Democracia na comunicação e necessidades revolucionárias – parte III
Conforme afirmamos nos dois artigos recém publicados neste espaço (AQUI e AQUI),
a democratização da comunicação possui grande potencial revolucionário,
na medida em que o aparelho ideológico é um dos sustentáculos básicos
da estrutura capitalista (os outros são o Estado burguês e as grandes
empresas privadas). Nas transformações – dialéticas – necessárias para a
mudança de sistema, então, o desmonte do sustentáculo ideológico –
mídia, igrejas, educação formal, etc – é condição sine qua non,
e, já que a comunicação é uma necessidade humana – e um direito usurpado
– é preciso reconstruir o aparato midiático a partir de uma orientação
popular, democrática, horizontal e plural.
A inversão
do modelo midiático e as ações que convergem em sua direção (como
explicitadas no artigo mais recente) faz-se necessária não apenas
enquanto instrumento de transformações mais profundas no âmbito
nacional, mas também como pressuposto de qualquer luta internacionalista
séria.
Temos visto
recentemente na América Latina a ascensão de governos de esquerda e
centro-esquerda. Estes – em cada uma de suas ações progressistas –, e
aqueles – em todos os seus movimentos – são atacados de forma visceral
pela mídia dominante. Falo especificamente do Brasil, mas o conceito
pode ser generalizado sem grande prejuízo de exatidão. O capitalismo
moderno é fundamentalmente internacional, determinados padrões são
seguidos globalmente, e a orientação da mídia burguesa hegemônica pouco
difere de um lugar para o outro. Sua função é a mesma: a conservação do
poder oligárquico através da alienação, do afastamento do povo em
relação à realidade objetiva que o cerca.
Os exemplos
dos governos de Hugo Chávez, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, e
Rafael Correa, no Equador, são os mais recentes, mas Cuba, assolada pelo
criminoso bloqueio econômico estadunidense desde 1962, sofre também
desde lá com um bloqueio igualmente agressivo, venenoso e danoso: o
bloqueio midiático. Agressivo, venenoso e danoso não só a Cuba, mas a
todas as nações do mundo, a todos os povos do planeta, atingidos em seu
direito à informação, ao conhecimento e à realidade – e à ação sobre
ela.
Revoluções
não podem ser exportadas, mas o exemplo internacional de transformações
ajuda a desnaturalizar a realidade, ajuda a entendê-la como cultural,
histórica, e passível das mudanças que a humanidade desejar, sejam elas
quais forem. O conhecimento sobre realidades diferentes, sobre lutas
populares travadas em todo o mundo, servem diretamente às causas
nacionais, como estímulo, como demonstração de que utopias são
diferentes de ilusões. Utopias são situações ainda não alcançadas, mas
alcançáveis, que podem vir a ter lugar na História. Em alguns lugares,
certas utopias já foram alcançadas, e outras estão mais próximas de
realizarem-se por conta do entendimento de que podem efetivar-se desde
que atuemos de forma organizada nessa direção. É essa possibilidade de
mudança que a mídia oligárquica quer esconder quando mente, distorce ou
omite informações sobre o que se passa à nossa volta.
Em momento
algum Cuba desrespeitou a soberania estadunidense ou as escolhas de
qualquer povo do mundo. É atacada – inclusive pela mídia hegemônica –
não por ser uma ameaça direta, mas por configurar uma ameaça simbólica
enquanto exemplo de que tudo pode ser diferente, especialmente nos
países subdesenvolvidos. A trajetória da Revolução Cubana e mesmo de
Cuba pré-59 deixa à mostra os males causados pelo capitalismo nas
relações internas e por sua expressão internacional, o imperialismo, ao
mesmo tempo em que explicita as soluções e os avanços decorrentes da
soberania nacional e popular, as transformações possíveis quando o povo
toma em suas mãos os rumos de seu país. Algo semelhante acontece na
Venezuela, na Bolívia e no Equador, e, em menor grau, na Argentina – por
exemplo com a Ley de Medios.
No mesmo
sentido mas com direção oposta caminha costumeiramente a cobertura
relacionado ao aparato estatal capitalista. Nas Ditaduras Militares que
se espalharam pela América Latina nos anos 1960 e 70, por exemplo, a
mídia dominante foi importante instrumento de sustentação de regimes
políticos que sequestraram, torturaram e assassinaram enquanto suas
práticas econômicas contribuíam para o quadro de pobreza que veio a ter
seu auge no período neoliberal dos anos 1990. Também novos golpes das
oligárquicas incomodadas por avanços populares, golpes abertos ou
“brancos”, como em Honduras e no Paraguai, a mídia corporativa local e
internacional cumpre o papel de referendar os governos golpistas e
omitir os interesses estrangeiros constantemente envolvidos nessas
situações. O mesmo aconteceu no golpe sofrido por Hugo Chávez na
Venezuela em 2002, prontamente derrotado pela mobilização popular apesar
da participação direta da mídia privada venezuelana na tentativa de
derrubada do presidente.
A sensação –
real – de pertencimento confere aos oprimidos um maior potencial de
luta na medida em que a revolta latente ganha consistência e, com a
identificação com o coletivo – os trabalhadores – rompe o isolamento e
enterra o constrangimento de se sentir sozinho, isolado na indignação.
Ao mesmo
tempo em que bloqueia as informações sobre os avanços populares pelo
mundo, a mídia oligárquica procura criar falsas rivalidades e fortalecer
as já existentes, escondendo o fato de que a mesma opressão sofrida
pelos trabalhadores aqui também é vivida logo ali, dividindo a
humanidade entre países “distantes” quando, na realidade, a maior
distância está entre opressores e oprimidos de todo o mundo.
A partir de
todas essas observações, fica clara mais uma situação que torna tão
urgente a democratização da comunicação onde esta puder acontecer e o
enorme potencial revolucionário desse tipo de transformação. A
construção de revoluções nacionais passa pela consciência do
internacionalismo revolucionário e pela noção de que o isolamento reduz a
possibilidade de aprofundamento de mudanças em qualquer país, enquanto a
multiplicação de revolucionários e revoluções leva a um efeito cascata,
desde que as informações sobre os avanços consigam circular.
Fonte: http://jornalismob.com/2013/01/09/democracia-na-comunicacao-e-necessidades-revolucionarias-parte-iii/