Guaíra: “O índio sempre foi um símbolo da cidade”.
Entrevista especial com Diogo de Oliveira
IHU
– Em Guaíra criou-se um cenário de que os índios vão invadir as casas
e, por causa deles, terras serão desapropriadas. Então, foi criado um
terrorismo e uma histeria na população, que a fez ficar
extremamente xenofóbica”, informa Diogo de Oliveira em entrevista
concedida à IHU On-Line por telefone.
Segundo ele, os conflitos contra os
indígenas aumentaram após declaração do governo do Estado do Paraná. “O
conflito não seria tão grave quanto se tornou por conta dessas falsas
notícias. Foi algo intencional, inclusive, para desvalorizar o mercado
imobiliário para alguns investidores se aproveitarem dessa
desvalorização na região”, esclarece.
Indigenista da Funai, Diogo de
Oliveira explica que os 1400 indígenas residentes em 13 aldeias das
cidades de Guaíra e Terra Roxa “reivindicam a realização de um estudo
para que as terras sejam demarcadas”. De acordo com ele, um estudo já
foi iniciado por um grupo técnico da Funai em 2009, mas não foi
concluído. “Os indígenas querem que o estudo seja retomado para que se
possa definir qual é a área que pode ser demarcada. Não existe uma
reivindicação a priori determinando um número ‘x’ de hectares”.
Na entrevista a seguir, ele critica a
decisão de a Embrapa emitir pareceres acerca da demarcação de terras
indígenas. “A Embrapa, historicamente, é uma instituição que se
posiciona contra as terras indígenas em Unidades de Conservação. Ela já
se manifestou várias vezes dizendo que as Unidades de Conservação são um
impedimento para a expansão do agronegócio. Então, é uma instituição
contra a regularização fundiária para as populações indígenas”, adverte.
Diogo de Oliveira é coordenador técnico da Funai em Guaíra.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a situação dos indígenas que vivem em Guaíra? O que pode nos relatar sobre os conflitos na região?
Diogo de Oliveira –
A situação das aldeias de forma geral é de extrema precariedade: falta
saneamento básico, água potável, atendimento à saúde. A razão disso é
que existia uma política de remover os índios dessas terras, e a
estratégia para removê-los é o abandono e a falta de atendimentos
básicos. Atualmente 1400 índios vivem em 13 aldeias, oito delas em
Guaíra e cinco em Terra Roxa, cerca de 500 famílias.
IHU On-Line – Os indígenas que
vivem em Guaíra, PR, são acusados pelos setores dominantes locais de
serem paraguaios que estão invadindo terras no Brasil. Qual é a historia
desses indígenas?
Diogo de Oliveira –
Essa alegação de índios paraguaios é um absurdo, uma falácia inventada
para deslegitimar a ocupação indígena e para gerar uma opinião pública
contrária. As populações de Guaíra e Terra Roxa estiveram aqui e
remanesceram ao longo do processo histórico. Foram feitas várias
políticas para expropriá-los para o interior do Paraná ou para o Mato
Grosso do Sul, mas vários grupos permaneceram com relações de
parentesco, se organizaram na cidade e a população foi aumentando desde
os anos 1980 e hoje temos esse quadro.
IHU On-Line – Qual a
reivindicação deles em relação à demarcação das terras? Qual a situação
legal das terras em Guaíra e Terra Roxa?
Diogo de Oliveira –
Eles reivindicam a realização de um estudo para que as terras sejam
demarcadas. Um estudo foi iniciado por um grupo técnico da Funai em
2009, mas a antropóloga coordenadora não entregou o estudo, então, o
estudo está parado. Os indígenas querem que o estudo seja retomado para
que se possa definir qual é a área que pode ser demarcada. Não existe
uma reivindicação a priori determinando um número “x” de hectares. Como o
processo de estudo e demarcação das terras é demorado, temos trabalhado
para garantir a eles os serviços básicos de acesso à cidadania: água,
saneamento, educação.
A situação legal é que existem áreas
próximo ao perímetro urbano e áreas de ocupação muito antigas, e a
cidade expandiu sob essas áreas. Existem outras áreas na zona rural e
algumas têm ações de reivindicação de posses que estão paradas na
justiça, têm ações determinando que os índios fiquem em algumas áreas e
saiam de outras, ou seja, trata-se de uma situação jurídica bastante
complexa.
IHU On-Line – Por que a demarcação de reservas indígenas foi interrompida a pedido da Casa Civil? Como vê essa medida?
Diogo de Oliveira –
Essa interrupção foi formalizada à Funai e não resolve o problema
fundiário do conflito. Os agricultores continuam com insegurança
fundiária no campo, e os índios continuam com insegurança nas ocupações
que fazem, sem ter apoio jurídico do poder público diante dos seus
direitos.
IHU On-Line – Como avalia a nova
medida de que as demarcações de terras indígenas no RS, SC e MS serão
submetidas a parecer da Embrapa?
Diogo de Oliveira –
A Embrapa, historicamente, é uma instituição que se posiciona contra as
terras indígenas em Unidades de Conservação. Ela já se manifestou várias
vezes dizendo que as Unidades de Conservação são um impedimento para a
expansão do agronegócio. Então, é uma instituição contra a regularização
fundiária para as populações indígenas.
O processo de regularização das terras é
moroso, passa por várias etapas e tendo uma instância, dentro do
governo, declaradamente opositora à demarcação das terras indígenas,
tende a não se conseguir resolver os problemas que temos no país no
processo de regularização fundiária. Essa é uma medida precipitada
porque não vai conseguir dar agilidade e resolver os problemas.
