quinta-feira, 25 de julho de 2013

O SOLO E AS ÁGUAS NAS CIDADES



VOCÊ QUER MESMO SALVAR UM CÓRREGO?



TEXTO E FOTOS: CESAR ROBERTO SCHEFFLER

Quando se trata de estabelecer áreas de proteção ambiental em torno de córregos, no seio de uma cidade, não basta cercar as áreas supondo que, desta forma, permanecerão intocadas e recuperar-se-ão espontaneamente.
APP separada da urbanização por um muro: sem transição, 
chega até este toda a infraestrutura, inclusive as galerias
pluviais. Mas para onde vão essas águas?
Isso porque a urbanização continua exercendo pressão sobre elas, de várias formas. Geralmente tornam-se espaços da clandestinidade, terra de ninguém, onde as pessoas procuram driblar as leis por meio de diversas práticas mais ou menos condenáveis; deposita-se toda espécie de materiais indesejados, restos de poda, caliça da construção civil, móveis e objetos velhos; e surgem frequentadores que raramente demonstram alguma preocupação ambiental, ou mesmo o conhecimento do propósito para o qual tais áreas são destinadas, que é o da preservação.
            Juntam-se a estas ocorrências as torrentes inevitáveis que desembocam nestas nascentes e fundos de vale por ocasião das chuvas, pelo simples fato de que este é o caminho natural das águas, submetidas exclusivamente à ação da gravidade. Provindo diretamente das ruas, a enxurrada causa diversos prejuízos às matas ciliares, derrubando árvores e abrindo largos sulcos cujo solo removido é descarregado nas nascentes e córregos.

Processo erosivo recente, causado pelo
 escoamento superficial das águas de ruas e calçadas
Processo erosivo com cerca de duas décadas, causado pelo escoamento das águas concentradas em galerias pluviais. Note-se que a manilha de 1m de diâmetro está a cerca de 3m acima do fundo da voçoroca

             Escoando pelo sistema de drenagem pluvial, a água chega quase instantaneamente, cada vez mais caudalosa em virtude da crescente impermeabilização das áreas adjacentes. O resultado são picos poderosíssimos de vazão que provocam erosão em escala difícil de estimar para aqueles que nunca presenciaram a “cabeça d’água”.
             Ainda as galerias pluviais, não sendo impermeáveis, atuam como drenos nas regiões por onde passam, acelerando o escoamento das águas do lençol freático. Desta forma influenciam o regime hídrico dos cursos d’água concentrando as vazões em curtos períodos imediatos às chuvas. 

Direto na fonte

A degradação do solo, das matas ciliares e da água em função das precipitações, é um problema comum nos fundos de vale urbanos e reflete diretamente nos segmentos, econômico, social e político, se não de forma imediata, em longo prazo. As soluções são tecnicamente possíveis, mas exigem a participação popular, o que requer trabalhos de conscientização e educação ambiental, juntamente com políticas apropriadas de incentivo ou restrição. Isso porque são transtornos que originam-se no âmbito privado, com a impermeabilização excessiva dos lotes urbanos.
 Sistema de coleta, filtragem, armazenamento e aproveitamento d'água pluvial
Não seria exagero afirmar que, tendo o direito de uso sobre uma determinada parcela de solo, o proprietário deve ser responsável direto pela gestão das águas pluviais que incidem sobre seu lote. Não se trata de onerar o contribuinte, pois a boa gestão da água das precipitações pode ser encarada como fonte de recursos.
Através do emprego de cisternas é possível reduzir em muito a quantidade de água que sai de uma determinada parcela de solo urbano, evitando o desperdício de água que pode ser empregada em diversas atividades domésticas. Restaria então, ao poder público, lidar apenas com os fluxos decorrentes da impermeabilização dos espaços que estão diretamente ao seu encargo, tais como as ruas e praças.


Possibilidades técnicas para os espaços públicos

As normas técnicas para a execução de obras de drenagem em rodovias representam um manancial de ideias, quando a intenção é minimizar o potencial erosivo das enxurradas. Apresentam soluções de eficácia comprovada por séculos de utilização e passíveis de cálculo preciso.
Exemplo de escada dissipadora

Uma destas é a escada hidráulica, um dissipador de energia que tem sido usado há, no mínimo, 3.300 anos.
Nela, a dissipação de energia é um fenômeno caracterizado pela transformação da energia cinética contida no escoamento das águas, em energia de turbulência e, em seguida, em energia térmica devido ao efeito da agitação interna do fluido. Esta transformação é obtida com maior intensidade quando se desenvolve no escoamento o ressalto hidráulico (ondulação turbulenta resultante da passagem brusca do escoamento em regime rápido, a montante, para um regime lento a jusante). Sua eficiência, quando corretamente dimensionada e construída, varia de 77% a 95%.

Representação dos fluxos d’água em ressaltos
 hidráulicos com variados graus de eficiência


Uma destas é a escada hidráulica, um dissipador de energia que tem sido usado há, no mínimo, 3.300 anos.
Representação de bacia dissipadora sem alargamento do canal
          Isoladamente, ou em associação com a referida escada, podem ser empregadas bacias dissipadoras, que empregam o mesmo princípio do ressalto hidráulico e, em alguns casos, também reduzem a velocidade do fluxo pelo alargamento do canal de escoamento.
         Outra possibilidade, embora polêmica, é o emprego dos reservatórios de retenção e extravazão, aplicados no sentido de distribuir as vazões de pico em intervalos de tempo maiores, por meio de represamento temporário. Nos primeiros (on line), todo o fluxo de água passa por dentro do reservatório ao passo que os segundos (off-line) só captam o excesso de água e operam em paralelo ao rio ou canal pluvial. 

