídos na "Lista dos 100 Monumentos em
Perigo" do World Monument Watch estão construídos com terra.
Entre os séculos XV e XVIII, os colonizadores se utilizaram
da técnica para construir suas cidades na Europa e nos territórios
conquistados. A utilização da terra crua como elemento construtivo chegou ao Novo
Mundo com o processo de colonização, tendo sido introduzidas não só as técnicas
do adobe ou adobito, como também a taipa de pilão e pau a pique. Contudo, parece
evidente que alguns nativos americanos, e os africanos, que aqui chegaram como
escravos, dominavam as técnicas.
Com a revolução industrial, foram introduzidos processos
cujas tecnologias transformavam matéria prima em manufaturados, materiais ainda
hoje largamente utilizados, em detrimento do que foi considerado “artesanal” ou
“primitivo”. Ocorre que tais produtos, desenvolvidos nos “ditos” países de
primeiro mundo nem sempre se adéquam à realidade do chamado terceiro mundo,
cujas características naturais, ainda hoje, raramente são levadas em
consideração com a profundidade necessária, tampouco estudadas cientificamente.
Apesar das suas inúmeras vantagens e requisitos
simplíssimos, o valor e a extensão da arquitetura de terra têm sido
sistematicamente desconhecidos, ignorados e ocultados por quase todas as
disciplinas ligadas às Artes e a Arquitetura que durante muito tempo não se
interessaram, em escala mundial, em integrá-la em seus sistemas de transmissão de
conhecimento.
O superadobe
Construção barata e sustentável, bem debaixo dos nossos pés
A técnica da terra ensacada, também chamada por "superadobe", (termo cunhado em inglês a partir de outro emprestado do castellano, adobe, que representa o bloco composto com barro e fibras vegetais), é um processo construtivo, no qual sacos de polipropileno ou ráfia são preenchidos com solo e moldados no próprio local através do apiloamento do mesmo por processo artesanal ou semi-industrial, através de pistões. As pesquisas apontam que a técnica foi criada pelo iraniano Nader Khalili no final do anos 70, tendo como base sacos de areia e arame farpado, mas a terra utilizada pode ser a encontrada no local, argilosa ou arenosa.
Em 1984, Nader Khalili apresentou o seu projecto para a NASA. Com o sugestivo título de “Bases lunares e atividades espaciais no século XXI”, para uma futura colonização lunar, mas ainda à espera de resposta.
As grandes vantagens do superadobe são a rapidez na conclusão da construção; a grande resistência, suportando conturbações variadas; o conforto térmico e acústico; o custo baixo e a mão de obra capacitada rapidamente, além do que qualquer tipo de solo serve.
A principal característica do "superadobe" é sua simplicidade e rapidez em relação ao adobe comum. Propicia um alto índice de isolamento e, quanto mais largas as paredes, maior o resultado térmico e ambiental.
A preparação é simples e feita no próprio local, coloca-se o
solo umedecido no sacos de polipropileno e em seguida já se coloca no local
onde será a parede, onde é socado (com auxilio de um socador manual ou
mecânico), formando fiadas de 20 cm de altura. Quando a parede estiver na
altura desejada, retira-se os sacos de polipropileno das laterais, queimando-os.
A queima do material é bem fácil e rápida.
Como acabamento e para assegurar a durabilidade aconselha-se
o emprego de rebocos elaborados a partir de argila, em conjunto com diversos
outros materiais empregados na arquitetura vernacular, determinados pela
disponibilidade no local, com o intuito de aumentar a coesão, impermeabilidade
e resistência a fissuras. Dentre estes podem ser citados a baba (seiva) de
cactus, o polvilho azedo, as cinzas de conchas calcinadas e os estrumes de
herbívoros. Diversos materiais e proporções na mistura devem ser testados para
garantir mais eficiência e adaptação às condições locais. Para aperfeiçoar os
resultados estéticos pode-se aplicar uma tintura a base de cal e pigmentos
naturais endêmicos.
No Brasil
Esta segunda fase de expansão e adoção da arquitetura de terra no Brasil parece ter surgido mesmo no início deste milênio. Muitas têm sido as iniciativas de Ecovilas em comunidades alternativas, inclusive algumas tendo sido premiadas por importantes instituições governamentais na área de desenvolvimento social.
No Brasil atualmente existem diversos centros ecológicos que
ensinam, praticam e agregam práticas sustentáveis, dentre elas a bioconstrução.
Os exemplos são muitos já. Mas há, também, as iniciativas individuais.
Uma delas é a do casal paranaense Vitor Trombini e Paula
Albert, que estão construindo uma casa de superadobe em meio a um bosque de
Copaíbas, numa área rural do município de Tacuru, localizado no sul do Mato
Grosso do Sul.
Vitor é professor, além de músico e artesão, e, agora bioconstrutor. Leciona a disciplina de Português na Escola Municipal Ubaldo Arandu Kwe-Mi, na aldeia Sassoró, uma pequena aldeia Guarani Caiuá incrustada em meio das fazendas de criação extensiva de gado da região. Paula é farmacêutica, adepta da medicina natural e alternativa, além de artesã.
Ambos viviam em Cascavel, cidade de médio porte do interior
paranaense e foram viver na região que é a transição do clima subtropical para
o clima de cerrado brasileiro. Amantes da natureza, resolveram construir uma
casa simples, coberta com sape. A idéia inicial da casa simples transformou-se
na “morada dos sonhos” como dizem, quando convidaram o arquiteto e urbanista,
carpinteiro e marceneiro, Cesar Roberto Scheffler, amigo do casal e também
defensor das bioconstruções, para auxiliar no projeto.
Com isso, a casa ganhou um mezanino, uma água furtada e uma mansarda, além de sacadas que dão para um lindo jardim que está sendo cultivado por Paula. O objetivo é estruturar um sítio de permacultura, para, na sequência, difundir os ideais de uma vida mais natural e próxima da terra através de cursos e visitas. A terra das paredes da casa que estão construindo é a parte mais emblemática da simbologia destes ideais.
“Até a chegada do Cesar, nosso plano era uma construção
simples, até porque iríamos construir sozinhos uma coisa que normalmente é feita
em conjunto, por várias pessoas”, diz Vitor. “Mas tudo ganhou outras dimensões
com os desenhos e as ideias arquitetônicas que ele nos trouxe”.
A mistura da técnica do super adobe com a carpintaria, a arte
de transformar a madeira, as partes internas e as aberturas totalmente
encaixadas e a estrutura do telhado aparente tem chamado a atenção de todos. O
telhado ganhou uma cobertura de sape, outra prática quase que totalmente abandonada
pelos próprios nativos da região nas edificações, e a construção contará ainda
com outras abordagens ambientalmente sustentáveis e de grande apelo estético
atualmente.
Um telhado verde, em construção, cobrirá a parte inferior oeste
da residência, um ambiente perfeitamente adequado à construção e propício para apreciar
o, em geral, belo por do sol no cerrado. A bela paisagem tem, em primeiro plano,
parte do jardim com murinhos de pneus recolhidos no lixo da cidade de
Iguatemi/MS e com as plantas e ervas medicinais que vem sendo cultivadas, com o
objetivo de se tornarem uma referência neste sentido para visitações e cursos
futuros.
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