terça-feira, 5 de abril de 2016

O MESTRE DA POLÍTICA



“Os governos não pensam em governar e, sim, em se reeleger”.




Com frases como a acima e um pensamento que destoa completamente de outros políticos mundo afora, contemporâneos ou não, o ex-presidente uruguaio, agora senador, José “Pepe” Mujica, tornou-se referência para os progressistas.

Ele ficou conhecido mundialmente como o presidente mais humilde do mundo porque ia trabalhar num Fusca 1987, durante o período que exerceu a presidência da República Oriental do Uruguai.  É considerado um herói da política contemporânea e ídolo de muitos latino-americanos. Autor de frases memoráveis, que traduzem a realidade mundial e latino-americana de forma cristalina e incontestável, o ex-presidente e atual senador uruguaio José “Pepe” Mujica (Ver * abaixo)  tornou-se um dos maiores personagens  do cenário político mundial e é visto como o homem que mudou a forma de se fazer política.

Entretanto, se para os brasileiros e para o resto do mundo o ex-presidente só ganhou notoriedade ao implementar, num só mandato, medidas polêmicas (Ver **) no mundo todo e só consideradas “normais” nos países tidos como baluartes da democracia, bem estar social e modernidade, no Uruguai ele é um velho conhecido da política. (Ver ***)

Personagem de livros desde 1999, é também protagonista de um documentário que começou a ser filmado, em 2009, pelo premiado cineasta sérvio Emir Kusturica. “ É o último herói no mundo da política, [...] extremamente inteligente. [...] É um homem que crê nas ideias e que necessitamos num mundo novo”, disse ele sobre Mujica em entrevista a um site uruguaio.
Mujica esteve no Brasil, acompanhado da esposa Lucía Topolansky, também senadora. Visitou a região das três fronteiras, neste mês de março último, convidado pela UNILA – Universidade Federal  para Integração Latino Americana e pela Itaipu Binacional. Em Foz do Iguaçu, concedeu entrevista coletiva, proferiu a Aula Magna de 2016 da UNILA, nas dependências do PTI, e visitou projetos da Itaipu. 

O senador uruguaio tendo ao lado o reitor da Unila, Josué Modesto dos Passos Subrinho, durante a entrevista coletiva que antecedeu a aula magna.


Com a pauta reduzida ao tema da palestra (Integração e desafios de hoje na América Latina), a entrevista coletiva, organizada pelos setores de Comunicação Social da UNILA e da Itaipu,  não teve perguntas voltadas às medidas adotadas por ele no Uruguai em apenas 5 anos de governo. Mas mais ao Brasil e seu momento atual. E neste sentido, a posição do senador e ex-presidente era já notória e sabida. Defendeu Lula e deu aos brasileiros um recado: antes de buscarem integrar-se à América, devem buscar a integração de suas regiões, que apresentam diferenças abissais. Mas admitiu que “ ...se o Brasil anda mal, toda a América Latina também anda.” Reproduzimos aqui partes da entrevista coletiva que durou cerca de 40 minutos, além de algumas frases que julgamos igualmente importantes .

América Latina

Questionado sobre que rumos a América Latina deve tomar neste momento, diante da sua cíclica tendência dominó, levando em conta sua história política e geográfica, brindou-nos com uma bela  e realista análise social e antropológica também da política mundial. “A política é pendular e assim vivemos o tempo que nos cabe viver. Assim como na vida, na política não há triunfo definitivo. Ora triunfamos, ora somos derrotados. Na América Latina, o conservador, quando endurece, vira fascista. Já a esquerda tem um certo infantilismo e confunde sonho com a realidade.”

O Brasil

Sobre as opiniões que têm emitido sobre o Brasil e a atual situação política foi enfático ao dizer que “se mete porque se interessa”. Disse que não há unanimidade, que o Brasil está pagando um preço que não merece e o brasileiro deve acreditar um pouco mais em si mesmo, não achando que apenas a Amazônia é sua maior riqueza. Ressaltou ainda que a América precisa de um Brasil vigoroso e chamou a relação Brasil X Argentina de chauvinista.

“Pensamos em castelhano”

A conferência para os alunos da Unila foi uma aula de história latino-americana. Das diferenças que a colonização impôs ao território. “Enquanto a divisão da terra da colonização inglesa trazia os preceitos da revolução industrial, o critério burguês;  a divisão na América Latina reproduziu ainda o critério feudal”, disse ele, enfatizando aí que o eixo da economia latino-americana sempre funcionou em outra parte do mundo. Em outras palavras, dele mesmo, sempre produzimos para os outros, nunca para nós mesmos, “... embora pensemos em castelhano [...] pouco nos conhecemos, entre os países da América Latina!”



Frases de Pepe Mujica em Foz

“Por quase 200 anos ficamos entre tiros e espadas...”

“Uma nova civilização está sendo gerada pela presença da internet...”

“O capitalismo é uma civilização movida pelo comércio...”

“Na economia, ninguém dá bola para os poetas, nem para os governantes...”

“Dependemos do luxo que temos que importar.”

“A burguesia pensa no fim do mês, ou no fim da quinzena. É a política que precisa pensar a longo prazo.”

“Se não há integração agrícola, não há integração.”

“A política não pode ser independente da economia.”