IHU On-Line – Qual a posição do Estado em relação à Funai? Quais os desafios de trabalhar nesse órgão?
Diogo de Oliveira –
No Oeste do Paraná foi criada uma tensão pelo próprio governo do Estado,
dizendo que a Funai incentiva os conflitos, invasões de terras, quando
na verdade estamos na região tentando distensionar a situação de
conflito e atender aos direitos das populações indígenas. Não podemos
deixá-los desassistidos. Hoje, dentro da Funai, o investimento é
destinado à qualidade da formação profissional, apesar de todos os
empecilhos e dificuldades políticas. Temos também uma dificuldade
estrutural, porque a equipe técnica é pequena, mas ao mesmo tempo há
qualidade do corpo técnico. O volume de trabalho é muito grande e lidar
com o conflito é difícil.
IHU On-Line – Pode nos relatar as situações de conflito que ocorrem entre fazendeiros e indígenas? Eles são recorrentes?
Diogo de Oliveira –
Os índios não têm um clima de tensão. O que acontece é que muitos
fazendeiros entram armados nas aldeias. Em Guaíra criou-se um cenário de
que os índios vão invadir as casas e, por causa deles, terras serão
desapropriadas. Então, foi criado um terrorismo e uma histeria na
população que a fez ficar extremamente xenofóbica com os índios,
tratá-los mal.
Para piorar, a agência do governo do
Estado falou da existência de um incentivo para tomar as terras, e um
pequeno grupo de ruralista instalou uma tensão na população, que levou
ao “tensionamento” que temos hoje. Na verdade, o conflito não seria tão
grave quanto se tornou por conta dessas falsas notícias. Foi algo
intencional, inclusive, para desvalorizar o mercado imobiliário para
alguns investidores se aproveitarem dessa desvalorização na região.
IHU On-Line – Há presença da Força Nacional em Guaíra?
Diogo de Oliveira –
Não, ainda não. Guaíra é uma cidade extremamente violenta, vinculada à
criminalidade da fronteira. Então, aqui existe o quartel do Exército, a
Polícia Federal, enfim, uma série de órgãos públicos que atuam. A Força
Nacional não foi deslocada porque não ocorrem casos graves de conflitos e
enfrentamentos.
IHU On-Line – A população de Guaíra aceita os indígenas?
Diogo de Oliveira –
Em Guaíra, o índio sempre foi um personagem, um símbolo da cidade. Essa é
uma cidade totalmente indígena. Ele recebia um certo acolhimento da
sociedade guaírense até que foi criada essa onda de violência e de
tensão contra eles. Essa série de informações falaciosas quiseram,
justamente, jogar a população contra eles.
Hoje eles não conseguem emprego, as
crianças sofrem preconceito nas escolas, existe uma ação da prefeitura
em não oferecer os atendimentos básicos a eles. Além disso, houve dois
casos de suicídios de jovens nesse ano, por conta do preconceito que
sofrem na escola.
Em Terra Roxa, por exemplo, uma
assistente social recomendou que um jovem indígena morresse porque ele
nunca ia conseguir emprego. Ocorre todo um efeito cascata como
consequência de um clima que foi criado para colocar a sociedade contra
os índios.
IHU On-Line – De acordo com
notícias do Cimi, escolas das comunidades são mantidas pelos próprios
indígenas, pois o poder público estadual não aprova a instalação de
“escola itinerante”. Pode nos falar sobre essa situação?
Diogo de Oliveira – A
educação é extremamente precária. As escolas nas aldeias não têm
banheiro, não têm refeitório, não têm carteira. As crianças estudam numa
situação de absoluta precariedade. Teve uma decisão judicial a favor da
construção das escolas e o governo do estado recorreu, porque não tem
interesse em fazer esse atendimento escolar. Das 13 áreas ocupadas pelos
índios, só uma tem escola indígena.
Então, a situação de educação é
extremamente precária e não tem atendimento adequado à educação
diferenciada, a alfabetização bilíngue, e muito por conta da falta de
vontade política do governo do estado em atender essas comunidades no
que tange à educação. As crianças muitas vezes vão às escolas públicas e
temos recebido recorrentes manifestações de que estão sofrendo
preconceito, discriminação dos próprios professores.
IHU On-Line – Muitos indígenas
também buscam trabalho na construção civil, propriedades agrícolas,
frigoríficos, colheita de maçã em Santa Catarina, dentre outras. Mas,
empresários e alguns proprietários rurais mobilizam-se na região para a
não contratação da mão-de-obra indígena. Por que isso ocorre?
Diogo de Oliveira – Os
índios, historicamente, trabalhavam na colheita da mandioca, alguns que
prestavam serviços à construção civil, vários deles tinham empregos
regulares. Mas houve um chamamento público das cooperativas, como
a Cooperativa Agroindustrial Copagril, para que elas não contratassem
mais índios. Então, todos os índios que tinham trabalho regular e
carteira assinada foram demitidos e ninguém emprega mais os índios na
região. Isso deixou a situação ainda mais dramática dentro das aldeias,
porque além de não se ter a área, a segurança jurídica e a educação,
eles também não têm emprego, não têm apoio para as atividades
produtivas, não têm água, não têm luz, não têm atendimento de saúde
adequado, nem saneamento básico. A situação é extremamente precária.
Fonte: http://racismoambiental.net.br/2013/06/guaira-o-indio-sempre-foi-um-simbolo-da-cidade-entrevista-especial-com-diogo-de-oliveira/ ACESSADO EM 08/06/2012
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