“Os governos não pensam em governar e, sim, em se reeleger”.
Com frases como a acima e um pensamento que destoa
completamente de outros políticos mundo afora, contemporâneos ou não, o ex-presidente
uruguaio, agora senador, José “Pepe” Mujica, tornou-se referência para os
progressistas.
Ele ficou conhecido
mundialmente como o presidente mais humilde do mundo porque ia trabalhar num Fusca
1987, durante o período que exerceu a presidência da República Oriental do
Uruguai. É considerado um herói da
política contemporânea e ídolo de muitos latino-americanos. Autor de frases memoráveis,
que traduzem a realidade mundial e latino-americana de forma cristalina e
incontestável, o ex-presidente e atual senador uruguaio José “Pepe” Mujica (Ver * abaixo) tornou-se um dos maiores
personagens do cenário político mundial
e é visto como o homem que mudou a forma de se fazer política.
Entretanto, se para os brasileiros e para o resto do mundo o ex-presidente só ganhou notoriedade ao implementar, num só mandato, medidas polêmicas (Ver **) no mundo todo e só consideradas “normais” nos países tidos como baluartes da democracia, bem estar social e modernidade, no Uruguai ele é um velho conhecido da política. (Ver ***)
Personagem de livros desde
1999, é também protagonista de um documentário que começou a ser filmado, em
2009, pelo premiado cineasta sérvio Emir Kusturica. “ É o último herói no mundo
da política, [...] extremamente inteligente. [...] É um homem que crê nas
ideias e que necessitamos num mundo novo”, disse ele sobre Mujica em entrevista
a um site uruguaio.
Mujica esteve no Brasil,
acompanhado da esposa Lucía Topolansky, também senadora. Visitou a região das
três fronteiras, neste mês de março último, convidado pela UNILA – Universidade
Federal para Integração Latino Americana
e pela Itaipu Binacional. Em Foz do Iguaçu, concedeu entrevista coletiva,
proferiu a Aula Magna de 2016 da UNILA, nas dependências do PTI, e visitou
projetos da Itaipu.
O senador uruguaio tendo ao lado o reitor da Unila, Josué Modesto dos Passos Subrinho, durante a entrevista coletiva que antecedeu a aula magna. |
Com a pauta reduzida ao tema
da palestra (Integração e desafios de hoje na América Latina), a entrevista coletiva,
organizada pelos setores de Comunicação Social da UNILA e da Itaipu, não teve perguntas voltadas às medidas
adotadas por ele no Uruguai em apenas 5 anos de governo. Mas mais ao Brasil e
seu momento atual. E neste sentido, a posição do senador e ex-presidente era já
notória e sabida. Defendeu Lula e deu aos brasileiros um recado: antes de
buscarem integrar-se à América, devem buscar a integração de suas regiões, que
apresentam diferenças abissais. Mas admitiu que “ ...se o Brasil anda mal, toda
a América Latina também anda.” Reproduzimos aqui partes da entrevista
coletiva que durou cerca de 40 minutos, além de algumas frases que julgamos igualmente importantes .
América Latina
Questionado sobre que rumos
a América Latina deve tomar neste momento, diante da sua cíclica tendência
dominó, levando em conta sua história política e geográfica, brindou-nos com
uma bela e realista análise social e
antropológica também da política mundial. “A política é pendular e assim vivemos
o tempo que nos cabe viver. Assim como na vida, na política não há triunfo
definitivo. Ora triunfamos, ora somos derrotados. Na América Latina, o
conservador, quando endurece, vira fascista. Já a esquerda tem um certo
infantilismo e confunde sonho com a realidade.”
O Brasil
Sobre as opiniões que têm
emitido sobre o Brasil e a atual situação política foi enfático ao dizer que
“se mete porque se interessa”. Disse que não há unanimidade, que o Brasil está
pagando um preço que não merece e o brasileiro deve acreditar um pouco mais em
si mesmo, não achando que apenas a Amazônia é sua maior riqueza. Ressaltou
ainda que a América precisa de um Brasil vigoroso e chamou a relação Brasil X
Argentina de chauvinista.
“Pensamos em castelhano”
A conferência para os alunos
da Unila foi uma aula de história latino-americana. Das diferenças que a
colonização impôs ao território. “Enquanto a divisão da terra da colonização
inglesa trazia os preceitos da revolução industrial, o critério burguês; a divisão na América Latina reproduziu ainda
o critério feudal”, disse ele, enfatizando aí que o eixo da economia
latino-americana sempre funcionou em outra parte do mundo. Em outras palavras,
dele mesmo, sempre produzimos para os outros, nunca para nós mesmos, “...
embora pensemos em castelhano [...] pouco nos conhecemos, entre os países da América
Latina!”
Frases de Pepe Mujica em Foz
“Por quase 200 anos ficamos
entre tiros e espadas...”
“Uma nova civilização está
sendo gerada pela presença da internet...”
“O capitalismo é uma
civilização movida pelo comércio...”
“Na economia, ninguém dá bola para os poetas, nem para os governantes...”
“Dependemos do luxo que
temos que importar.”
“A burguesia pensa no fim do
mês, ou no fim da quinzena. É a política que precisa pensar a longo prazo.”
“Se não há integração
agrícola, não há integração.”
“A política não pode ser
independente da economia.”
“Os governos não pensam em
governar e, sim, em se reeleger”
“Não vivemos em integração.