“Os governos não pensam em governar e, sim, em se reeleger”

“Não vivemos em integração. Preferimos viver no inferno, mesmo tendo o paraíso aqui”


*José Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente como Pepe Mujica, nasceu em Montevidéu em 20 de maio de 1935, é um agricultor e político uruguaio. Foi presidente da República Oriental do Uruguai entre 2010 e 2015. Desde que deixou a presidência exerce o cargo de senador.
Teve importante papel no combate à ditadura militar naquele país (1973 a 1985). Na guerrilha, coparticipou de assaltos, sequestros e do episódio conhecido como Tomada de Pando. Passou 14 anos na prisão, de onde só saiu no final da ditadura, em 1985. Depois disso foi eleito  deputado, senador e nomeado ministro.
É descendente de bascos, da cidade de Múgica, que chegaram ao Uruguai em 1840. Filho de Demétrio Mujica e Lucy Cordano, a família desta composta por imigrantes italianos. O pai era um pequeno agricultor, falecido em 1940. Recebeu educação primária e secundária na escola pública do bairro onde nasceu, Paso de la Arena. É ateu e casado com Lucía desde os anos 70, também ex-militante.

**Ainda antes de assumir a presidência definiu que educação, segurança, meio ambiente e energia seriam as prioridades de seu governo, cujo principal objetivo seria a erradicação da miséria e a redução da pobreza.  A primeira lei que chamou a atenção do mundo foi a descriminalização do aborto, aprovada em 2012. No ano seguinte foi aprovado o casamento igualitário, permitindo a adoção também aos casais homossexuais e, que a ordem do sobrenome dos filhos seja decidida pelos pais. Permitiu também o ingresso dos homossexuais nas Forças Armadas.
Outra ação que colocou o Uruguai novamente na berlinda foi a legalização da maconha e a determinação de que o Estado controlasse a sua produção, distribuição e venda, com uma legislação considerada única no mundo.

***Seu tio materno, Ángel Cordano, era nacionalista (Partido Nacional ou Blanco) e teve uma grande influência sobre a formação política de Mujica. Em 1956, conhece o então deputado nacionalista Enrique Erro por meio de sua mãe, militante de seu setor. Desde então, começou a militar para o partido. Chegou a ser secretário geral da Juventude do Partido Nacional.
Nas eleições seguintes triunfa pela primeira vez o Herrerismo e Erro foi designado ministro do Trabalho, sendo acompanhado por Mujica nessa época. Em 1962, Erro e Mujica abandonam o Partido Nacional e o conservadorismo. Criam a Unión Popular, junto ao Partido Socialista do Uruguai e um pequeno grupo chamado Nuevas Bases.
Nos anos 60 integrou-se ao Movimento de Libertação Nacional, cujos membros eram conhecidos por Tupamaros, com quem participou de operações de guerrilha, enquanto trabalhava em sua chácara, até refugiar-se na clandestinidade. Durante o governo de Jorge Pacheco Areco (1967/1972), a violência aumentou. O Poder Executivo utilizou sistematicamente do princípio constitucional das Medidas Prontas de Segurança para fazer frente às guerrilhas, assim como oposição de sindicatos e grêmios frente a suas políticas econômicas.
Nos enfrentamentos armados, foi ferido por seis tiros e preso quatro vezes, e em duas oportunidades, fugiu da prisão de Punta Carretas. No total, Mujica passou quase quinze anos de sua vida na prisão. Seu último período de detenção durou treze anos, entre1972 a 1985. Foi um dos dirigentes tupamaros que a ditadura militar tomou como refém. Os reféns seriam executados caso sua organização retornasse às ações armadas. Nessa condição, pautada pelo isolamento e por duras condições de detenção, Mujica permaneceu onze anos. Entre os reféns também se encontravam Eleuterio Fernández Huidobro, atual ministro de Defesa Nacional, e o líder e fundador do MLN-Tupamaros, Raúl Sendic , atual vice-presidente da República.
Após o retorno a democracia, foi libertado, beneficiado pela Lei n.º 15.737 de 8 de março de 1985, que decretou anistia aos delitos políticos cometidos a partir de 1º de janeiro de 1962. Alguns anos após a abertura democrática, criou, junto a outras lideranças do MLN e outros partidos de esquerda, o Movimiento de Participación Popular (MPP), dentro da Frente Ampla. Nas eleições de 1994, foi eleito deputado por Montevidéu. Sua presença na arena política foi chamando a atenção das pessoas e, nas eleições de 1999, foi eleito senador.  Nesse ano, foi publicado o livro Mujica, de Miguel Ángel Campodónico.
Em março de 2005, foi designado ministro da Agricultura pelo presidente da República, Tabaré Vázquez. Deixou o cargo em 2008, para ser pré-candidato à presidência da República. Venceu a eleição interna pela Frente Ampla em 2009, sendo eleito em novembro daquele ano ao disputar o segundo turno com Luis Alberto Lacalle.  Dois meses antes foi publicado o livro Colóquios de Pepe, do jornalista Alfredo Garcia, contendo diversas entrevistas gravadas com seus pensamentos, ideias e frases. Assumiu a presidência em 1º de março de 2010 e  a exerceu até 2015. Hoje é senador. 

Fotos: Ana Mª de Carvalho

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