 
Representação de reservatório duplo off line



            Na construção de um reservatório deve se levar em conta:

-O volume necessário calculado com base na taxa de permeabilidade, cobertura vegetal, área de captação e inclinação das vertentes.
-O dispositivo de descarga, responsável pela restrição da vazão de saída. Determina o acúmulo temporário d’água durante os períodos em que a vazão de entrada apresenta maior magnitude.
-Um vertedouro, que permite a extravazão do reservatório em caso de precipitação superior à que serve de base ao projeto.


Os reservatórios de retenção poderiam ser facilmente obtidos pela execução de diques estratégicamente colocados na desembocadura de grotas e voçorocas bem como na saída de bacias naturais no próprio leito dos córregos. Tais intervenções, resultam pouco agressivas fazendo bom uso do relevo acidentado que é marcante em grande parte dos fundos de vale incrustados na malha urbana dos municípios do Oeste do Paraná.  E talvez fossem bem aceitas pelos órgãos de fiscalização e controle ambiental caso estas áreas se destinassem à educação ambiental, fechando o ciclo com benefícios para a população.

Parques

A idéia de empregar parques urbanos de lazer ou criar parques exclusivamente para a finalidade de Educação ambiental não é uma novidade. Existem várias experiências no Brasil, espalhadas em cidades como São Paulo-SP, Vitória-ES, Maceió-AL e, como naturalmente não podemos deixar de citar, Curitiba-PR. Nesta última existem experiências de recuperação de nascentes e cursos d’água com prioridade para a educação ambiental, como é o caso do Bosque Reinhard Maack, que abre ao público em geral apenas em feriados e finais de semana. No restante dos dias fica disponível apenas para a visitação por turmas escolares, visitas sujeitas a agendamento. Conta com uma única trilha, bem delineada e sinalizada, permanecendo o restante da área praticamente intocado.

Vista de um fragmento da trilha no Bosque Reinhard Maack, Curitipa-PR

           Parte-se da suposição de que seja mais positivo para a conservação da área integrá-la na cidade e na vida dos cidadãos. Disponibilizando uma forma de lazer salutar, que envolve os moradores próximos, tende a modificar-se sua relação com o lugar, que passa a ser protegido ao invés de desprezado e até agredido. Mudança que pode se refletir sobre os demais aspectos do ambiente natural e urbano, pela consciência de que nossas ações influenciam o entorno imediato, a cidade, a região, e reiteradas por grande parte da população humana, o mundo.
       O fato é que a beleza e a tranqüilidade proporcionadas por estes ambientes ao citadino tendem a sensibilizar muito mais do que qualquer campanha de educação e permitem experiências diretas muito esclarecedoras.
Vista de uma área de preservação sob ameaça, no centro de Marechal Cândido Rondon-PR. Montagem fotográfica


Os parques com visitação restrita e gestão cuidadosa são, provavelmente, a melhor alternativa para a conservação de Áreas de Preservação Permanente já englobadas pelo ambiente urbano. Podem servir à pesquisa e ao ensino, trazer mais segurança a população e propiciar uma opção sustentável de lazer à população. Prestam-se muito bem às áreas já urbanizadas. Mas e quanto ao futuro? A cidade vai continuar se expandindo.
 
Outras imagens da mesma APP. Belezas ignoradas pela maioria da população
  
Interpolando

Uma das propostas referentes ao assunto sugere a interpenetração entre cidade e campo. Desenvolvida por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Berkeley, Califórnia, encabeçados pelo Austríaco Christopher Alexander, esse padrão de ocupação sugere que a cidade não se desenvolva como urbanização compacta, mas em ramais lineares com largura não superior aos 2 Km. Assim, a cidade poderia desenvolver-se atingindo grandes proporções e possuindo um centro bem definido assegurando, no entanto a proximidade de zonas rurais de configuração espacial semelhante à dos espaços urbanos. Os espaços urbanos ocupariam as partes mais altas do relevo e as áreas rurais desenvolvendo-se nos fundos de vale.

Esse padrão de ocupação proporciona inúmeras vantagens. Aproxima o cidadão urbano do ambiente natural. Garante o fornecimento de produtos rurais sem a necessidade de atravessadores e grandes deslocamentos, melhorando os preços para consumidor e produtor, ao passo em que estimula o estreitamento das relações entre estes, humanizando-as. Contribui para a proteção dos mananciais, e salienta a condição dos agricultores como prestadores de serviços ambientais sujeitos a gratificação.  Evita a incidência de problemas típicos das urbanizações convencionais, tais como enchentes e todos os prejuízos sociais, ambientais e econômicos delas decorrentes. Minimiza os impactos da impermeabilização e reduz os gastos com a infraestrutura de escoamento pluvial e drenagem urbana.

Em poucas palavras e por inúmeras razões, colabora no desenvolvimento de ocupações e modos de vida mais sustentáveis.

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