Preferimos viver no inferno, mesmo tendo o paraíso aqui”
*José
Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente como Pepe
Mujica, nasceu em Montevidéu em 20 de maio de 1935, é um agricultor e
político uruguaio. Foi presidente da República Oriental do Uruguai entre 2010 e
2015. Desde que deixou a presidência exerce o cargo de senador.
Teve
importante papel no combate à ditadura militar naquele país (1973 a 1985). Na
guerrilha, coparticipou de assaltos, sequestros e do episódio conhecido como
Tomada de Pando. Passou 14 anos na prisão, de onde só saiu no final da
ditadura, em 1985. Depois disso foi eleito deputado, senador e nomeado ministro.
É descendente de bascos, da
cidade de Múgica, que chegaram ao Uruguai em 1840. Filho de Demétrio Mujica e
Lucy Cordano, a família desta composta por imigrantes italianos. O pai era um
pequeno agricultor, falecido em 1940. Recebeu educação primária e secundária na
escola pública do bairro onde nasceu, Paso de la Arena. É ateu e casado com
Lucía desde os anos 70, também ex-militante.
**Ainda antes de assumir a
presidência definiu que educação, segurança, meio ambiente e energia seriam as
prioridades de seu governo, cujo principal objetivo seria a erradicação da
miséria e a redução da pobreza. A primeira
lei que chamou a atenção do mundo foi a descriminalização do aborto, aprovada
em 2012. No ano seguinte foi aprovado o casamento igualitário, permitindo a adoção
também aos casais homossexuais e, que a ordem do sobrenome dos filhos seja
decidida pelos pais. Permitiu também o ingresso dos homossexuais nas Forças
Armadas.
Outra ação que colocou o
Uruguai novamente na berlinda foi a
legalização da maconha e a determinação de que o Estado controlasse a sua produção,
distribuição e venda, com uma legislação considerada única no mundo.
***Seu tio materno, Ángel Cordano, era nacionalista
(Partido Nacional ou Blanco) e teve uma grande influência sobre a formação
política de Mujica. Em 1956, conhece o então deputado nacionalista Enrique Erro
por meio de sua mãe, militante de seu setor. Desde então, começou a militar
para o partido. Chegou a ser secretário geral da Juventude do Partido Nacional.
Nas eleições seguintes triunfa pela primeira vez o
Herrerismo e Erro foi designado ministro do Trabalho, sendo acompanhado por
Mujica nessa época. Em 1962, Erro e Mujica abandonam o Partido Nacional e o
conservadorismo. Criam a Unión Popular, junto ao Partido Socialista do Uruguai
e um pequeno grupo chamado Nuevas Bases.
Nos anos 60 integrou-se ao Movimento de
Libertação Nacional, cujos membros eram conhecidos por Tupamaros, com quem
participou de operações de guerrilha, enquanto trabalhava em sua chácara, até
refugiar-se na clandestinidade. Durante o governo de Jorge Pacheco Areco
(1967/1972), a violência aumentou. O Poder Executivo utilizou sistematicamente
do princípio constitucional das Medidas Prontas de Segurança para
fazer frente às guerrilhas, assim como oposição de sindicatos e grêmios frente
a suas políticas econômicas.
Nos enfrentamentos armados, foi ferido por seis
tiros e preso quatro vezes, e em duas oportunidades, fugiu da prisão de Punta
Carretas. No total, Mujica passou quase quinze anos de sua vida na prisão. Seu
último período de detenção durou treze anos, entre1972 a 1985. Foi um dos
dirigentes tupamaros que a ditadura militar tomou como refém. Os reféns
seriam executados caso sua organização retornasse às ações armadas. Nessa
condição, pautada pelo isolamento e por duras condições de detenção, Mujica
permaneceu onze anos. Entre os reféns também se encontravam Eleuterio Fernández
Huidobro, atual ministro de Defesa Nacional, e o líder e fundador do
MLN-Tupamaros, Raúl Sendic , atual vice-presidente da República.
Após o retorno a democracia, foi libertado,
beneficiado pela Lei n.º 15.737 de 8 de março de 1985, que decretou anistia aos
delitos políticos cometidos a partir de 1º de janeiro de 1962. Alguns anos após
a abertura democrática, criou, junto a outras lideranças do MLN e outros
partidos de esquerda, o Movimiento de Participación Popular (MPP), dentro da
Frente Ampla. Nas eleições de 1994, foi eleito deputado por Montevidéu. Sua
presença na arena política foi chamando a atenção das pessoas e, nas eleições
de 1999, foi eleito senador.
Nesse ano, foi publicado o livro Mujica, de Miguel Ángel
Campodónico.
Em março de 2005, foi designado ministro da
Agricultura pelo presidente da República, Tabaré Vázquez. Deixou o cargo em 2008,
para ser pré-candidato à presidência da República. Venceu a eleição
interna pela Frente Ampla em 2009, sendo eleito em novembro daquele ano ao
disputar o segundo turno com Luis Alberto Lacalle. Dois meses antes foi publicado o livro
Colóquios de Pepe, do jornalista Alfredo Garcia, contendo diversas entrevistas
gravadas com seus pensamentos, ideias e frases. Assumiu a presidência em 1º de
março de 2010 e a exerceu até 2015. Hoje
é senador.
Fotos: Ana Mª de Carvalho
Fontes: http://www.elobservador.com.uy/documental-kusturica-tiene-sus-primeras-imagenes-locales-n275329
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