Os protestos pelo Brasil e o papel da mídia alternativa
Com o
tamanho e a complexidade que tomaram os protestos contra o aumento das
passagens, dificulta-se o trabalho de cobertura e, mais do que isso, de
compreensão e análise do que está acontecendo e de todas as variáveis
agora envolvidas. As manifestações se nacionalizaram, mais de trezentas
mil pessoas foram às ruas na última segunda-feira, e a violência
policial ganhou o acréscimo da violência de parte dos manifestantes.
Junto a isso, movimentos no mínimo suspeitos da direita institucional –
caso do governador de São Paulo Geraldo Alckmin – e midiática – Veja,
Folha e Globo à frente – tornam tudo ainda mais nebuloso. Qual o papel
que se oferece à mídia alternativa dentro desse cenário?
Foto: Mídia Ninja
O primeiro desafio é em relação à cobertura. Falta perna para uma cobertura in loco
do que acontece em todo o Brasil, por isso a importância de aproximação
e conexão constante e vigorosa entre veículos da mídia alternativa
espalhados pelo país. A parceria, o trabalho coletivo, sempre defendido
como ideal aqui mesmo no Jornalismo B, precisa ser colocado em prática
em momentos-chave como este.
Outro ponto,
ainda nesse sentido, é a necessidade de trabalhar com a ideia de trazer
à tona o que geralmente não aparece na velha mídia: a violência
policial, o apoio popular e, especialmente, as questões de fundo. Nesse
sentido, a cobertura não pode ser limitar ao relato diário: é
fundamental que tenhamos sempre em mente as origens do movimento, o
caminho até aqui – que a mídia alternativa, ao contrário dos
conglomerados midiáticos, acompanhou em maior ou menor grau desde o
início – e as pautas fundantes das mobilizações. Essa lembrança precisa
estar presente de forma constante em nosso pensamento e na construção de
nosso discurso, levando, consequentemente, a um maior aprofundamento e
maior amplitude da compreensão. O que nos leva a outro desafio.
Totalmente vinculado às questões levantadas a respeito da cobertura in loco,
coloca-se o segundo desafio: o da análise. E é justamente amparados por
essa noção de profundidade, de historicidade, de trajetória e de
complexidade que análises cuidadosas podem e devem ser feitas. Estão
sendo feitas pela direita, estão sendo feitas pela mídia dominante, e é
básico, se queremos ser parte da construção de um movimento que mantenha
seu caráter e suas diretrizes originárias (sem que isso queira dizer
estagnação), que também façamos as nossas, sob o viés da esquerda. É
compreendendo as dinâmicas sociais que podemos agir sobre elas, e isso,
nesse caso, aplica-se em dois sentidos: 1) compreender as dinâmicas abre
a possibilidade de coberturas mais qualificadas, que, por sua vez,
abrem a possibilidade de maior compreensão e análise; 2) a mídia
alternativa, como parte constituinte do movimento, pode ajudá-lo a
compreender melhor a si mesmo.
Está claro
que não é o momento de omitir-se, nem o momento de fugir da análise, nem
o momento de contentar-se com o superficial. É preciso ir além,
aprofundar a cobertura e a compreensão, de forma dialética,
contribuindo, enquanto mídia contra-hegemônica, a um movimento que
nasceu contra-hegemônico e que corre o risco de tornar-se reforço das
velhas hegemonias. A responsabilidade também é nossa.
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